Há 25 anos que o SAS está em Portugal, tradicionalmente em mercados maduros como a banca ou os seguros, onde tem uma quota «gigante», garante Ricardo Pires Silva. Mas, para crescer, a empresa tem de considerar outros sectores de actividade, com a indústria a liderar a lista.
Há 25 anos que o SAS está em Portugal. Neste quarto de século teve apenas três directores executivos, algo relativamente raro nas tecnológicas. Isso acaba por espelhar a cultura da empresa?
Claramente. E acontece um pouco por todas as geografias onde o SAS está presente. Há algumas razões para explicar isso. Primeiro, somos a maior empresa do mundo a fazer apenas analítica. Depois, ainda somos privados: a empresa tem um dono e uma cultura muito forte, a mesma com a qual foi fundada.
Há pormenores que se mantêm desde sempre, como às quartas-feiras, em todos os escritórios do mundo, haver M&M disponíveis para os colaboradores. Somos uma das melhores empresa para trabalhar, não só em Portugal, mas em muitos países, como Espanha, França, Itália ou mesmo os Estados Unidos. E somos uma das melhores multinacionais para as mulheres trabalharem. Isto não é só de um país, não é da liderança local, é global. Digo muitas vezes que assumo a responsabilidade da herança que recebi, quer do Fernando [Braz], quer do Álvaro [Oliveira de Faria], em manter esta cultura. Aliás, este é um factor de selecção quando estou a entrevistar candidatos. Não só quero a melhor pessoa, mas a melhor pessoa que se adapte a esta cultura. É claro que temos objectivos a cumprir, como qualquer organização empresarial, mas não pode ser a qualquer preço. Não tem de ser tudo, já.
Mas sentem que isso vos diferencia da concorrência?
Alguns dos nossos competidores, por via da sua situação de cultura interna, de história – e isto não é uma crítica, é uma constatação – sentem uma pressão desmesurada para obterem resultados a curto prazo. No SAS isso não acontece. E por isso é que há 43 anos nos mantemos uma empresa privada, independentemente de termos passado pela loucura do final dos anos noventa, pelas dotcom, pela crise de 2008… o fundador, Jim Goodnight, nunca quis vender. Acho que isso ajuda a que haja uma maior longevidade na liderança, mas não só. O tempo médio de permanência de um colaborador SAS também é muito elevado.
O Ricardo Pires Silva está no SAS desde 2016 e há pouco mais de um ano assumiu a direcção executiva da estrutura em Portugal. O que é que quer incutir pessoalmente na empresa? Que legado gostaria de deixar?
Há uma frase que diz que «o sucesso acontece quando a oportunidade se cruza com a preparação». Quando o Fernando [Braz] decidiu sair, achei que estava preparado para assumir a liderança e candidatei-me, acabando por ser o escolhido. Grande parte da minha carreira foi feita num integrador, naquele mundo complicado entre os fabricantes e os clientes e onde a diferenciação é muito difícil. Isso trouxe-me resiliência e, sobretudo, uma postura crítica para abordar os desafios com diferentes lentes. Desde que cheguei ao SAS, mesmo enquanto account manager, tentei trazer isso: o acto de questionar. Porque se há imensas e notórias vantagens em ser uma empresa com história, também é verdade que há coisas que já são feitas da mesma maneira há muito tempo. Umas são extraordinárias, que quero manter, mas outras quero questionar. Digo sempre que me podem criticar à vontade, mas dêem-me alternativas.
Posso resumir a sua ideia em ‘respeitar o legado mas trazer inovação à gestão’?
Sim. E desafiar. Porque é que não pode ser melhor? Acredito profundamente – e as minhas equipas estão sempre a sofrer com isto – que há sempre uma maneira melhor de fazer as coisas. Por muito brilhante que a ideia seja. Admito que sou muito cansativo para as minhas equipas. O SAS é uma empresa que sempre actuou em sectores bastante tradicionais, como banca, seguros, telecomunicações ou energia. Como legado, gostava muito de termos sido capazes de levar para a indústria temas como a IoT, a IA, o machine learning e a analítica avançada. O SAS está preparado para ir para esse espaço.
Não é a primeira vez que leio analistas a referirem-se ao SAS como a empresa que faz analítica antes de esta ser uma tendência. Mais concretamente, que o SAS faz analítica antes de esta ser ‘cool’…
É mesmo isso. Há vinte anos, se dissesse que era analítico, ficava à porta da “festa”. Agora, se disser que sou matemático ou analítico sou o centro das atenções.
Hoje como é que se definem?
