A aceleração da digitalização provocada pela pandemia não foi transversal a todos os sectores, acentuando, ainda mais, assimetrias nas empresas, garante João Domingos, vice-presidente da Fujitsu na Europa Ocidental.
Desde 2019 que assume, na Fujitsu, a vice-presidência para a Europa Ocidental. Mas já era um homem da casa…
Sim, já estou com a Fujitsu há treze anos, desde Abril de 2008. Fiz a minha carreira na área financeira mas há cerca de quatro anos mudei para a área de negócio para gerir seis países: Portugal, Espanha, França, Bélgica, Holanda e Luxemburgo. Tem sido muito interessante, um enorme desafio sobretudo nesta fase da pandemia.
Países que, sendo europeus, têm diferenças culturais, de dimensão e, sobretudo, de poder empresarial. Como gere a Fujitsu essas características?
A Fujitsu trabalha os países de uma forma um pouco independente uns dos outros, precisamente para que possa estar mais adaptada à realidade dos mercados locais. A minha função é a de trabalhar as igualdades, os pontos onde é possível partilhar experiências, porque há muitos desafios que são semelhantes, como o da digitalização ou o de encontrar novos modelos de negócio. São desafios para uma empresa portuguesa da mesma forma que o são para uma holandesa.
Sim, o tecido empresarial é diferente: França, por exemplo, tem empresas de enorme dimensão, que em Portugal não existem. Já Espanha é um mercado tipicamente de empresas de média dimensão. Mas os desafios ‘core’ são os mesmos e o meu trabalho é ver o que se faz bem de um lado e tentar espelhar no outro. Na verdade, acho que este grupo de países tem mais em comum culturalmente do que pensamos.
Portugal é inovador? Há quem defenda que é um excelente país ‘beta’, que tem a dimensão perfeita para testar um produto, serviço ou modelo de negócio e que somos ávidos por tecnologia…
O que vemos no nosso mercado é que existe uma grande vontade de inovar. E, ao contrário do que se pensa, essa vontade não vem do sector público, nem das grandes empresas. Vem das PME, das empresas de média dimensão. Elas sim, têm muita vontade de inovar. Sendo, muitas vezes, mais carentes de recursos e de capacidade de investimento que as grandes empresas, são as que mais entendem a necessidade e sofrem com a competição internacional. E isso gera uma vontade de inovar mais forte que a que existe nas grandes empresas. Nesse sentido, acho que o nosso mercado até é bastante dinâmico e aceita bem esse género de testes e de tentativas.
Abordemos o inevitável tema da pandemia. Foi fácil colocar todos os recursos em teletrabalho?
Foi muito mais fácil que eu imaginaria, se me tivesse perguntado no início de Março de 2020. Mas a meio desse mês já estávamos todos a trabalhar em casa, remotamente. As pessoas uniram-se para que as coisas corressem bem e acontecessem. Chegámos ao fim desse trimestre bastante seguros e capazes de fazer o trabalho como estávamos a fazer. Hoje, acho que se sofre mais por ainda não se ter voltado ao escritório que há um ano. Acho que há um cansaço com o tema e começam-se a ver alguns sinais no mercado da permanência em homeworking por demasiado tempo. Mas, de resto, estávamos bastante preparados e reagimos bastante bem.
E relativamente aos vossos clientes?
Foi muito bom trabalhar com alguns clientes, não só em Portugal, mas um pouco por toda a Europa – e eu tenho clientes com diferentes desafios. Claro que tivemos de pedir a algumas pessoas que não fossem trabalhar para casa, porque há sectores de actividade que necessitam de laborar 24 horas por dia, mas acho que todos nós ajudámos. Acho que foi um momento bastante interessante.
A digitalização foi mesmo acelerada?
A pandemia veio trazer uma assimetria na digitalização das empresas. Há clientes onde se acelerou imenso a digitalização e houve outros em que, simplesmente, isso não aconteceu. Há sectores que foram muito dinamizados pela pandemia, como é o caso da saúde, do retalho, da restauração ou da hotelaria. Tinham projectos para serem feitos e tiveram de parar, porque nestes casos estávamos a falar de sobrevivência e não de mudança de modelos de negócio ou lançamento de novas actividades. Ou seja, a assimetria é muito grande. Onde acho que houve uma grande alteração foi no sector público. Havia muitas barreiras em termos de trabalhar na cloud ou digitalizar processos e creio que isso foi muito acelerado.
Só em Portugal ou um pouco por todo o lado?
