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Mulheres nas TI: é preciso ser ‘one of the guys’?

Mulheres nas TI

Menina, aqui, não entra 

Mas por que razão as mulheres estarão menos inclinadas a escolher os cursos mais técnicos ou tecnológicos? Paula Gomes da Costa defende um misto de tradição e disponibilidade para dedicar o tempo necessário a esses cursos e profissões. «Recordo-me, por exemplo, da minha mãe contar que a minha avó queria que ela fosse professora. Se não fosse o apoio do meu avô, ela nunca teria tirado o curso de medicina nos anos 50/60, uma vez que não era considerado um curso digno de uma menina de bem».

Esta mentalidade, apesar de já não existir de forma tão declarada, ainda se faz sentir, diz esta executiva. E a culpa, neste caso, não morre solteira. «É das mulheres, e principalmente das mães que continuam a educar os filhos e as filhas sob alguns destes paradigmas, e de uma sociedade que não proporciona às mulheres uma divisão mais equitativa da suprema tarefa de cuidar e educar os filhos».

Já houve mudanças, admite Paula Gomes da Costa, mas o processo é lento e geracional. «Não vai ser apenas por decreto, mas terá de ser incutido na cultura e na forma de estar da organização social e pessoal de cada núcleo familiar e de cada indivíduo». A presidente da Porto Tech Hub opõe-se «visceralmente» à necessidade de fazer mudanças legislativas para atingir o que deveria ser um estado adquirido e natural. Aliás, sente isso em relação a todos os actos que visam proteger as minorias, «apesar de ter constatado que estas são indubitavelmente necessárias como alavanca para a mudança de mentalidades».

Depois do que considerou este «pequeno desabafo» face à incapacidade de compreender porque é que esta igualdade entre mulheres e homens não é já um facto natural e adquirido, a executiva, se fosse legisladora, «alteraria a lei laboral de forma a garantir que nas empresas, da mesma forma que nos órgãos governativos, fosse obrigatório uma quota de mulheres nos seus quadros».

Outra alteração que poderia ajudar, no entender da directora da Blip, seria a obrigatoriedade de os homens passarem exactamente o mesmo tempo que as mulheres a tomarem conta dos filhos, ou seja, a mulher teria os primeiros quatro a cinco meses, sendo que os quatro a cinco meses seguintes seriam obrigatoriamente gozados pelo pai. «Mas isso levar-nos-ia a outras questões».

mulheres nas TI

Liderar sem alterar identidade feminina 

Conciliar a vida pessoal com a profissional é o grande desafio que Isabel Reis, enterprise Spain & Portugal managing director da Dell EMC, enfrenta. «As mulheres, embora assumam cada vez mais cargos de chefia, continuam a ter um grande peso na responsabilidade da gestão familiar». Isabel Reis enfatiza a necessidade de saber ser respeitada, sem ser pela imposição ou alterando a natureza feminina.

«Um dos erros mais frequentes é quando as mulheres querem ser como os homens para serem mais respeitadas. A diversidade numa empresa é fundamental, por aquilo que cada um aporta em termos de valor à companhia». Para isso, a executiva diz ser muito importante que as mulheres, embora tenham de ter uma incidência grande no enfoco e na liderança de equipas, não tentem ser como os homens. «Esse é um dos grandes desafios. Ter resultados, gerir a pressão, liderar as equipas, mas sem nunca perder a nossa identidade».

Há 25 anos que Isabel Reis ocupa cargos de direcção e diz que o facto de ser mulher nunca beneficiou ou prejudicou a sua carreira, sentindo que foi sendo promovida – sempre por homens – «porque me foram identificadas características e skills que serviam os interesses da companhia». Refere ainda não ter beneficiado de «imposição de quotas» ou questões mais politicas como o enfoco na diversidade.

A cibersegurança continua a ser um campo pouco explorado pelas mulheres, que ocupam apenas 11% da força de trabalho total da indústria, diz a Kaspersky.

Profissionalismo acima do género 

Vivemos num mundo onde a tecnologia está cada vez mais presente e faz parte das nossas vidas. Como tal, exige profissionais mais qualificados e dedicados, diz a managing director da Dell EMC. Neste contexto, a executiva manifesta ter-se tornado muito importante captar talentos, independentemente do seu sexo ou etnia.

«Está provado que quanto mais diversa a estrutura de uma equipa, melhor desempenho terão as mesmas. Contudo, penso que ainda é necessário reforçar a comunicação por parte das empresas e universidades de forma a incentivar as mulheres a enveredarem pela área da informática».

Assim, «enquanto mulher e trabalhadora», Isabel Reis continua a afirmar que tem de existir mais legislação ao que toca à igualdade salarial. «Este é um tema preocupante em Portugal, onde os homens ainda ganham mais 17,8% que as mulheres. Penso que está na hora de o Governo avançar com a lei que prevê a criação de instrumentos para detectar diferenças salariais entre homens e mulheres de forma a construirmos uma sociedade mais igualitária».

Uma questão que, infelizmente, admite ser mundial e não apenas de Portugal. «As empresas de TI já descobriram que a diversidade é um factor competitivo adicional. Eu, como responsável das operações em Portugal e em Espanha, vejo com agrado o aumento de mulheres com cargos executivos e inclusive com cargos internacionais».

As mulheres representam 41% da força de trabalho da Accenture a nível global, percentagem que tem vindo a subir desde que a empresa definiu como objectivo alcançar o equilíbrio de género nas suas equipas até 2025.

Diversidade incute motivação

Sofia Tenreiro, directora-geral da Cisco Portugal, considera-se particularmente afortunada pelo facto de sempre ter trabalhado em empresas com culturas de aposta na diversidade e na meritocracia e com managers que sempre trataram os dois géneros de igual forma: «Em nenhum momento da minha carreira senti que fui prejudicava por ser mulher».

Sofia Tenreiro acredita que a diversidade contribui para equipas mais motivadas, criativas, eficazes, ricas e que conseguem alcançar melhores resultados. «Na Cisco Portugal valorizamos a diversidade a muitos níveis: de género, geracional, cultural, de idioma, de experiências passadas, de personalidade, entre outras».

E hoje, líder de uma organização, atesta que a sua prioridade são as pessoas. «Adopto uma gestão baseada numa maior proximidade às equipas, parceiros e clientes. Fui contratada numa fase em que a Cisco se está a reinventar e está a tornar a tecnologia mais próxima de todos, não apenas dos departamentos de TI». Por outro lado, relembra que esta empresa norte-americana cada vez mais acredita que a diversidade é importante, não só de género, como de nacionalidade, de experiências passadas e de personalidade.

«Há cada vez mais gerações diferentes a coexistirem nos escritórios, com necessidades e estilos de vida distintos. Esta diversidade permite-nos tirar partido de todos os ângulos da realidade e permite-nos ser mais próximos também em termos da linguagem usada para comunicar as nossas soluções ao mercado».