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Privacidade digital: direito ou necessidade?

Os dados já são um dos recursos mais valiosos do planeta. Há mesmo quem garanta que são estratégicos para vencer a próxima guerra, que será travada não nas trincheiras em campo aberto, mas no mundo digital. Estes dados alimentam algoritmos, algoritmos esses que têm o potencial para mudar o mundo como hoje o conhecemos.

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Em grande parte do mundo, a privacidade é considerada um direito humano básico. Por exemplo, os cidadãos da União Europeia têm consagrado, no capítulo dos direitos fundamentais, o direito à dignidade. Ou seja, o direito a uma vida privada, a agir sem coerção e manter o controlo das suas informações pessoais. Estes aspectos são tão valiosos que são considerados parte integrante da sociedade da União Europeia.

A Europa – e a maior parte das geografias – codificaram estes direitos em legislação, em grande parte devido a lições retiradas do passado. «Uma sociedade não pode ter liberdade sem privacidade. Pode parecer um luxo, mas é importante para o bem-estar de uma sociedade livre e justa», disse à businessIT o sociólogo Carlos de Almeida.

«Ao longo da história, raças e grupos de pessoas foram perseguidos devido às suas características, afiliações, posses ou crenças. Governos, poderosas entidades empresariais, criminosos e organizações influentes têm procurado frequentemente obter informações privadas, usadas para prejudicar indivíduos e controlar ou manipular as massas. A privacidade tem sido um dos escudos usados ​​para proteger as pessoas de vitimização injusta».

Invasão da privacidade como arma
Durante a Segunda Guerra Mundial, as potências do Eixo tiveram como alvo raças e religiões específicas, a ponto de quase um genocídio. Muitos dos que sobreviveram conseguiram-no mantendo as suas informações em sigilo, essencialmente escondendo-se na multidão. «Testemunhámos a perseguição de pessoas que se manifestavam pela democracia durante os movimentos da Primavera Árabe. As suas assinaturas e localizações foram colhidas por governos opressivos para identificar pessoas que participavam em comícios públicos», explicou o historiador António Cunha.

Mesmo na actualidade, o historiador não tem dúvida de que muitos governos e empregadores espiam activamente os seus cidadãos e funcionários para monitorar ideias, discussões ou divergências indesejadas. «Faz parte da história os infractores serem processados ​​ou reeducados para se alinharem com o que os membros da autoridade julgam apropriado. Sem o benefício do anonimato, o desejo dos cidadãos de expressar os seus pensamentos é efectivamente reprimido».

Aliás, hoje, os governos comprometem a privacidade para controlar ou influenciar as pessoas. Nos Estados Unidos, durante os recentes protestos do Black Live Matter, as preocupações com a vigilância fizeram com que a IBM, Microsoft e Amazon repensassem a sua participação no fornecimento de soluções de reconhecimento facial para a aplicação da lei. Isto porque, defendem estas empresas, proteger a privacidade é crucial para os denunciantes que avançam para expor a injustiça.

Os repórteres de investigação são eticamente obrigados a proteger a identidade das suas fontes confidenciais precisamente por esse motivo. «O assédio e os maus-tratos podem permanecer ocultos numa escala tremenda quando as pessoas têm medo de relatar problemas porque sentem que podem ser identificadas», disse Carlos de Almeida.