A Associação Portuguesa para o Desenvolvimento das Comunicações (APDC) realizou a 28ª edição do seu congresso anual. O Digital Business Congress ficou marcado pela troca de acusações entre operadores e a ANACOM.
O debate mais aguardado todos os anos no evento da APDC é o Estado da Nação das Comunicações que reúne os CEO dos principais players do mercado de telecomunicações de Portugal: Altice, NOS e Vodafone. A estas empresas juntaram-se os CTT, cuja operação cai também no âmbito da ANACOM, uma vez que o regulador também supervisiona os serviços postais em Portugal. O painel contou ainda com um keynote de abertura de Guilherme d’Oliveira Martins, Secretário de Estado das Infraestruturas.
O representante do Governo referiu que está a ser desenvolvida uma estratégia de «transformação da economia pela via da digitalização» para o País e que a «componente de desenvolvimento de negócio» terá como foco o 5G.
Segundo Guilherme d’Oliveira Martins, a rede móvel do futuro traz «inquestionavelmente, novas oportunidades», nomeadamente na criação de «novos serviços» ligados à condução autónoma, à robótica e à inteligência artificial.
O Secretário de Estado recomendou que a atribuição de frequências ligadas ao 5G seja feita através de um processo de leilão electrónico, o que não foi bem recebido pelos operadores. O governante anunciou a criação de «zonas livres tecnológicas», uma iniciativa governamental que vai corresponder a «locais físicos que vão permitir demonstrações e testes» de tecnologias ligadas ao 5G e que cujos detalhes serão divulgados «em breve».
Uma questão de respeito
João Cadete de Matos, presidente da ANACOM, subiu ao palco do grande auditório do CCB com vários “recados” para os operadores. O executivo começou por dizer que «preferia estar no debate com a Altice, CTT, NOS e Vodafone, que a fazer uma apresentação», mas os participantes «não quiseram».
O responsável da autoridade reguladora anunciou os objectivos estratégicos da organização e as acções que foram realizadas em 2018 e referiu que as torres e outras infraestruturas devem ser partilhadas entre operadores. Além disso defendeu a existência de um «roaming nacional em Portugal, à semelhança do que existe em muitos países europeus», para que os clientes não tenham nunca qualquer falta de rede no território português.
João Cadete de Matos indicou que os regulados «não podem expulsar o regulador do seu papel» e que os elementos da ANACOM «não se demitirão de cumprir as suas responsabilidades».
O presidente disse que o foco é na «colaboração», que ouve «sempre os regulados» e que as decisões não são «feitas à porta fechada», pois são alvo de «exaustivos relatórios com análise e comentários» sobre tudo o que é decidido para que fiquem claros os motivos de aprovação ou não das medidas e acções. Para a ANACOM, tem de haver «respeito pelo cumprimento da missão do regulador» e que considera que isso nem sempre está a acontecer. João Cadete de Matos diz ter lido algumas declarações que apareceram na comunicação social ditas por empresas de telecomunicações que reflectem isso mesmo, mas não especificar quais. Nas entrelinhas ficou claro que este era um “puxão de orelhas” aos principais operadores portugueses.
A ANACOM indicou que este ano já concretizou 22 acções e que está a «trabalhar mais com menos recursos». Em 2017, o regulador teve um resultado líquido de cerca de trinta milhões de euros.
Coro de críticas ao regulador
Quando foi a vez de os regulados ocuparem o palco, Altice, NOS, Vodafone uniram-se nas críticas à ANACOM. Alexandre Fonseca, CEO da Altice, foi o primeiro a falar: «A pressão que temos sentido do ponto de vista do regulador é algo que nos preocupa», indicou.
O responsável referiu ainda que «há falta de diálogo» e deve haver «cooperação em prol do sector» que é um dos grandes contribuidores do PIB nacional, com cerca de «cinco mil milhões de euros».
Mário Vaz, CEO da Vodafone, disse que «este tipo de discurso (referindo-se à keynote da ANACOM) e este tipo de comunicação à volta de regulados e regulador tem de acabar» e que «a regulação não pode ser o centro do debate das comunicações». Quanto ao roaming nacional, o executivo alertou que a partilha não pode ser total pois levaria a desequilíbrios de investimento e aproveitamento das redes dos concorrentes, mas que «algo pontual», por exemplo, em «casos de desastres naturais» é possível.
Da parte da NOS, o CEO Miguel Almeida revelou algum espanto: «Foi anunciado aqui bombasticamente algo de que nunca tínhamos ouvido falar», aludindo ao roaming nacional. O responsável revelou ainda que na apresentação anterior viu «um regulador crispado que está claramente contra os operadores» e que Portugal «tem um dos sectores de telecomunicações mais avançados do mundo», exactamente porque sempre houve «colaboração com o regulador».
Já Francisco de Lacerda, CEO dos CTT, criticou os novos critérios de qualidade definidos pela ANACOM para o serviço postal que «são muito mais apertados que os que existiam até agora». O executivo lembrou que alguns países europeus que «têm seis indicadores de qualidade a cumprir» ao contrário de Portugal, que terá agora «24 indicadores», isto a dois anos de acabar o contrato para o serviço universal. Para dar ideia da exigência, o responsável explicou que «os carteiros só podem errar uma carta em cada mil a cada cinco dias».
Quanto ao 5G, foi unânime que os três operadores estão contra um leilão electrónico sugerido pelo Governo e revelaram-no no debate. No entanto, os três dizem que estão prontos a responder ao desafio da implementação da rede móvel do futuro. Actualmente, o 4G e 4,5G existentes «cobrem as necessidades (e vão continuar a fazê-lo durante alguns anos) dos portugueses». Assim, Alexandre Fonseca, disse que «é cedo para falar da implementação do 5G», o que foi corroborado pelos seus parceiros de painel.