Entrevista

«Hoje somos uma empresa focada em cloud e inteligência artificial»

Entrevista a Ricardo Martinho, presidente da IBM Portugal.

A idade impõe respeito. A IBM está presente no mercado global há 110 anos, 83 deles também em Portugal. Ricardo Martinho recentemente apresentado como novo presidente da IBM no nosso país, esteve à conversa com a businessIT e explicou que, hoje, a empresa tem como principal foco a cloud e a inteligência artificial. E tem um sonho: ver a computação quântica a revolucionar o mundo. 

Estão há 83 anos em Portugal, sendo a IBM uma empresa centenária. Como é que actualmente podemos definir esta companhia? Como se apresentam ao mercado?

Hoje, somos uma empresa focada em cloud e inteligência artificial. Com serviços de consultoria, transformação e suporte aplicacional que suporta esta estratégia. Estamos realmente há 83 anos em Portugal, um aniversário que vamos celebrar dia 4 de Novembro. Como deve imaginar, já nos transformamos muitas vezes. Pessoalmente, só assisto a essa transformação há 23 anos.

“Só”?…

… já vi muitas coisas. O factor positivo de estar na empresa líder nestas áreas de tecnologia e com mais de 100 anos é que nos ajuda a conhecer bem o mercado e a transformarmo-nos de acordo com as suas necessidades.

Os últimos 20 meses foram atípicos e complicados, acredito que mesmo para uma empresa com mais de cem anos e que já precisou, como disse, de se reinventar. Como foi lidar com os efeitos da pandemia?

Não estávamos preparados para uma situação de pandemia, mas o que ela obrigou, que basicamente foi trabalharmos de uma forma remota, isso sim, já estávamos preparados. Usamos muito o lema de ‘não passamos para os nossos clientes aquilo que não fazemos internamente’. Começámos a nossa transformação digital há muito tempo pelo que, para nós, não diria que foi um passo simples, mas foi um passo natural. Não houve disrupção em nenhum nível de serviço e em nenhum tipo de actividade que a empresa exercia.

Portugal é um mercado pequeno, com poucas grandes empresas e apenas algumas empresas médias robustas. O que é uma “uma” IBM retira do mercado nacional?

Sim, temos uma dimensão muito limitada, o que muitas vezes pode ser uma virtude pois podemos experimentar e usar determinadas inovações de uma forma mais rápida, tirando mais partido dessa mesma inovação. Ser pequeno não quer dizer que seja mau. Com a pandemia, sentimos que houve uma mudança tremenda. A área tecnológica é, sem dúvida nenhuma, um veículo de inovação e melhoria do negócio mas é vista, por muitas empresas, como um centro de custos. Porque há investimentos que necessitam ser feitos e que se não tiverem desde logo um retorno imediato são associados a custos e não a uma vantagem ou benefício. Acho que, com a pandemia, muitas das nossas empresas tiveram de se adaptar porque não estavam mesmo preparadas. Foi um trabalho imenso que fizemos, de parceria com as empresas com as quais trabalhamos, no sentido de as ajudar a tornarem-se mais digitais e usarem esse trabalho de uma forma remota, sem que houvesse uma disrupção. Acho que foi um bom momento para tomarem consciência da sua própria realidade e acelerarem a transformação.

E o que traz ao mercado a IBM?

Acho que aportamos tudo o que fazemos de melhor em todo o mundo. Não há uma diferença de Portugal para outro país qualquer. A nossa oferta é a mesma nos Estados Unidos, na Bélgica, França ou Espanha. Por isso, o mercado português tem muito a ganhar com este tipo de soluções, construídas a uma escala global. Acho que isso é uma grande vantagem. Depois, temos os tais 83 anos de história, somos a tecnológica no mundo e em Portugal, em actividade, mais antiga, um legado forte e uma responsabilidade que assumimos todos os dias ao levar aos nossos clientes as melhores soluções.

O Ricardo foi agora apontado como presidente da IBM Portugal, mas conhece todos os cantos à empresa. Que legado gostaria de deixar? Que cunho pessoal gostaria de imprimir?

Gostava de conseguir colocar em prática – e estou certo de que o vamos conseguir – esta estratégia de cloud e inteligência artificial. São duas áreas que vão revolucionar a nossa forma de trabalhar global. A cloud pela sua flexibilidade e adaptabilidade ao que são as realidades de negócio sempre em mudança, já que o modelo permite precisamente essa adaptação. Por outro lado, estamos a tirar muito pouco partido do que é a IA nos nossos processos. Em termos globais, só 14% das empresas é que a está a usar, é muito pouco. Ouvimos buzzwords como IA, Big Data… mas, na realidade, quando olho para o proveito que tiramos da informação que temos ao nosso alcance… só aproveitamos 10% do valor. Ou seja, estamos sempre à procura de mais informação em vez de estarmos a procurar tirar o máximo do valor da informação que já temos. É a mesma coisa que estar numa biblioteca cheia de livros dos melhores autores… e não saber ler. Esse é um dos grandes desafios que tenho: tentar melhorar a utilização deste tipo de tecnologias com os nossos clientes e que a nossa empresa seja um drive desta tecnologia. Depois, tenho um sonho: estar neste lugar quando podermos usar a primeira computação quântica em Portugal. Isso sim, vai transformar-nos completamente.

