O Digital Union é um ciclo de conferências online dedicado a debater as políticas europeias na área do digital. No webinar sobre a economia dos dados, Fernando Resina da Silva, sócio executivo do grupo PI & digital, comunicações, protecção de dados & tecnologia da VdA, salientou que só recentemente passou a existiu «tecnologia para transformar os dados em informação útil», o levou ao« boom deste activo das empresas».
O responsável referiu que a União Europeia (UE) tem como objectivo ser «líder mundial da economia dos dados» e que, para isso, tem uma «série de iniciativas legislativas»; contudo, Fernando Resina da Silva alertou que é preciso chegar a um «equilíbrio entre a necessidade de legislação e regulamentação para proteger os cidadãos e a competitividade», para que esta não «se torne um espartilho» para restringir o que a «tecnologia permite fazer». Caso contrário, não será possível «tirar partido dos dados e ter o desenvolvimento da economia».
O que é a economia dos dados?
Magda Cocco, sócia responsável da área de comunicações, proteção de dados & tecnologia da VdA, explicou a diferença entre economia de dados e a economia digital. No primeiro caso, o foco é «o potencial do valor dos dados para a sociedade» e a medição do «impacto do mercado dos dados em concreto»; já a economia digital é «algo muito mais complexo», um conjunto de aspectos que vão desde as« infraestruturas físicas e digitais aos transportes e comunicações passando pelos equipamentos, aplicações e funcionalidades».
Num mercado que deve passar de 335 mil milhões de euros em 2020 para 550 mil milhões em 2025, os dados «têm diferentes valores», dependendo do «sector e modelo de negócio».
Porém, há outros factores que influenciam a determinação do valor económico, como «o volume, a quantidade, a fiabilidade, os direitos de propriedade», algo de que «as empresas, muitas vezes, não têm consciência e não regulam nos acordos». A isto junta-se a «compliance», que, com o «aumento crescente exponencial da regulação dos dados é fundamental», disse Magda Cocco.
Desafios e oportunidades
No âmbito do mercado digital único, a UE quer «criar uma economia europeia de dados e ter um papel essencial nessa economia, a nível mundial». Para isso está «a criar instrumentos, sejam de regulação sejam de promoção económica para tal» e apresentou uma estratégia em que identifica os problemas em matéria de dados: «A fragmentação entre estados-membros; a falta de uma regulação de dados para o bem comum; grandes assimetrias em matéria de acesso a dados; falhas graves na qualidade e interoperabilidade; ao nível da governação dos dados; nas infraestruturas e tecnologias e aqui o foco não é a falta tecnologias, mas sim a falta de liderança e de soberania digital da Europa visto que os players fundamentais que no fundo tem as grandes infraestruturas e data centers não são europeus». Além disso, há uma «grande iliteracia ao nível dos dados, na capacitação dos indivíduos e também em matéria de cibersegurança», revelou Magda Cocco.
A advogada referiu, ainda, «pouca disponibilidade de dados» como um grande desafio e falou da atitude «esquizofrénica» da Europa: «Se, por um lado, aprovamos o RGPD que estabelece o princípio da minimização dos dados que as empresas podem recolher, por outro queremos implementar inteligência artificial e percebemos que a há pouca disponibilidade de dados na Europa e, portanto, é preciso criar políticas para promover mais dados».
O potencial dos dados
Para se tornar numa potência de dados, a estratégia da EU passa por um conjunto de medidas: «Ter uma governação transectorial e transversal dos dados; reforçar o investimento nas infraestruturas de dados e a criação de uma cloud europeia; capacitar as pessoas e investir em competências e PME; e promover a existência de espaços comuns estratégicos de dados de interesse público, potenciando o conjunto de dados para poder alavancar o crescimento da economia europeia».
Em termos regulatórios, Magda Cocco refere que há vários documentos em discussão, entre as quais o da governação dos dados e o relativo à cibersegurança. Ambos vão trazer alterações «muitíssimo impactantes para as empresas» no que diz respeito ao «livre fluxo de dados não pessoais, dados abertos, segurança, equidade e transparência» e que vão aumentar a «responsabilidade pessoal das administrações com coimas elevadas».
Sobre como será possível às empresas beneficiarem da economia dos dados, a responsável disse que as organizações«têm de «reconhecer e valorizar os dados como um activo e fazer um levantamento de todos os dados existentes para identificar riscos e oportunidades»; depois devem ser criados «modelos de exploração de dados, de governance e de capacitação com uma a visão holística» para aceder a todo o seu potencial.
Regulação vs. Inovação
Manuel Dias, national technology officer da Microsoft Portugal, sublinhou que «o valor económico da partilha de informação dentro de Portugal e com os outros estados-membros é um factor crucial de competitividade» e realçou que acredita que «hoje em dia não é tecnologia que é o blocker é muito mais a regulação».
O responsável considerou que é fundamental promover a «cultura e literacia das pessoas e das empresas» já que «apenas 25% dos funcionários de uma organização são capazes de aceder à informação de que precisam para tomar uma decisão». Apenas com «capacitação será possível as pessoas conseguirem tomar melhores decisões» e, assim, «criar valor económico, competitividade e potenciar a inovação», revelou.
Já Pedro Machado, country senior director e data protection officer do Grupo Ageas Portugal referiu que as organizações têm de mudar a sua cultura para aproveitar a economia dos dados: «Temos de olhar para os dados como não como uma mercadoria, mas sim com uma perspectiva mais alargada e para a monetização lícita dos dados, aplicando os mesmos de forma a gerar valor para a sociedade e proporcionar uma vida melhor aos seus cidadãos».
Ricardo Rosa, head of innovation da Sonae Sierra, falou da existência de uma «diabolização da monetização dos dados» e explicou que a empresa ainda está «a apalpar terreno para encontrar a melhor forma de retirar valor dos dados e de entregá-lo ao utilizador final», pois só assim «faz sentido». Por outro lado, alertou que «não é possível querer ter uma economia de dados e aumentar o seu valor e ao mesmo tempo uma lógica de aumentar a dificuldade e as coimas» como tem feito a UE. Manuel Dias concordou com o anterior interveniente e disse que tem de «haver um balanço e equilíbrio entre a regulação e a inovação para que a Europa não perca a competitividade».