Entrevista

«A IA generativa abre-nos portas para dar o salto de que precisamos para colocar Portugal a outro nível»

Entrevista a Sofia Marta, country manager da Google Cloud Portugal.

Sofia Marta © Google Cloud Portugal

Durante o Google Cloud Day 2024 Lisbon, falámos com Sofia Marta sobre a estratégia da empresa para o mercado nacional. A country manager explicou ainda como a tecnológica está a ajudar a elevar as competências digitais e a competitividade do País.

Qual é a estratégia da Google Cloud em Portugal?

Neste momento, temos uma aposta muito grande em Portugal, se calhar um bocadinho em contraciclo com outras empresas. Acho que Portugal já precisava há muito de ter uma alternativa e eu acho que este é o nosso papel – é importante termos esta concorrência saudável. A Google sempre foi, e continua a ser, uma empresa que pauta muito pelo tema do openness, da partilha com a comunidade daquilo que são os seus avanços em termos de tecnologia e de inovação, entre outros. Queremos que os clientes tenham esta flexibilidade, esta opção de escolha, que trabalhem connosco, não porque não tenham outra opção ou porque não o consigam fazer, mas porque achem que, efectivamente, é a melhor opção.

Como é que se posicionam no mercado nacional?

O nosso posicionamento abrange um contexto muito diversificado. Por um lado, temos obviamente, as grandes empresas – já estamos a trabalhar com muitas delas. Mas a grande parte do nosso mercado são as PME. Acho que este é, também, um desígnio da nossa parte. Se queremos, de facto, contribuir para o aumento da competitividade em Portugal, temos obrigação de ajudarmos as PME a fazerem esta evolução, para tirarem partido da tecnologia. Depois, temos toda a componente da administração pública, em que acho que há um caminho enorme para fazer, temos de aproveitar este momento. O tema da inteligência artificial e, em particular da IA generativa, abre-nos portas para dar o salto de que precisamos para, de facto, colocar Portugal a outro nível.

A Google Cloud tem uma série de iniciativas ligadas às startups e ao empreendedorismo. Qual é a vossa abordagem nesta área?

Estamos a trabalhar muito próximos do ecossistema de startups. Temos os nossos programas e capitalizamos a sua utilização em Portugal, como o Google for Startups. Mas, o mais importante, é trabalharmos junto ao ecossistema que existe cá. Se falarmos de startups mais em early stage, temos parcerias fortes com as principais incubadoras, como por exemplo com a Startup Lisboa, a Unicorn Factory, a UPTEC e a Startup Portugal, por exemplo. Mas também queremos estar junto das startups, não só no momento inicial, mas também ajudá-las a escalar o seu negócio – para isso, temos de estar próximos das principais empresas de capital de risco. No nosso evento Google Cloud Day 2024 Lisbon tivemos a presença da Armilar e da Indico, mas também trabalhamos muito com a Shilling e a Bright Pixel.

Por que motivos é que os clientes devem escolher a Google Cloud?

O principal argumento é a abertura do mercado: aqui, voltamos ao tema da escolha, ou seja, temos uma aposta forte naquilo que é a nossa tecnologia proprietária, desde a infraestrutura ao software. Estamos a apostar em desenvolver os nossos modelos, como é o caso da “família” Gemini, mas também temos a preocupação de ter esta abertura de ligar a todo o ecossistema. Ou seja, sabemos que existem inúmeras outras coisas no mercado que fazem todo o sentido e que, em determinados contextos, até podem fazer mais sentido. É o que fazemos, por exemplo, com o Vertex Aiem, que disponibilizamos nos nossos modelos, mas também com modelos open source e de terceiros, para que cada cliente possa escolher exactamente o que é que quer utilizar, em cada momento.

O segundo argumento é o da inovação: somos uma empresa pioneira na IA, temos uma investigação interna muito forte e a inovação é uma constante. Vejamos o ritmo a que estamos a viver: fizemos 218 anúncios no Google Next’24, um mês depois, mais 100 anúncios, e já temos mais não sei quantas coisas para anunciar. É um ritmo alucinante. Acho que este tema da inovação é também, sem dúvida, um dos fortes factores para escolher a Google Cloud como parceiro. Como terceiro, não posso deixar de mencionar a sustentabilidade. É uma preocupação nossa desde há muito. Se queremos tirar partida em escala da tecnologia, nomeadamente da IA, temos de o fazer de forma sustentável ou não vai ser possível.

A inteligência artificial generativa requer a utilização de uma grande quantidade de energia, o que não é muito compatível com a sustentabilidade. Como é que a Google Cloud está a lidar com este tema?

Escolhi, neste conjunto de três argumentos, a sustentabilidade, porque levamos este tema muito a sério. Fomos a primeira empresa a ser carbon neutral, em 2007. Temos o objectivo muito ambicioso de, até 2030, sermos livre de carbono 24/7. Estamos a abrir data centers quase a cada minuto, porque temos de continuar a investir na infraestrutura, caso contrário, não conseguimos, obviamente, tirar partido da tecnologia. Mas, se não o fizermos de forma responsável e sustentável, o que vai acontecer é que não vamos conseguir atingir o nosso objectivo: conseguir tirar partido da tecnologia. Portanto, temos de seguir os dois caminhos: avançar na evolução digital, mas também na transição verde.

Como vêem a inovação e o vosso papel nesta área, em Portugal?