Não somos uma empresa de software, somos uma empresa de soluções. É assim que nos definimos. Admito que em trimestres mais complicados gostava que o nosso software fosse de ‘seguinte, seguinte, seguinte’ e está instalado. Mas não é. O nosso software é q.b. complexo porque endereça problemas q.b. complexos das organizações, o que requer sempre – seja directamente ou através dos nossos parceiros – um entendimento de quais são os requisitos, quais os temas que estamos a tentar resolver, desde marketing a fraude, risco, compliance… e adaptamos tudo ao contexto do nosso cliente. Daí sermos uma empresa de soluções, não de software. Todo este ‘mindset’ faz parte da casa. Aliás, um dos maiores activos do SAS, enquanto organização, é a propriedade intelectual que tem no seu software mas também nas suas pessoas.
Como vê a concorrência? Porque hoje é ‘cool’ fazer analítica pelo que há imensas empresas a lutarem neste mercado.
Ainda bem que assim é. Porque quanto mais gente falar daquilo que eu consigo fazer, mais o meu mercado aumenta. Antes, era necessário estar a explicar o que era analítica. Hoje, nem tanto. Depois, acredito que isto é um ecossistema. Logo, como encontro áreas de colaboração e justaposição com essas organizações? Recentemente, estabelecemos parcerias em Portugal com a HP, Cisco, Siemens, Hitachi, GE – empresas que também têm soluções de analítica. São concorrentes e clientes porque há zonas de cooperação. O mundo é demasiado complexo e o SAS é suficientemente humilde para o entender como um ecossistema. Mas não precisa de ser uma grande marca como as que referi. Lidamos da mesma forma com as startups.
O conceito ‘transformação digital’, para quem escreve sobre esta área, começa a soar como uma frase feita, como uma buzzword. Como encaram essa transformação?
Abusa-se do termo. Para mim, existe ‘transformação de negócio’. Gosto particularmente de perguntar aos clientes: «Qual a sua transformação analógica? Como está a transformar as suas pessoas? Os seus processos para se adaptarem à tal transformação digital?» É que transformação digital sem transformação analógica é um desastre. Temos de ir às pessoas, à cultura, aos processos.
No SAS Fórum Portugal, disse, durante a sua apresentação, que não ia «alimentar a histeria à volta da inteligência artificial». Mas em Dallas, no evento global, a empresa anunciou um investimento de mil milhões de dólares precisamente em IA.
O SAS, no seu código, no seu software, já tem algoritmos de inteligência artificial há quarenta anos. Só que ninguém nos ‘ligava’ nenhuma. E agora parece que, de repente, sou comparado a tudo que diz que tem IA. É isso que não vamos alimentar. É importante que empresas maduras, e com a tal propriedade intelectual de que falava antes, que sabem realmente levar essa tecnologia para o negócio dos clientes, descompliquem a IA. Temos essa responsabilidade, porque daqui a dois ou três anos essas empresas já não vão falar de IA, vão falar de outra coisa qualquer e os problemas vão continuar aqui. Os mil milhões de dólares de investimento vão precisamente no sentido de “esconder” nas coisas do dia-a-dia algoritmos e inteligência artificial.
Falou ainda em palco na ‘democratização da analítica’. Mas uma democratização pressupõe chegar a mais empresas, alargar o acesso às vossas soluções, sendo que o SAS tem como clientes as grandes organizações. Vão abordar outras estruturas empresariais?
Há uma dimensão tecnológica e uma dimensão comercial. Na dimensão tecnológica, conseguimos hoje pôr coisas avançadíssimas em processos tão simples que qualquer business user consegue consumir, sem saber o que está por trás. Na dimensão comercial, simplificámos brutalmente o nosso esquema de licenciamento e por isso neste momento consigo oferecer este tipo de soluções por patamares de volume de facturação. Ou seja, uma empresa que facture cinco ou dez milhões de euros tem um licenciamento próprio.
O vosso modelo de negócio está preparado, então, para esta democratização?
O nosso modelo de negócio adaptou-se à cloud e, por isso, pela primeira vez na história o SAS tem modelos de licenciamento ilimitados. Não fazia sentido os clientes irem para a cloud e, depois, serem cobrados por unidades de processamento, quando a cloud supostamente dá às empresas uma elasticidade infinita?
O que vai acontecer em Portugal? Quais vão ser as áreas de maior investimento? Falou na indústria…
Em Portugal, a nossa penetração na área de risco é gigante. Já não há mais bancos para serem clientes, estamos saturados, não podemos crescer mais. Sim, há todo um trabalho de renovação e modernização nesses clientes, mas aí já não estou à espera de crescer, quero é manter, o que é muito importante. Aliás essa é a base da nossa estratégia. Mas depois tenho de encontrar novas fontes de receitas em outras áreas como o retalho, indústria e transportes.
Aí a penetração do negócio é pequena?
Muito pequena. Mas não é só a penetração do SAS que é pequena. É a penetração da própria analítica. Há aí um imenso potencial de negócio. Para isso precisamos de parceiros, de novos modelos de licenciamento… E é precisamente todos esses passos que o SAS está a dar.