Nunca houve tantos ataques informáticos como no período de confinamento imposto em Portugal devido à pandemia de COVID-19, o que levou as empresas a terem de encarar a área de segurança com outra atitude, garante Miguel Almeida, director-geral da Cisco Portugal.
Como é que, hoje, podemos apresentar a Cisco?
Há três anos que a Cisco tem uma nova administração, com Chuck Robbins como CEO. Duas das suas grandes apostas foram transformar a Cisco numa empresa de software e na maior empresa de segurança.
Posso, então, definir a Cisco como uma empresa de segurança?
Eu não defino a Cisco apenas como uma empresa de segurança, não é possível fazê-lo. Mas é claramente uma das nossas maiores apostas em termos de roadmap e imagem. Éramos uma empresa de hardware puro e agora estamo-nos a transformar uma empresa de software, o que levou obviamente a uma alteração do modelo de negócio. Vendíamos caixas e agora vendemos soluções com anuidades. No fundo, houve uma grande alteração do que era a Cisco.
Foi fácil comunicar essa mudança ao mercado? Hoje, as empresas clientes, quando pensam na Cisco, já pensam na tal empresa de software focada na segurança?
Penso que sim, até porque o nosso modelo de venda reflecte precisamente isso. Hoje, o relacionamento que temos com os clientes e parceiros é completamente o oposto ao que tínhamos há três ou quatro anos. É óbvio que, em termos de awareness, a Cisco ainda é muito conhecida por ser uma empresa de inovação em cima do hardware, mas a verdade é que com esta alteração do modelo de consumo da nossa tecnologia há uma percepção do que é actualmente a empresa.
É impossível fugirmos ao tema COVID-19. Numa primeira fase, como é que a Cisco, enquanto empresa, se adaptou ao confinamento dos seus recursos, sendo que vocês são uma das tecnológicas que providenciam precisamente soluções para trabalho remoto?
Foi relativamente simples: num dia colocámos todas as pessoas em casa. Conseguimos esvaziar o escritório num par de dias, até porque realmente temos as tecnologias utilizadas nestas situações, desde o Webex, soluções de segurança e virtualização. Foi uma adaptação muito rápida. Penso que o mais difícil são mesmo as pessoas. Estamos habituados a trabalhar no escritório e, de repente, passamos para casa. Eu próprio já fazia algumas coisas em casa, mas normalmente sem ninguém lá. Agora tenho toda a minha família aqui e essa é a dimensão mais complicada. Mas em termos de tecnologia foi fácil e rápido.
Que percentagem do vosso negócio vem das pequenas e médias empresas? Ou seja, de empresas que não têm um departamento de TI estruturado.
Cerca de 30%.
Os restantes 70% são de grandes contas?
Sim, incluindo a administração pública.
Quando entrámos em período de confinamento, as necessidades desses dois universos eram muito diferentes?
As grandes empresas, a área de sector público e as escolas, por exemplo, tiveram uma transformação muito rápida. Houve empresas com mais de mil pessoas em que foi possível, em dois dias, colocar toda a gente em casa porque a nível tecnológico havia, de facto, um bom nível de preparação. Sentimos que, no período de confinamento, houve uma grande preocupação ao nível da segurança.
Uma coisa é as pessoas estarem a trabalhar no seu local de trabalho, outra coisa é estarem em casa, com a necessidade de garantir a segurança das suas ligações. Depois, a questão da colaboração também foi muito importante. Houve uma aceleração na adopção de ferramentas como o Webex por parte das grandes empresas.
Em relação às pequenas estruturas empresariais, é engraçado porque houve igualmente uma dinâmica bastante positiva. Inicialmente, elegeram soluções que vinham do consumo, mas ao fim de uma semana ou duas era difícil manterem a actividade e tiveram de evoluir, quer ao nível da segurança quer ao nível das ferramentas de colaboração.
Na Cisco fizemos, para bem de todos, um conjunto de ofertas para as empresas, independentemente da sua dimensão, que tinha exactamente a ver com isto. Possibilitar que as pequenas e médias organizações e mesmo as grandes estruturas tivessem acessos com a segurança devida.
