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O mercado como um serviço

Já não compramos álbuns de música e poucos downloads fazemos. Assinamos um serviço que nos entrega um portfólio à medida. Fizemos isso com o entretenimento, gostamos da experiência e transpusemos o conceito para o mundo empresarial, onde o ‘as-a-service’ vai desde o software ao dispositivo, passando pela plataforma ou infra-estrutura. Mas vai tudo ser um serviço? Talvez.

Aluguer em vez de comprar
As empresas que procuram adoptar uma nova arquitectura em nuvem ou sistema de segurança cibernética estão cada vez mais propensas a arrendar o seu uso na Amazon Web Services, na Microsoft ou na Salesforce – a lista continua por aqui fora… – em vez de criar a sua própria solução do zero ou comprar de imediato algo que exigirá actualizações e uma contínua manutenção. “Para além do preço, o mercado como um serviço tem sobretudo a ver com adquirir competências e tranquilidade, passando para a mão de terceiros a responsabilidade de algumas áreas que não são core aos negócios”, disse à businessIT o analista e especialista em assuntos económicos Daniel Morgado. «E aqui tanto podemos estar a falar do tal generalizado software como de um veículo automóvel». Sim, porque da mesma forma que o aumento dos serviços de streaming com base em assinaturas reformulou a maneira como ouvimos música (no primeiro trimestre deste ano, os serviços de streaming representaram 80% da receita da indústria da música) estamos à beira de uma nova era da mobilidade como serviço?

«Talvez» é capaz de ser a melhor resposta, pois vários serviços de assinatura de veículos pioneiros lutam por um espaço de actuação entre a posse de carros e o crescente mercado de micro-mobilidade, com as e-scooters e o aluguer de bicicletas a tornarem-se comuns em ambientes urbanos, que por sua vez são cada vez mais hostis aos automóveis. «Mas há várias empresas à espera que os seus modelos de negócios lhes permitam destacar-se o suficiente para encontrar um nicho permanente», diz Daniela Morgado.

Tudo como um serviço? Talvez.
Continuemos no exemplo dos carros, para fugir ao clássico das tecnologias. Alguns dos primeiros players a entrar no espaço de assinatura de veículos foram aqueles com escala e, mais importante, com veículos para fazê-lo. Além de empresas de aluguer, que oferecem serviços de assinatura além das suas opções de negócios de aluguer, a Ford lançou um serviço de assinatura em 2017. Através de uma subsidiária, a Ford ofereceu arrendamentos de prazo variável para os clientes de São Francisco, nos Estados Unidos, eventualmente expandindo para Los Angeles e Dallas. Um total de 3800 assinantes usou o serviço. No entanto, em Setembro, a Ford anunciava que iria deixaria o mercado, apenas um par de anos depois de entrar nele, vendendo a “ideia” à Fair – um fornecedor de assinaturas por apps com 45 mil clientes e a actuar em 30 cidades norte-americanas – por um valor não revelado. O facto de a Ford entrar e sair tão rapidamente do que inicialmente parecia ser um mercado tão simples (principalmente para uma empresa que produz e tem acesso a um grande número de carros) é uma demonstração clara de que o espaço de automóveis como serviço é mais complexo do que parece. Outro exemplo, dos vários do mercado, é a Car2Go, uma parceria entre a Mercedes-Benz e a BMW, que oferece serviços de veículos pagos à hora, e que tem presença na Europa, também anunciou a sua saída de muitas cidades norte-americanas. Ou seja, será tudo como um serviço? Em todas as geografias? Voltamos ao confortável «talvez».

As TI como activo crítico
Mas seja algo simples como uma assinatura mensal ou a escalabilidade dos serviços de computação em nuvem, o XaaS mudou as expectativas dos consumidores. «A indústria de tecnologia está na vanguarda deste modelo, mas lida com mais complexidade do que outros sectores», garante o especialista. Não do ponto de vista de modelo de negócio, como parece ser o caso da indústria automóvel, mas da, digamos, responsabilidade que as TI têm cada vez mais dentro das estruturas empresariais.

O investimento inicial para fornecedores de soluções pode ser incrivelmente caro e demorado, o que explica serem gigantes como a Microsoft, a Amazon e a Google, pela sua capacidade de investimento, a impulsionarem a proliferação de XaaS. Além disso, os riscos são maiores: os serviços que os provedores de TI prestam aos clientes são considerados activos críticos. Uma empresa pode sofrer uma grande perda de receita ou até arriscar-se a um colapso se os seus sistemas de TI falharem, o que não deixa margem para erros para os seus fornecedores.

Ou seja: se executado corretamente, consumir qualquer coisa como serviço é uma vantagem para ambas as partes. Mas, como diz num artigo de opinião Ken Lamneck, CEO da Insight Enterprises, o diabo está nos detalhes e é importante que o fornecedor e o cliente entendam o cenário.