Há décadas que os analistas do sector do petróleo enfrentam o mesmo desafio: descobrir qual será a procura, nos anos futuros, por hidrocarbonetos líquidos, em que região serão mais procurados e qual a combinação de produtos e usos. Há décadas que a visão tem sido bastante consistente: a procura global aumenta à medida que a economia e a população crescem. A análise a curto prazo é incerta: segundo a Bloomberg, a actual procura de petróleo é superior a dez milhões de barris por dia, um valor inferior ao do ano passado. Tudo graças à COVID-19, claro. Já a longo prazo, a expectativa é que a linha seja de um crescimento constante e suave.
No entanto, nas mais recentes previsões da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) e da Agência Internacional de Energia (IAE), essa linha pára de subir, com a procura a chegar ao seu limite, mesmo nos cenários mais conservadores. Segundo as projecções de ambas as entidades, a procura vai continuar a crescer até 2040, sendo que a OPEP vê essa procura aumentar até 2045.
Carvão em declínio
Ainda segundo a Bloomberg, e citando as visões da IEA e da OPEP, não é só a procura pelo petróleo que chegará ao seu limite. A IEA, por exemplo, afirma que o carvão está em declínio terminal e que, em 2040, representará menos de 20% do fornecimento de energia global pela primeira vez desde a Revolução Industrial. Se o declínio terminal do consumo do carvão parece dramático, é porque é mesmo, diz a Bloomberg, com os colunistas especializados em energia a defenderem que há uma década teria sido «herético» para a IEA sugerir tal coisa. No documento ‘2010 World Energy Outlook’, a agência afirma que o carvão «continua a ser a espinha dorsal da produção de electricidade global».
Igualmente dramático, embora menos “herético” para analistas e observadores de energia voltados para a tecnologia, é a IEA ver a energia solar como o combustível mais barato, quer hoje, quer no futuro. «Este será o novo “rei” dos mercados mundiais de energia», diz o director-executivo da IEA, Fatih Birol.
Miguel Freitas, consultor no sector energético, explicou à businessIT que os factores que determinam o crescimento da procura por petróleo já andavam a ser fortemente ‘atacados’ em algumas áreas, como o transporte rodoviário, o sector petroquímico ou a aviação. «A COVID-19 deixou a aviação completamente desamparada este ano, embora o transporte rodoviário tenha recuperado, assim como a procura petroquímica, em alguns mercados. Mas mais importante é que os desenvolvimentos tecnológicos estão a tornar a supremacia do petróleo menos certa, da mesma forma que o crescimento e desenvolvimento da energia solar mudou as perspectivas de crescimento do carvão».
Segundo a XTB, a vacina contra o coronavírus pode ser uma oportunidade para elevar os preços do petróleo. «A rápida aprovação da vacina pode impulsionar a procura por petróleo devido, por exemplo, ao aumento do tráfego aéreo», diz a corretora em comunicado enviado à imprensa. Por outro lado, a IEA admite que a OPEP não vai interromper a redução gradual dos cortes de petróleo. Da mesma forma, o facto de Joe Biden ter conquistado a Casa Branca poderá trazer alguma confusão à definição do preço do petróleo. «O acordo sobre as infra-estruturas pode impulsionar uma maior procura, mas as suas políticas também podem significar o retorno do fornecimento iraniano aos mercados. Além disso, Biden terá como objectivo aumentar a utilização de energia verde», acredita Fatih Birol.
Uma visão sobre a tecnologia
Vejamos de que forma a tecnologia se tem vindo a impor neste estratégico sector, desde logo pela quantidade de vezes que a palavra é agora mencionada nos relatórios das agências. Há treze anos, numa época de oferta restrita, procura crescente e com os preços do petróleo cada vez mais altos, a palavra ‘recursos’ – ou seja, a quantidade de petróleo que poderia ser extraída e disponibilizada no mercado – era mencionada uma em cada três páginas no World Oil Outlook, lembra a revista Wired. ‘Tecnologia’ foi mencionada com menos frequência, cerca de uma vez em cada quatro páginas. O ‘clima’ quase não foi referido e ‘veículos eléctricos’ nem sequer apareceu no ‘mapa’.