Um dos problemas que temos hoje é que as administrações públicas, em todos os países, estão à espera da aprovação dos planos da União Europeia para investimentos. Portugal e Espanha foram os primeiros a terem os seus planos aprovados. Nos últimos seis meses, a maior parte do sector público esteve parado, em particular no Sul da Europa, em países mais dependentes desses fundos. Mas, rapidamente, os projectos de digitalização, sustentabilidade e economia verde estão a ser lançados. Portugal, em concreto, acho que tem feito um esforço muito grande no que diz respeito à digitalização e à forma como as empresas trabalham a automatização de processos. Espanha, por exemplo, está a trabalhar muito em tudo o que tem que ver com a cloud e dados. França, como tem um largo tecido empresarial ligado à indústria e manufactura, está a utilizar os fundos para modernizar fábricas. Essas são as grandes diferenças, mas a trajectória definida é comum.
E agora? Quais os desafios daqui para a frente? Quais as tendências que vão surgir?
Na Fujitsu há quatro áreas que definimos como de investimento para o futuro, porque acreditamos que os nossos clientes vão apostar nelas. A primeira é tudo o que tem que ver com a experiência dos empregados, o que designamos como ‘oferta do workplace’: como é que as pessoas trabalham, onde trabalham, quando trabalham, como acedem… esta é uma área muito interessante e que está a mudar. Há uns anos, começou-se a falar em trazer os nossos próprios equipamentos para o escritório, mas hoje em dia, isso já não é um ‘nice to have’ é um ‘must have’, sobretudo quando falamos em atrair talento. As novas gerações não querem trabalhar da mesma forma que eu trabalho, querem levar as suas próprias ferramentas, querem ter acesso às suas próprias aplicações e isso é um grande desafio para as grandes empresas.
A segunda é tudo o que está relacionado com cibersegurança. As empresas estão cada vez mais atentas a este fenómeno: na pandemia, as áreas que estiveram mais sob ataque por parte dos hackers foram as ligadas à saúde. Uma terceira área de aposta continua a ser cloud, movida pela flexibilidade que permite às empresas adaptarem a sua dimensão e os mercados nos quais estão presentes. Os grandes investimentos em infra-estrutura que normalmente são necessários para abrir uma nova área de negócio, com a cloud desaparecem, tudo é OPEX. Depois, temos tudo o que tem que ver com analítica e dados e como se tira partido de uma panóplia de informação que nunca se usou e se foi acumulando durante anos. Se reparar, todas estas áreas estão um pouco interligadas.
Destas áreas que mencionou, a primeira, de tudo o que tem que ver com local de trabalho, foi espoletada pela pandemia ou já exista?
Já existia mas foi, sem dúvida, acelerada por todo este contexto. Recentemente, estive na Holanda com um cliente do sector público e uma das questões levantadas foi a de que os funcionários tiveram um laptop para ir para casa. Agora, quando voltarem ao escritório, vão continuar a trabalhar no portátil ou no desktop que está lá à espera delas? Quem é que define essas políticas? Há trabalhadores que vão querer voltar ao modelo antigo, mas há outros que não vão querer, que já se habituaram e eles próprios deram um salto tecnológico por via da pandemia. Há muitos desafios que se prendem com a maneira como trabalhamos e que muitas vezes passam despercebidos, mas que são complexos.
No meio de tudo isto, como é que Portugal está quando comparado com os restantes países europeus, nomeadamente na questão da retenção de talento?
A imagem que existe lá fora de Portugal é positiva, de um País que tem talento e capacidade nas áreas tecnológicas e que consegue formar pessoas. A realidade é que é muito difícil encontrar pessoas. Acredito que existe um modelo baseado no baixo custo que se tende a esgotar. Depois, com todo o fenómeno de globalização – que não é, de todo, novo mas que está cada vez mais estranhado – qualquer jovem português com talento pode ir trabalhar para outro lado. Ou, hoje, até pode continuar a trabalhar sentado em casa. É uma grande oportunidade para esta geração, se investir na sua formação e conseguir mostrar essas capacidades acho que conseguirá ser bem-sucedida. Isso leva a que seja um grande desafio para as empresas portuguesas e para empresas como a Fujitsu em Portugal, porque algumas barreiras desapareceram. Hoje, a competitividade e concorrência entre empresas já não é nacional, é global. Não podemos descansar.
Há uns anos, a Fujitsu anunciou, de alguma forma, um desinvestimento na Europa. No entanto, sabemos que os mercados europeus são muito importantes para esta empresa nipónica. Hoje, como é que a casa-mãe vê a Europa?
A Fujitsu é imensa no seu país de origem e isso é um enorme activo, mas, ao mesmo tempo, um constrangimento. A cultura japonesa, com tudo o que tem de maravilhoso, mostra alguma dificuldade em tudo o que é trabalhar internacionalmente, até pela barreira de comunicação e de cultura. Mas é muito claro para o ‘board’ e administradores que não existe a empresa Fujitsu que todos queremos sem uma Fujitsu Global. Por isso, continuamos a querer investir nos mercados fora do Japão. Nesse sentido, houve um plano de aquisições comunicado recentemente para dar corpo a essa estratégia. Respondendo directamente à sua pergunta: sim, a Europa é muito importante.
1 comentário
Os comentários estão encerrados.