Basicamente, oferecemos um conjunto de produtos por um determinado período de tempo. E fizemos exactamente a mesma coisa com a área do Webex, que foi desde o consumidor final às grandes empresas.
As empresas vão começar a olhar para a segurança como um investimento e não como um custo?
Este período de confinamento foi a altura com mais ataques informáticos num curto espaço de tempo. Acredito que as empresas vão olhar com atenção para estes dados. Não é possível outra coisa, até porque não acredito que em Setembro ou Outubro estejamos todos a trabalhar no escritório como estávamos em Fevereiro. Há-de haver uma parte que se manterá a trabalhar em casa, a trabalhar remotamente. Não tenho dúvida de que a área da segurança ficou a ser uma das prioridades em todas as empresas.
Neste período, muitos profissionais deste mercado sugeriram que as empresas fizeram em três meses, em termos de adopção de tecnologias, o que estava previsto fazerem em três anos. Qual a visão da Cisco?
É verdade que uma necessidade vem acelerar as coisas. Acho que se fez muita coisa boa, houve uma aceleração, não tenho qualquer dúvida disso, mas vou ser honesto: há muitos remendos no caminho. Se as empresas quiserem fazer uma transformação digital a um ou dois anos, e se realmente quiserem alterar a sua forma de trabalhar, há muita coisa a mudar.
Portugal está alinhado com Espanha?
Sim, estamos. Portugal tem uma vantagem: é muito inovador. Tudo o que possa realmente ser usado pelas empresas e rapidamente adoptado pelos trabalhadores é utilizado.
Em todas as conversas que tive com os responsáveis pela zona Sul da Cisco, onde Portugal se insere, se falou da capacidade que tivemos em nos adaptarmos rapidamente à nova forma de reunir com os clientes e parceiros. As pessoas foram muito rápidas a adoptar estas ferramentas e quiseram continuar a colaborar. Portugal foi um bom exemplo.
Na visão da Cisco vamos caminhar para um modelo híbrido? Entre presencial e online?
Sim, mas um híbrido equilibrado. Acho que há muitas coisas, muitas profissões e funções, que se podem fazer em modelo de videoconferência, mas por exemplo a Cisco, sendo uma empresa comercial e inovadora tecnologicamente, gosta de demonstrar os seus produtos. Diria que a proximidade é essencial.
Acredito que podemos encontrar realmente um modelo híbrido, mas que tem de ser equilibrado. Claro que vejo ganhos de produtividade por exemplo ao evitar viagens de carro, uma coisa que vamos começar a fazer menos. Ou viagens de avião, nas quais a Cisco já cortava bastante. Acho que vamos realmente ganhar tempo para dedicar aos clientes e parceiros e para resolver assuntos e tratar de temas. Mas não acredito que se possa fazer tudo através de uma videoconferência, a questão pessoal e de interacção é muito importante.
Há alguma área dentro da Cisco que preveja vá ganhar mais força nos próximos anos? Ou agora esta pandemia veio trazer um elevado nível de incerteza?
Toda esta situação veio, claro, alterar um pouco os planos que as empresas tinham, não só os da Cisco. As áreas das telecomunicações e comunicações é uma área imprescindível – e a pandemia veio demonstrá-lo. Já não vivemos sem uma boa rede, sem uma boa ligação ao Wi-Fi, sem uma boa ferramenta de colaboração.
Como gostaria que os analistas definissem a actuação da Cisco em Portugal?
Gostaria que nos considerassem a maior empresa de segurança em Portugal. Depois, que fossemos responsáveis por ajudar a fazer, ou acelerar, esta transformação digital. Temos o programa CDA – Country Digital Acceleration que permite acelerarmos, em conjunto com Governo e empresas, essa transformação. Depois, há um terceiro ponto: a renovação de tudo o que é redes. Hoje em dia, as redes são virtualizáveis; há muita inovação que temos trazido ao mercado em vários projectos e queríamos alargar estes projectos a muitos mais clientes.