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A revolução dos dados no retalho

Revolução no Retalho

A responsabilidade do uso dos dados dos clientes

Como diz o ditado «Não há fome que não dê em fartura» – e isto poderia bem ser aplicado à informação que os retalhistas têm relativamente aos clientes. O aumento exponencial dos dados traz duas questões: a primeira passa pela dificuldade que é conseguir retirar informação de dados não estruturados – que são cerca de 80% do volume dos dados que se conseguem retirar, segundo a IBM Portugal.

A segunda questão passa pelo problema da privacidade dos consumidores: «Quanto mais informação se tem dos consumidores, maiores são as preocupações com a privacidade dos dados e a forma como estes são retidos», refere Daniel Cruz, territory manager da NetApp.

Afinal, quando é que é ultrapassada a barreira entre aquilo que é retirar informação para acrescentar valor ao negócio e aquilo que é intrusão? Um exemplo desta segunda categoria passou-se com a gigante Target, em 2012, quando a empresa enviou cupões de desconto de produtos de área pré-natal a uma adolescente norte-americana.

Na altura, o episódio fez correr muita tinta, principalmente porque a gravidez ainda não era do conhecimento dos pais, que se insurgiram contra a Target. Além do caricato do episódio, houve algo mais que saltou à vista: como é que a loja tinha capacidade para fazer este tipo de inflexão utilizando ‘apenas’ dados de compras? Os analistas da empresa vieram a público explicar que cada utilizador tinha uma espécie de ‘pontuação’ no que se referia à possibilidade de gravidez.

Tudo porque eram analisados os históricos de compras: quando eram detectadas compras de suplementos de alimentação como cálcio, magnésio ou zinco, produtos de higiene sem cheiro ou uma quantidade considerável de toalhitas, a tal pontuação subia de nível e a cadeia de lojas ficava mais atenta. Afinal, quem não quer conquistar consumidores prestes a aumentar a família?

Em suma, neste campo, há que ter em conta o que é que se quer fornecer ao consumidor final. O contexto e o consentimento são de importância vital para quem consome e está a ponto de ceder os seus dados a outrem – seja a lista de compras do supermercado ou algo mais. No final, a percepção mais desejável da inovação ao serviço de retalho será mesmo aquela que culmine num sentimento de benefício pessoal para o consumidor.

O novo RGPD muda alguma coisa neste cenário?

A partir de Maio deste ano, o Regulamento Geral de Protecção de Dados (RGPD) entra em vigor à séria, sendo este o mês a partir do qual as empresas e entidades têm de estar em conformidade com todas as regras do novo regulamento. Focado na privacidade, qualquer indivíduo passa a ter direito a saber onde param os seus dados e a ter o direito de ser esquecido. Assim, dar os seus dados às cadeias de retalho já não será um compromisso para sempre – a qualquer momento, qualquer consumidor pode pedir para que os seus dados sejam apagados do sistema.

Das empresas abordadas neste tema, há uma tónica comum em relação ao RGPD: o caminho para a conformidade com as regras do RGPD pode ser longo, mas a jornada vai ter um final feliz e, acima de tudo, uma palavra a levar a sério: ‘transparência’.

Para Nuno Maximiano, da IBM Portugal, esta implementação do RGPD «obriga a que os sistemas de recolha e armazenamento de dados dos consumidores sejam cada vez mais transparentes, rigorosos e cautelosos». Ainda assim, o responsável da IBM reforça que esta mudança permitirá que «os consumidores forneçam alguns dados pessoais, de forma consciente, em troca de um serviço personalizado».

No caso do SAS, que fornece várias soluções de analítica, um ponto-chave neste mercado do retalho, o novo regulamento europeu «é o primeiro passo para criar os alicerces para uma boa estratégia de governação e qualidade dos dados», explica Manuel Aveleira, executive account manager do SAS, destacando ainda que «implicará um grande trabalho a desenvolver para o seu cumprimento [com o RGPD], mas que será positivo pois trará maior controlo, segurança e consistência para todos».

Para Daniel Cruz, da NetApp, o RGPD deve mesmo ser uma prioridade de quem quiser investir numa solução para transformar os dados em valor para o retalho: «Antes de mais, garantir o correcto armazenamento e devida proteção dos dados; em seguida garantir o cumprimento de todas as normas de privacidade de dados incluindo o RGPD», explica o responsável.

 

A inteligência artificial a ajudar

Há alguns anos que vemos a inteligência artificial ganhar terreno em várias áreas – e o retalho não foge a esta regra. À primeira vista, a face mais óbvia da IA no retalho aparentam ser os chatbots como um novo intermediário entre retalhista e consumidor, mas isso é só a ponta do iceberg. Plataformas dotadas de IA, como é o caso do Watson, da IBM, estão a ser aplicadas ao retalho, com vários projectos já a serem aplicados ao mundo real.

Para Nuno Maximiano, o Watson, a plataforma de serviços cognitivos baseada na cloud desenvolvida pela tecnológica que está a ser aplicada a várias indústrias, «oferece uma capacidade de inteligência aumentada que permite aos retalhistas antecipar e reagir em tempo real às mudanças na cadeia de valor».

Como exemplos disto, a IBM conta com projectos-chave como a associação à cadeia de lojas Macy’s, com a assistente de compras Macy’s On Call. Assistentes virtuais como estes podem não ser iguais a assistentes de compra humanos, mas servem como uma nova forma de fazer uma selecção inteligente de produtos, personalizadas e baseadas no perfil e histórico de compras de determinado utilizador.

Macys-Artificial-Intelligence-Tool

Além disso, o facto de muitos destes chatbots estarem em apps como o Messenger do Facebook dão uma nova dimensão de proximidade à relação retalhista-cliente. Outro ponto positivo a favor dos chatbots: são imediatos e podem ainda funcionar como um novo mediador na questão do suporte e pós-venda de determinada artigo.

Mas esta não é a única dimensão da IA dentro do retalho: a experiência de algumas lojas já passa também pela introdução de provadores inteligentes, com espelhos virtuais, onde é possível ‘experimentar’ roupa apenas com um toque no ecrã. Outra das opções pode também passar pelo uso de IA para aprender com o gosto do consumidor e fazer uma sugestão de uns sapatos que fiquem bem com as calças que o cliente acaba de experimentar.

As compras em lojas físicas continuam a ser uma grande fatia do panorama geral das compras feitas, mesmo tendo em conta a popularidade crescente das compras online. Uma das componentes que pode ser colocada ao serviço dos retalhistas no que toca a esta forma de consumo em loja é a análise de comportamento – afinal, fazer a análise do histórico de compras e pesquisa de determinado consumidor é mais fácil no mundo digital do que no real.

Através da análise de dados das câmaras de vigilância, aliadas à IA, será possível reconhecer o nível de satisfação dos consumidores ao andarem pela loja, detectar quais os expositores ou produtos que chamam mais a atenção no momento de compra.