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Privacidade digital: direito ou necessidade?

Os dados já são um dos recursos mais valiosos do planeta. Há mesmo quem garanta que são estratégicos para vencer a próxima guerra, que será travada não nas trincheiras em campo aberto, mas no mundo digital. Estes dados alimentam algoritmos, algoritmos esses que têm o potencial para mudar o mundo como hoje o conhecemos.

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Privacidade protege os inocentes da opressão
Regimes autocráticos, seja ao mais alto nível de governo ou ‘apenas’ gestão de uma empresa, geralmente suprimem reclamações e novas ideias que podem minar a sua autoridade ou revelar actos inapropriados.

«A privacidade permite que dissensões, relatos de problemas, expressão de ideias, resolução construtiva de desacordos e liberdade sejam ouvidos. A privacidade fortalece a comunidade e dá voz às vítimas, salvaguardando a liberdade de expressão necessária para combater a opressão», esclarece a psicóloga Maria de Freitas.

Na era digital, a privacidade vai além do anonimato, pois também protege as pessoas da vitimização e manipulação. «A sociedade adoptou a tecnologia para educar, comunicar, conduzir negócios e formar relacionamentos. Os nossos pontos de vista e opiniões são fortemente influenciados pelo que aprendemos com fontes de notícias locais, nacionais e internacionais».

Os dados são o novo petróleo
Facto: contribuímos (sim, todos nós) fortemente para o cenário digital através das nossas acções e decisões. As nossas impressões digitais estão por toda parte, contam uma história, de onde vamos, o que fazemos, de quem gostamos ou não e do que pensamos.

Essas impressões são criadas a cada clique que fazemos e a cada arquivo, aplicação e dispositivo que usamos. «Quando esses dados são agregados, podem fornecer informações tremendamente poderosas sobre uma pessoa ou comunidade – o suficiente para criar ‘personas’ complexas e precisas», explica Maria de Freitas. «Essas informações são commumente usadas para manipular as crenças e comportamentos das pessoas».

As compras on-line são um exemplo perfeito: o marketing direccionado e a publicidade orientada a dados são um grande negócio, porque conseguem fazer com que as pessoas gastem dinheiro. Na nova era digital, não é particularmente complicado saber o que as pessoas estão a fazer, a pensar, a dizer, a consumir e a ver. «O acesso a grandes quantidades de dados privados oferece aos anunciantes a capacidade de criar mensagens oportunas e significativas que atraem as pessoas para os comportamentos desejados», complementou Augusto de Freitas, especialista em marketing digital.

Mas se os retalhistas podem convencer as pessoas a comprar coisas que não precisam, para que outros fins podem os dados particulares podem ser usados? «Podem claramente ser usados para mudar o que as pessoas pensam, quem apoiam, as suas visões políticas, o que se deve tornar uma lei e em que acreditar. O uso de informações privadas é alavancado há muito tempo para promover, difamar ou perseguir várias religiões, partidos e líderes políticos», asseverou António Cunha.

Nas últimas décadas, o modo como os cidadãos globais recebem as suas notícias mudou. Os segmentos de notícias e entretenimento começaram a misturar-se, frequentemente relatando factos com ‘enfeites’ e histórias opinativas para influenciar a opinião pública. «Quanto mais informações privadas são conhecidas, mais fácil se torna influenciar, convencer, persuadir ou ameaçar as pessoas», sublinha o historiador.