Hoje, o investimento das TI já tem um real impacto no negócio? Ou ainda é uma “frase feita”?

Há um misto. Todas as empresas têm esse objectivo, depois há umas que o conseguem fazer de uma forma mais efectiva do que outras. O único problema é que, muitas vezes, os investimentos não têm de ter um retorno imediato, porque é preciso fazer uma transformação e esse retorno pode vir a curto, médio e, em alguns casos, a longo prazo. O que sinto é que em Portugal – e que difere um pouco dos restantes países – estamos sempre à procura de transformar com um retorno imediato. E, muitas vezes, isso o que faz é com que não estejamos a apostar nas áreas mais correctas ou da melhor forma porque os budgets são limitados e o que queremos é reduzir. A redução imediata nem sempre está directamente relacionada com a inovação e transformação. Acho que esse é o maior problema com o qual nos deparamos.

Tem sido fácil recrutar pessoas para a IBM?

Sentimos que há uma maior dificuldade em termos os recursos certos para os lugares certos. Isso é um esforço com o qual nos temos deparado. Mas, felizmente, antecipamos um pouco essa problemática e investimos, nos últimos anos, na criação de centros de excelência, de nearshore – Viseu, Tomar, Portalegre e Fundão , Estes centros têm uma relação directa com as instituições de ensino, nomeadamente politécnicos e universidades, e ajudaram a nos adaptar-nos, criando cursos que fossem um veículo de formação para que depois as pessoas tivessem uma colocação no mercado de trabalho nesses centros. Ou seja, conseguimos descentralizar os grandes centros de emprego. Porque criar 300 postos de trabalho em Viseu e Tomar não é todos os dias. Criámos as condições e estão hoje a trabalhar em projetos não só portugueses mas estrangeiros. Em Portugal, temos recursos realmente extraordinários.

Anunciaram que vão separar os serviços de infra-estruturas da operação do grupo. Porquê?

Temos vindo a transformarmo-nos, simplificámo-nos. Queremos ter um foco real no que é a tecnologia diferenciadora que a IBM tem oferecido ao longo destes 110 anos em todo o mundo e 83 em Portugal. Para isso, criámos uma technology unit e uma área de business consulting services. Ou seja, apenas duas áreas dentro da IBM. Dentro da unidade de tecnologia, temos tudo o que diz respeito às soluções de software, public cloud, segurança (incluindo serviços de segurança), soluções de sistemas (servidores, área de storage…) e uma aposta fortíssima na área de ecossistema. Ou seja, das parcerias. Por outro lado, temos a área de serviços aplicacionais e gestão de aplicações e consultadoria. O que fizemos, em termos de spin-off, foi separar a unidade de serviços de suporte à infra-estrutura, passando para uma nova empresa, que se chama Kyndryl.

O que podemos esperar da IBM em Portugal nos próximos tempos?

Podem esperar o que sempre a IBM habituou o mercado nos últimos anos, só que gora com um foco muito maior no que é a área de cloud. Estamos a construir um centro em Madrid, a 500 quilómetros de Lisboa. Ou seja, vamos ser a cidade, depois de Madrid, que mais vai usufruir deste grande centro de cloud. É um centro com uma especialização na área de serviços financeiros, até porque há aqui um grande investimento do CaixaBank, que moveu muitas das suas cargas, inclusivamente críticas, para dentro desta solução. Acho que isto vai mudar a forma como fazemos negócio nos próximos tempos. Tudo o que tenha a ver com inteligência artificial vai igualmente estar mais fortalecida, acreditamos que nos próximos dois anos vamos ver grandes mudanças. No que diz respeito à computação quântica, não lhe sei dizer se são dois anos ou menos, mas é outra das ambições.

Como é que gostaria que a IBM fosse “classificada” pela comunidade de analistas?

Gostaria que um analista dissesse que somos uma empresa líder nas áreas de cloud, com uma diferenciação única no mercado. Uma empresa que se transformou e que hoje é a base do que dizemos ser uma ‘empresa aberta’, que coexiste com todas as outras tecnologias e que tem uma aposta na inteligência artificial em todo o seu caminho transversal às distintas áreas e que aporta este conhecimento e valor a todos os processos existentes numa empresa. Com um objectivo muito importante: as pessoas. Era assim que eu gostava que olhassem para a IBM.