Entrevista

«Cloud é um desafio de pessoas, não de tecnologia» 

Entrevista a Nigel Moulton, global  chief technology officer da  Dell  Technologies .

A tecnologia que permite às empresas fazerem a sua viagem para a nuvem já existe há alguns anos, pelo que deixou de ser um desafio. Agora, são as pessoas e a cultura dessas empresas que ocupam o topo das ‘preocupações’, diz Nigel Moulton, global chief technology officer da Dell Technologies em entrevista à businessIT.

Realidade virtual, IoT, cloud computing, inteligência artificial… hoje são inúmeros os conceitos com os quais as grandes tecnológicas têm de lidar. Longe vai o tempo em que Michael Dell “apenas” lutava pela democratização do PC. Hoje, como é que a Dell se apresenta ao mercado? Como se define?

Posso dar duas respostas a essa questão. A missão e visão da companhia têm muito que ver com conduzir o progresso da humanidade e realizamos imensas iniciativas nesse sentido. Por outro lado, a companhia, per si, é a soma de sete empresas cujos negócios estão perfeitamente alinhados à volta de software, infra-estrutura, PC e portáteis e segurança. A Dell, hoje, é a soma de todas estas partes. 

Na Fórum anual, que fizeram em Lisboa, usou a expressão: «Somos mais que a Dell». 

E somos. A Dell é uma marca ‘umbrella’ que tem sete outras marcas que correspondem a sete empresas. Por isso, é capaz de ser um pouco complicado definir o que fazemos, porque fazemos muita coisa. Mas se abordarmos cem pessoas na rua e perguntarmos o que é a Dell, provavelmente todas elas vão dizer que é uma empresa de informática e de computadores.

O nosso caminho passa agora por garantir que, na indústria, a nossa proposta seja entendida no seu nível mais amplo. É verdade que a nossa divisão de PC e portáteis é e vai continuar a ser muito importante mas queremos que as pessoas entendam que a Dell é muito mais do que isso. Queremos que saibam, por exemplo, que temos a maioria do capital social da VMWare, que detemos a Pivotal… tudo empresas muito orientadas ao software e que não estão necessariamente relacionadas com o desenho, construção e produção de um PC.

Hoje fala-se imenso de transformação digital, que tem diferentes significados para distintas empresas. Como é que a Dell vê a transformação digital? 

Ao mais alto nível, transformação digital é pegar num conjunto de princípios digitais e aplicá-los ao que fazemos. Começamos por fazer algo físico, certo? As questões são: como é que agora vamos integrar aí tecnologias digitais? Como é que vamos transformar o que fizemos? Como o medimos, gerimos, operamos e monetizamos tudo o que lhe está associado?

Para consegui-lo é preciso fazer quatro coisas: transformar as TI, a força de trabalho, a segurança e a forma como são desenvolvias as aplicações. O princípio geral é este, que depois obviamente se altera consoante a indústria onde for aplicado, como a agricultura por exemplo. Como automatizar o tractor para não ter de ser fisicamente conduzido? Como colocar sensores na terra para que avisem quando o solo tem de ser regado consoante o produto que estiver lá plantado? Isso é levar a digitalização para o mundo físico. 

Mas, hoje, há outra transformação que não seja a digital? 

Vou-lhe dar um exemplo: há uns tempos estive numa empresa que tinha um torno, uma máquina que basicamente pega num pedaço de metal e o transforma em algo útil. Por novecentos euros, essa empresa comprou oito sensores, alguma inteligência artificial e computação e instrumentalizou aquele torno físico, o que lhes permitiu passar a fazer doze objectos por dia ao invés de dez.

Ou seja, a empresa arranjou forma de uma máquina física, com dezenas anos, tornar-se mais eficiente. Se aplicarmos isto aos restantes 49 tornos que existem na fábrica, o ganho em termos de eficiência é enorme. Daí dizer que, muitas vezes, acredito que quando dizemos transformar o que realmente quereremos dizer é instrumentalizar e medir a eficiência. 

Inteligência artificial, IoT e 5G são apontados como os grandes desafios para as empresas. Concorda? 

Sim, acho que se podem reduzir a esses três, até porque dentro desses conceitos estão muito outros. Ao falarmos de IA falamos de machine learning e deep learning; na IoT podemos falar de realidade aumentada, por exemplo. Por isso sim, creio que esses serão os principais. 

