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Mulheres nas TI: é preciso ser ‘one of the guys’?

Mulheres nas TI

Por que motivo o mercado das Tecnologias da Informação não é naturalmente atractivo para as mulheres? Predisposição natural ou educação? Por que razão o número de mulheres decresce substancialmente à medida que se vai ascendendo na hierarquia empresarial? Entrevistámos sete executivas de topo a actuarem no mercado nacional das TI para perceber melhor este panorama.

O mês de Março e o Dia Internacional da Mulher impôs o tema. Vozes erguem-se dizendo que não faz sentido haver um Dia da Mulher ou um mês dedicado ao sexo feminino. Não vamos discutir isso. Nem vamos explorar uma infinidade de estudos que este mês inundaram os mails das redacções e que, basicamente, continuam a confirmar a tendência minoritária a das mulheres no mundo das tecnologias da informação. Nem vamos dar os exemplos clássicos das mulheres que foram cruciais neste sector.

Não vamos falar no facto de o primeiro algoritmo da história ter sido desenvolvido por Ada Lovelace. Ou que algumas das mais importantes linguagens de programação foram criadas por mulheres: Irmã Mary Kenneth Keller gerou o BASIC e Grace Hopper é a mãe do COBOL. O protocolo STP, que impede o loop de dados nas redes e na internet, é invenção de Radia Perlman. Ou que a tecnologia usada nos telemóveis e nas redes Wi-Fi tem como base o trabalho da inventora e atriz Hedy Lamarr na época da Segunda Guerra Mundial.

Não vamos falar dos exemplos internacionais de Sheryl Sandberg (COO do Facebook), Susan Wojcicki (CEO do YouTube), Ginni Rometty (CEO IBM) ou Meg Whitman (CEO da HP).

Centremo-nos em Portugal: Paula Panarra (Microsoft), Paula Gomes da Costa (Tech Hub e Blip), Isabel Reis (Dell EMC), Sofia Tenreiro (Cisco), Maria de Lurdes Carvalho (Schneider Electric), Luísa Gueifão (DNS.pt) e Zuzana Fabianová Janeiro (Wondercom) são algumas das executivas de topo na cadeia empresarial.

‘One of the guys’

Já sabíamos mais ou menos o que Paula Gomes da Costa, presidente da Porto Tech Hub e directora da Blip, pensava sobre este assunto. Foi a nossa entrevistada de Janeiro e, já de gravador desligado, tivemos a oportunidade de deambular sobre o tema: as mulheres nas TI. Daí que não nos surpreendeu quando nos contou que é a única mulher numa equipa de seis homens, que reporta a um homem que, por sua vez… reporta a outro homem.

«Por muito que se diga que não, e mesmo em ambientes corporativos de países supostamente mais avançados, o número de mulheres decresce substancialmente à medida que se vai ascendendo na hierarquia empresarial, ainda mais na área das tecnologias». Os tais estudos dos quais não vamos falar abundantemente abordam esta décalage.

A maior dificuldade que Paula Gomes da Costa sente no seu dia-a-dia prende-se com a capacidade em fazer-se ouvir e de conseguir o reconhecimento por parte dos pares como ‘one of the guys’. «Isto pode ser feito das mais diversas formas, sendo que, no meu caso, tentei sempre que o facto de ser mulher prevalecesse como uma mais-valia para o contributo global da equipa. Por isso, e muito frontalmente, o maior desafio é ser levada a sério e ser ouvida pelas minhas valências, opiniões e conhecimentos técnicos e não pelo simples facto de ser mulher».

Portugal é um dos países com as melhores oportunidades e condições de apoio para as mulheres prosperarem enquanto empreendedoras, de acordo com o Mastercard Index.

Ser mulher é entrave à progressão 

Paula Gomes da Costa foi a única das nossas entrevistadas que nos confessou que ser mulher, de uma forma abstracta, terá, pelo menos, criado alguns entraves em situações em que a progressão poderia ter sido mais rápida. «Ser mulher é muitas vezes indissociável do facto de se ter filhos, como é o meu caso, sendo que a disponibilidade para viajar ou até mesmo para cultivar relações informais com stakeholders não é tão fluída, como na maior parte dos meus colegas homens».

No entanto, Paula Gomes da Costa enaltece o facto de as mulheres terem uma capacidade de análise e distanciamento que, muitas vezes, permite que a sua prestação seja diferente da dos homens, assim como uma capacidade de resiliência bastante marcada, o que em determinadas situações, no seu entender, pode beneficiar largamente em contexto empresarial e em concreto tecnológico. «Não gosto de generalizar, mas tenho vindo a observar estas situações ao longo de mais de vinte anos, não só no meu caso, mas em várias outras mulheres».