A verdade é que temos um povo muito inovador, temos um talento enorme em Portugal e acho que temos de o aproveitar e capitalizar. Cabe-nos a nós, Google Cloud, ajudar a fazer a “cola” deste puzzle. Acho que a IA vem ajudar a fazer isso porque, em linguagem natural, vai ser cada vez mais fácil interagir com as aplicações, com os dados, com os clientes e com os colaboradores. Portanto, acho que vai ser muito mais fácil conseguirmos tirar partido da tecnologia.

Anunciaram recentemente uma parceria com o AI Hub da Unicorn Factory Lisboa. Quais são os objectivos?

O que pensámos foi: ‘como é que podemos ter um impacto diferente na sociedade, em Portugal? Como é que nós podemos ajudar a resolver alguns dos problemas existentes? Como é que podemos ajudar com a tecnologia da Google?’ E não digo só Google Cloud, porque, na verdade, é uma iniciativa da Google como um todo. Assim, vamos falar com várias entidades e perceber os problemas que sentem. Também enquanto cidadãos, temos ideias de coisas que podiam existir e ter um impacto tremendo nas nossas vidas. Estamos a falar em áreas como a sustentabilidade, a mobilidade, a relação com o Estado ou a saúde, tudo áreas em que queremos ajudar a impactar e a contribuir de uma forma activa e proactiva na sociedade nacional. Vamos ter inúmeras iniciativas, entre as quais masterclasses, formações, workshops e hackathons, e vamos personalizá-las conforme o problema e o objectivo a atingir. A primeira foi o hackathon no Cloud Day em que se tentou resolver um problema relativo à modernização administrativa, concretamente no acesso às Lojas do Cidadão. Este é um bom exemplo de como estamos a tentar ajudar a resolver um problema e ter impacto na sociedade.

Qual é o principal desafio, enquanto País de micro-empresas e PME, em relação à adopção da IA e IA generativa?

Ambas abrem essa porta porque, na verdade, já não é preciso ter aqueles conhecimentos tecnológicos, que eram necessários antes, para tirar partido da tecnologia. E, cada vez mais, estamos a conseguir, com uma linguagem natural, criar soluções, tirar partido de aplicações e pôr os negócios a abrirem portas para todo o mundo. Portanto, acho que o nosso País tem, aqui, uma oportunidade enorme de potenciar a utilização da IA e da IA generativa. A dificuldade é trabalharmos antecipadamente as competências digitais e no sentido de as pessoas perceberem o que é que podem fazer com a tecnologia. Se não tiverem a noção do que é que conseguem fazer e das potencialidades que têm com esta tecnologia, não o vão fazer. Aqui, entra a nossa obrigação de ajudar a elevar a literacia digital e de mostrar como é que conseguimos tirar partido da IA. É necessário criar um bocadinho de awareness e a vontade de experimentar, nas empresas. É preciso estimular a curiosidade para que as pessoas comecem a experimentar a IA mesmo nas suas vidas pessoais, porque se o fizerem, vão tirar partido disso na sua vida profissional.

Que programas têm para aumentar as competências digitais a nível nacional?

Temos vários programas disponíveis como o Grow with Google ou o Google Cloud Skills Boost, mas um dos mais relevantes, a nível nacional, é o mais recente que anunciámos com a APDC, o Impulso AI. O objectivo é exactamente o que indiquei anteriormente: explicar às pessoas como é que podem tirar a partida da IA no seu dia-a-dia de trabalho. E, como não temos um público-alvo definido, qualquer pessoa pode utilizar esse programa. É uma oportunidade enorme para todas as empresas e pessoas poderem começar a tirar a partido da tecnologia nos seus negócios e profissões. O plano é termos, pelo menos, mil pessoas a serem abrangidas nesta primeira fase. Temos também outro programa que estamos a fazer com a APDC e com o IEFP, numa óptica de melhorar a empregabilidade. Há várias áreas de aposta identificadas, não só as das tecnologias de informação, mas também as de analítica ou marketing digital, em que estamos a dar formação e certificação. O objectivo é, também, elevar o nível de literacia e competências digitais que temos em Portugal.

Além das competências, quais são as outras barreiras na utilização de IA generativa, nas empresas?

Houve um hype muito grande, principalmente no ano passado, e muita vontade de começar a experimentar e identificar casos de uso. Acho que, agora, estamos naquela fase em que temos de passar para outro nível. É importante não ficarmos só ao nível da experimentação, temos de ver o resultado e qual é que está a ser o impacto nos negócios. Portanto, temos de deixar de estar só na parte das provas de conceito, das experiências engraçadas e passar para o nível da execução – acho que, agora, estamos neste ponto e muitas empresas já estão a conseguir dar este salto.

Outra questão é a de que este caminho de experimentação também tem de ser feito de uma forma consciente. Os casos de uso têm de ser bem pensados, tem de ser feita uma análise de quais são os problemas que vão resolver na organização e o impacto – para isso, é preciso medir. Antes de começar a experimentação, é importante pensar quais são os KPI que se querem atingir porque, senão, o que vai acontecer é que o piloto até vai funcionar bem, atingir o objectivo pretendido, mas não irá dar um business case. Ou seja, não é possível escalar dentro da organização. Acho que este é o desafio, o de passarmos para o next level e de, realmente, tirar partido da tecnologia nas organizações.

 

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