Em Foco

PSD2: tsunami na banca

As palavras ‘transformação’ e ‘revolução’ são, muitas vezes, usadas em excesso. Mas o advento da PSD2 é um exemplo raro de um novo regulamento financeiro que tem um impacto profundo e generalizado no (ainda) tradicional sector de serviços financeiros da Europa. Os analistas admitem um tsunami na banca, as fintech concordam com o termo mas os bancos recusam este adjectivo. Os players nacionais preferem apelidar esta directiva da União Europeia de «combustiva»; além disso, sublinham que é uma norma «de confiança» e com a «porta aberta à inovação».

Também o Montepio não concorda com a palavra tsunami quando aplicada a esta directiva. «Antes da PSD2, já identificávamos disrupção no sector, com particular ênfase em componentes da cadeia de valor como são os pagamentos e lending. Novos players, como fintech, neobanks ou challengers banks, surgiram antes da PSD2, com propostas de valor diferenciadoras e assentes nos gaps existentes entre o que o mercado procurava e o que era oferecido pela banca tradicional». No entender de Ana Maria Lourenço, isto aconteceu porque os consumidores começaram a adoptar como referência as experiências que tinham no seu dia-a-dia com a Google, Apple, Facebook, Amazon, etc. e passaram a exigir o mesmo noutras indústrias, como a banca. «Estes novos hábitos dos consumidores, alavancados no digital, em experiências seamless, em ofertas em contexto e alinhadas com os seus comportamentos de consumo, deram origem a gaps nas expectativas que tinham, face às outras indústrias incumbentes.

Os novos players viram esses gaps como oportunidades e, ainda antes da PSD2, surgem no mercado com novas propostas de valor, mais alinhadas com o mercado. A mudança nos hábitos nos consumidores, trazidas por aquelas BigTech, foi o “tsunami”. A PSD2 foi um acelerador no sector da banca». Daí que a palavra escolhida por Ana Maria Lourenço para definir a nova directiva tenha sido ‘combustiva’.

Apenas adaptações à app
As fintech têm a vida mais “facilitada”. Ricardo Macieira, country manager da Revolut Portugal, explicou à businessIT que esta fintech já nasceu, em grande medida, adaptada às normas da Directiva dos Serviços de Pagamentos, pelo que foram feitas algumas adaptações à app, mas grosso modo, o principal estava feito. «Admito que os bancos incumbentes tenham sentido mais o desafio desta directiva devido aos processos de legacy que têm. A Revolut já tinha múltiplos sistemas com inteligência artificial e machine learning embebidas nos seus processos, pelo que a integração dos dados dos utilizadores e os insights que daí derivam para oferecer um melhor serviço já eram a norma na nossa plataforma».

Naturalmente, a entrada em vigor de novas normas requereu uma curva de aprendizagem mesmo para a Revolut, até para, segundo Ricardo Macieira, garantir que estavam 100% em conformidade e para garantir que não havia ambiguidade na leitura e implementação da directiva. «O acesso a estes serviços de open banking implicam, contudo, mais layers de segurança, o que no sector dos serviços financeiros é obrigatório, pelo que embora seja um grande desafio, é também crítico e muito bem recebido pelos nossos developers».

Sendo um catalisador da adopção de serviços de pagamento inovadores, a Revolut acredita que a PSD2 traz muitos benefícios ao ecossistema financeiro, na medida em que promove a inovação, aumenta a segurança nos pagamentos online e ajuda a estimular a concorrência entre bancos incumbentes e fintechs, com o objectivo último de dar maior controlo e poder de decisão aos utilizadores, os principais beneficiários destes serviços.

Quanto ao termo tsunami na banca, Ricardo Macieira responde que por forçar as diferentes entidades financeiras a partilhar os dados dos utilizadores, a PSD2 veio abrir muito mais este mercado. «Como resultado disso, um grande número de utilizadores está a mudar o seu fornecedor habitual de serviços financeiros. Isto tende a beneficiar fintechs como a Revolut, que só em Portugal têm mais de quatrocentos mil utilizadores, pelo facto de oferecerem alternativas seguras, cómodas e relevantes, melhorando a forma como as pessoas gerem o seu dinheiro». Um exemplo dado pelo responsável é o dos táxis ou das novas plataformas de mobilidade. «Os veículos já existiam, os mapas online já existiam e os pagamentos electrónicos de serviços já existiam. Mas só quando se aliaram estes três serviços, numa aplicação seamless, integrada, isso foi francamente transformador. É assim que vemos o open banking – aquilo que é possível inovar, com a informação que se passa a ter ao dispor».  A Revolut adjectiva a directiva como «uma porta aberta à inovação».

O problema da escala
Enquanto banco totalmente digital, o N26 esclarece que a segurança em mobile é muito importante, sendo por isso prioridade proteger sempre os clientes. «A PSD2 tem o objectivo geral de aumentar a transparência, a inovação e a segurança nos serviços de pagamento, para que os clientes possam beneficiar de uma experiência de banking mais conectada e aberta», disse fonte oficial. Segundo o banco, esta meta coaduna-se e trabalha no mesmo sentido do objectivo de construir uma plataforma que funcione como uma “casa” financeira para os clientes, segura e flexível, pensada para apoiar, de forma integrada, a forma como eles decidem viver e realizar as suas operações bancárias no quotidiano.

«Também acreditamos em agregar mais informação de outras contas na nossa aplicação N26, uma vez que a nossa missão é capacitar o cliente para que tome a sua próxima decisão. A PSD2 tem o potencial de se tornar numa forma muito potente de conectar as finanças entre várias instituições. A principal preocupação é que a forma como foi pensada não está padronizada entre mercados, o que faz com que não seja muito escalável».