Como é que as empresas mais pequenas lidam com estas tecnologias, com estes conceitos?

Um dos grandes desafios é a percepção do custo destas tecnologias. O exemplo que lhe dei da fábrica é que, por novecentos euros, foi possível aumentar a eficiência. As pequenas e médias empresas pensam desde logo que tudo isto é muito caro e difícil. Por isso mesmo, nós e alguns dos nossos parceiros de negócio, estamos a criar pacotes de ofertas, como os tais sensores associados a tecnologia e a pessoas que possam ajudar a interpretar os dados.

O primeiro desafio é então desmistificar que isto é muito caro e extremamente difícil. Outro problema é que, muitas vezes, as empresas não sabem, não entendem ou não lhes é devidamente explicado ou provado quais os benefícios que tirariam de determinado investimento. Mas, se eu disser que podem ser 20% mais produtivos todos os dias, não é preciso muito para entender que o investimento, ou lhes vai fazer poupar dinheiro, ou lhes vai fazer ganhar dinheiro. Na IoT conseguem-se ambas mas coisas. Reduzir custos e aumentar lucros. É por isso muito importante fazer passar esta mensagem às pequenas e médias empresas: não é caro.

Deste lado, percebe-se bem a mensagem, que até parece “simples”: um investimento que vai levar directamente a uma redução de custos ou a uma obtenção de ganhos. Mas então se é assim tão simples, porque é que as empresas não estão a adoptar estas tecnologias de forma mais massiva?

Ainda estamos numa fase muito embrionária. Repare, provavelmente, estes kits de novecentos euros de que lhe falei não estavam no mercado há um ano. Ou seja, a primeira razão é tempo, é preciso mais tempo para dar a conhecer estas soluções. Só agora é que este tipo de tecnologias se está a tornar realmente acessível e, por isso, passível de serem usadas por negócios mais pequenos. Por outro lado, e como são tão recentes, as pessoas pensam que estão hiper-valorizadas no sentido em que não “acreditam” que são capazes de entregar tantos benefícios. E acham que ainda é cedo para investir.

O mercado precisa de mais provas de conceito?

Precisa, e no caso do 5G isso é preponderante, porque há imensa coisa que não sabemos, porque não foi feito em escala. O que sabemos é que está arquitectado para coisas e pessoas, enquanto o 4G seria só para pessoas. O 5G está projectado para tornar tudo mais rápido e pode suportar dezenas de milhões de aparelhos. E esta é a grande diferença entre as duas tecnologias. Não é apenas um 4G mais rápido, é muito mais do que isso.

Actualmente, quem é o vosso interlocutor nas empresas? O CEO, o CIO, o CTO, o CFO…? Tem vindo a mudar nos últimos anos?

A Dell era conhecida por ter determinados produtos, certo? Com a aquisição da EMC, mudou o seu perfil, mas a verdade é que ainda continuamos a falar com os profissionais de TI. Por isso, classicamente, falamos com os CIO e CTO. Começamos a perceber até que ponto a transformação digital está a ser levada a sério pelos nossos clientes quando o CIO tem lugar na administração. Pelo contrário, se reportam a um CEO ou CFO, tendencialmente quer dizer que ainda olham para as TI como um centro de custos. Ou seja, mais importante do que com quem falamos é onde se ‘senta’ esse responsável na estrutura da empresa.

A Dell está obviamente muito alinhada com a cloud. A muticloud é uma abordagem mais madura à computação em nuvem?

Sem dúvida. É uma abordagem de ‘adultos’, digamos. A ideia de investir na Amazon ou Microsoft é excelente, mas criam-se silos e não se podem mover cargas de trabalho entre eles. Acreditamos que ter uma infra-estrutura de topo que controle e elimine os silos é a abordagem correcta à cloud.

Qual é o maior desafio que as empresas têm agora na sua ida para a nuvem?

As pessoas e a educação, porque em termos de tecnologia já existe há anos. Mas fazer com que as pessoas entendam isso é complicado, os seus conhecimentos e especializações têm de ser diferentes, as tecnologias são diferentes, o que os negócios esperam delas é diferente… logo, a cultura de tecnologia das empresas tem de se mover para que estejam aptas a definitivamente abraçar o cloud computing. É mais um desafio de pessoas do que de tecnologia. E não tenha qualquer dúvida que as empresas de sucesso são as que transformaram as suas TI.