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Os desafios, os riscos e a facilidade de ‘comprar agora e pagar depois’

O conceito BNPL, do inglês ‘buy now, pay later’, traz uma ideia simples: adiar o pagamento das compras. Em que consiste esta fórmula, que vantagens oferece e que implementação está a ter em Portugal? E, sobretudo, quais são os riscos?

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Os riscos associados ao BNPL
Os regulamentos de cada país da União Europeia (por exemplo, Polónia, Áustria, Chipre, Luxemburgo, Itália e Reino Unido) prevêem excepções à aplicação dos regulamentos de crédito ao consumidor, em particular para empréstimos gratuitos, de pequenos montantes ou concedidos por períodos curtos. Na prática, porém, a Deloitte explica que os mesmos são usados por players que, aparentemente, preferem dar uma experiência melhor ao cliente e, ao mesmo tempo, protegê-los do super-endividamento. «A alteração à Directiva do Crédito ao Consumo prevê que os empréstimos sem custos deixem de estar isentos do regime de regulamentação do crédito ao consumo. Isto significa que, aproximadamente a partir de 2024, quando se prevê a entrada em vigor das alterações, muitos produtos BNPL, que ainda não tiveram de cumprir os regulamentos destinados a proteger o consumidor do sobre-endividamento, terão de ser fundamentalmente reconstruídos e é possível que não os vejamos mais na sua forma actual», considera a Deloitte.

Um exemplo particular é o mercado de BNPL no Reino Unido, onde os empréstimos são concedidos com base numa excepção à aplicação das regras de crédito ao consumo e que, portanto, não estão sujeitos a supervisão e licenciamento. Talvez por esta razão, as vendas de produtos BNPL no Reino Unido levou a um nível significativo de acumulação de dívida do consumidor entre 2020 e 2021, muito semelhante à situação nos mercados BNPL da Austrália e dos Estados Unidos, segundo a Deloitte. Isto levou a uma «proposta de mudanças nas disposições da lei do Reino Unido, com o objectivo de eliminar a excepção e incluir essas entidades, tanto no licenciamento, como na supervisão pela FCA [Financial Conduct Authority]». A consultora acrescenta que estas propostas ainda não foram aceites, mas lembra que a FCA conseguiu alterar as cláusulas de consumo mais controversas nos contratos modelo de quatro principais fornecedores de BNPL no Reino Unido – Clearpay, Klarna, Laybuy e Openpay. Para a Deloitte, esta realidade «mostra que a influência da supervisão por parte dos reguladores pode assumir muitas formas».

Também a EY admite que, o crescimento do BNPL é igualmente sinónimo de «maior incumprimento», potenciado pela falta de regulação e pela iliteracia financeira de muitos consumidores: «Estima-se que cerca de 25% das receitas das plataformas BNPL sejam provenientes de pagamentos em atraso, algo que levanta questões quanto à sustentabilidade do modelo e impactos danosos nos utilizadores mais vulneráveis a este tipo de soluções. É de todo desejável que seja criada regulação robusta para proteger o consumidor, pelo que os bancos que decidirem entrar neste negócio têm de contar com essa variável».

Banco de Portugal alerta para falta de transparência
Para o Banco de Portugal há quatro riscos principais associados a este modelo de negócio. O primeiro é o de «sobre-endividamento dos consumidores», dada a facilidade de contratação do produto, os seus baixos montantes e múltiplos prazos de pagamento. Depois, temos a «falta de transparência sobre as condições dos serviços de BNPL», o que pode acarretar penalizações elevadas para os consumidores, como consequência de incumprimento ou atraso nos pagamentos. O Banco de Portugal menciona ainda a «utilização frequente destes produtos por consumidores com histórico de crédito limitado» e sublinha as «assimetrias de informação na avaliação da capacidade de endividamento do consumidor», uma vez que os prestadores de serviços BNPL não são obrigados a reportar o historial de pagamentos às centrais de responsabilidade de crédito.