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O Direito nas TI e as TI no Direito

Bem-vindos à era do Direito 4.0. Uma era na qual os sistemas analíticos irão ajudar a prever os resultados de um caso e os advogados sabem programar. Uma era na qual os gabinetes de advogados são consultores na área tecnológica das empresas.

Homem vs. máquina
Claro que, como em tudo, também aqui há a ideia de que a introdução de novas tecnologias no meio jurídico fomentará a substituição de advogados e juízes por máquinas, que seriam mais eficientes, assertivas e rápidas, seja para fazer petições iniciais, formular defesas ou tomar decisões.

Mas os “actores” desta área, ou pelo menos grande parte deles, negam esta visão. Aliás, o Lisbon Law Summit (evento realizado pela primeira vez este ano) debateu, precisamente, o impacto das novas tecnologias no Direito e contou com a presença de Francisco Proença de Carvalho, Hugo Martins Braz, Inês Palma Ramalho, Luís Barreto Xavier e Nuno da Silva Vieira. Um das suas conclusões foi que, por muitas tecnologias e novas abordagens que apareçam, o advogado será sempre a peça principal neste imenso tabuleiro. Uma máquina ou um programa computacional não têm capacidade de trabalhar casuisticamente (trabalhariam somente com teses padronizadas e programadas), assim como são incapazes de colocar emoções nas acusações ou defesas, e muito menos podem interagir com o cliente e com todas as variáveis de cada situação. Existem muitas características exclusivamente humanas que são essenciais para as profissões jurídicas e jamais poderão ser alcançados por softwares, defendem estes profissionais.

Redução de custos
A pesquisa Will Your Job be Done by a Machine?, que visava prever as hipóteses de uma determinada função ser substituída por máquinas, dizia que, no caso dos advogados, não passa de 3,5% para as próximas décadas, porque a tecnologia pode substituir apenas o que é repetitivo (como fornecimento e busca de dados) ou que segue determinados padrões. As referidas características são diametralmente opostas às do trabalho de um advogado, que deve adaptar-se e elaborar uma estratégia única a cada caso. A actuação dos advogados, por essência, adequa-se conforme as especificações dos casos, interpretações, jurisprudências e pessoas envolvidas. Isso quer dizer que o exercício da advocacia é, essencialmente, humano e depende do conhecimento, capacidade de estruturar estratégias e interacção com todas as variáveis de uma situação.

Incoercível é o avanço tecnológico, e, certamente, por meio de um processo de selecção natural, irá modificar as profissões como um todo. Apesar de a probabilidade de uma eventual substituição de advogados por máquinas ser praticamente nula, isso não significa que o avanço tecnológico não vá modificar a profissão.

Basicamente, e outro dos temas amplamente discutidos no Lisbon Law Summit, as tecnologias poderão ajudar os advogados a reduzir seus custos internos, delegando a algoritmos especialistas treinados as actividades elementares e triviais, tais como elaboração de petições, análise de jurisprudência etc. Tal uso da tecnologia fará os rendimentos de um escritório advogado aumentar consideravelmente, pois, uma vez que ele não mais precisa perder tempo com burocracias repetitivas, pode dedicar-se a prestar serviços de qualidade para uma clientela mais numerosa.

Advogados consultores
Uma maneira de vermos a evolução dos conceitos é estarmos atentos à forma como as empresas comunicam. A Antas da Cunha e Associados, que em 2017 anunciou a fusão com o escritório espanhol ECIJA, é um dos gabinetes em Portugal que já se apresenta como especialista em direito digital. Ou seja, além do uso das mais variadas tecnologias para, digamos, uso interno, escritório aconselha e encaminha os seus clientes em temas como por exemplo o famoso Regulamento Geral de Protecção de Dados, RGPD. Aqui, os advogados entram agora num “campo” no qual estamos mais habituados a ver as consultoras gladiar-se. «Acreditamos que esta era toda uma área que precisava de especialistas em Direito e resolvemos avançar. Hoje, somos responsáveis pela adaptação e implementação da protecção de dados por exemplo no Banco de Portugal”, disse Fernando Antas da Cunha, managing partner da Antas da Cunha ECIJA. A grande explicação é que, segundo o especialista, «estes projectos estão hoje mais alicerçados em leis ou regulamentos do que propriamente estratégias de consultoria». Antas da Cunha lembra ainda que temas como criptomoedas, privacidade ou cibersegurança estão definidamente assentes nas leis, não em projectos: «Consultores, programadores ou economistas não vão saber interpretar tão bem como um advogado».

Advogados ‘geek’
Ana Bastos, of counsel e coordenadora da equipa de TMT / Privacidade e Cibersegurança da Antas da Cunha ECIJA, é uma advogada da nova era. Formada em Direito, lida há dez anos com a área tecnológica. Sabe programar e não tem qualquer problema com o rótulo de ‘advogada geek’. «É um elogio», disse. Para a jurista, a aposta nesta área faz cada vez mais sentido, até porque «há um grande ‘gap’ entre o ritmo de avanço tecnológico e da legislação». Não se considerando uma especialista em TI – «sou advogada», reiterou – para se saber movimentar neste novo mundo admite ser «essencial saber linguagem de programação, entender um software ou como é a dinâmica de TI para conseguir estabelecer uma ligação directa entre o que é legislação e o que é tecnologia».