Entrevista

«Queremos ser um parceiro para a evolução digital de uma empresa»

Entrevista a Bryan Cheung, CEO e co-fundador da Liferay.

A Liferay, que recentemente organizou, no Porto, um encontro de parceiros, nasceu numa igreja nos Estados Unidos pelas mãos e mentes de Brian Chan e Bryan Cheung. Na altura, era “apenas” um portal onde se desenvolviam sites. Hoje, quase em missão filosófica, dedicam-se a «causar um impacto positivo no mundo».

Apresentam-se como uma empresa que «ajuda organizações a superar desafios únicos, criando experiências inovadoras e centradas no cliente». Estão sediados onde?

No mundo. Tecnicamente, somos uma empresa sediada nos Estados Unidos, mas temos mais pessoas fora: talvez trezentas nos EUA e novecentas, no estrangeiro.

É co-fundador e CEO e, pelo que li, a empresa nasceu numa igreja…

Normalmente, quando se fala em ‘igreja’, as pessoas imaginam as grandes catedrais da Europa. Mas não, esta era apenas um edifício simples. Sobretudo, é um conceito muito económico, porque a igreja é utilizada ao Domingo e fica vazia de Segunda a Sexta-Feira. Assim, pudemos utilizar este espaço e foi uma boa forma de poupar muito dinheiro. Depois, a igreja acabou por dizer: «Bem, vocês não têm de pagar renda, mas o vosso ar condicionado está a ficar muito caro, por isso podem ajudar-nos a pagá-lo?». Foi assim que começámos a pagar uma espécie de “renda”.

O que queriam alcançar com esta empresa? Qual foi o objectivo inicial?

A igreja que o meu co-fundador Brian frequentava pediu-lhe para fazer um site. Como tem uma mente de engenheiro, achou por bem não criar apenas um site, mas antes um software que pudesse criar muitos sites – foi assim que começámos. Havia outros portais de código aberto disponíveis, mas ele achou que não eram suficientemente bons, por isso decidiu criar um.

E rentabilizou o produto quase de imediato ou demorou algum tempo?

Foi uma longa viagem, mas nunca perdemos dinheiro. Nos primeiros quatro anos, o Brian estava a programar o software durante a noite ou aos fins-de-semana, depois de terminar o seu trabalho diário ou sair com a mulher. A partir de 2004, passámos a prestar serviços de consultoria – parte do software era gratuita, mas fazíamos alterações e melhorias. Era isso que o cliente pagava, foram cerca de cinco anos. Finalmente, em 2009, vimos outras empresas de código aberto a fazer uma subscrição para uma versão empresarial do software. Tentámos fazer o mesmo e foi aí que as receitas começaram a aumentar.

Desde então, o mundo mudou muito. Acha que a pandemia teve um papel importante na mentalidade actual das empresas, uma vez que foram quase obrigadas a digitalizar-se? Vê a pandemia como um ponto de partida?

Há um relatório da McKinsey que confirma a nossa experiência. Antes, havia uma espécie de orientação dos consumidores para as compras digitais, online, etc. Os negócios ainda eram feitos pessoalmente, cara a cara. Depois da pandemia, até os compradores B2B começaram a fazer reuniões à distância. Se eu puder assinar contratos digitalmente, não me importo. Penso que se trata de uma mudança permanente. A outra grande mudança, e talvez a razão para o valor astronómico do imobiliário em Lisboa, é o trabalho remoto. Na nossa empresa, por exemplo, muitas pessoas que trabalhavam em Los Angeles mudaram-se para outras partes do país. Muitos destes nómadas digitais estão a trabalhar a partir de locais como Portugal.

Hoje, como define a sua empresa? É diferente de quando começou na igreja? Que tipos de serviços são mais importantes para si? As receitas vêm de onde, hoje em dia?

Primeiro, não havia receitas. Depois, foram os serviços, e agora são as receitas das subscrições. Na nossa cimeira, reunimos 160 dos nossos 360 parceiros que temos em todo o mundo: vieram conhecer as nossas novas ofertas e a forma como tencionamos trabalhar com eles. Isto resume, realmente, a mudança: o que eles fazem hoje é a forma como costumávamos ganhar dinheiro. A próxima grande mudança foi a transição para a nuvem. Antes, éramos principalmente uma empresa on premise e, desde há cerca de quatro anos, temos vindo a transferir cada vez mais receitas para a cloud. Aqui, as nossas taxas de crescimento são, provavelmente, duas vezes e meia superiores às normais. Além disso, as nossas renovações de subscrições para a nuvem são, em geral, sete pontos percentuais mais elevadas.

Têm muitos clientes em Portugal? De que tipo são?

É uma mistura interessante em todo o mundo, porque tínhamos este projecto open-source, que também era para utilização empresarial. Isto significa que é tão provável ver um pequeno departamento universitário, em Itália, a utilizar o Liferay para um site de partilha de conhecimentos e documentos com os alunos, como ver algumas das maiores instituições financeiras e companhias de seguros a recorrer a esta plataforma para os seus portais de apoio ao cliente e sites públicos. Portanto, temos um leque alargado de que gostamos muito. Quando perguntou se a empresa mudou, o negócio mudou até certo ponto, a nossa ênfase no código aberto mudou. Mas o nosso tipo de motivação para a empresa não se alterou. Quando estavamos a crescer, se quiséssemos ser úteis às pessoas, trabalhávamos numa organização sem fins lucrativos e fazíamos voluntariado. Se fossemos gananciosos e egoístas, abríamos uma empresa, mas esta seria uma espécie de falsa dicotomia. Em adulto, apercebi-me de que se pode ajudar as pessoas através dos negócios. Por isso, adoramos o facto de haver pequenos departamentos em universidades e organizações sem fins lucrativos que podem utilizar o nosso software e tirar partido dele. Mas também é valioso para as grandes empresas, até porque este tipo de negócio permite-nos investir em tecnologia que pode ser útil para todos.

E quanto ao talento? Toda a gente fala na dificuldade em conseguir algumas pessoas e em mantê-las. É difícil? Ou hoje em dia é mais fácil porque se pode recrutar em qualquer parte do mundo.

Tendo a ser um pouco filosófico, nestas questões. Penso que o mundo actual se encontra numa espécie de crise existencial em que toda a gente diz: «Bem, qual é o objectivo?» Quase que temos de convencer as pessoas de que devem trabalhar, porque todos nós temos escolhas agora, quer seja porque os nossos pais tiveram sucesso e talvez possamos seguir a nossa paixão ou porque temos muitas opções. Já não é apenas uma questão de sobrevivência, não é apenas o facto de me pagarem um salário e eu trabalhar. Tenho de estar motivado, entusiasmado.

E como o fazem enquanto empresa, uma vez que não se trata do ordenado que se recebe no final do mês? É preciso desafiar os colaboradores…

Uma coisa de que me apercebi é que éramos uma empresa de código aberto, um software gratuito que podia ser descarregado e utilizado, no qual os programadores podiam ver o código fonte, alterá-lo e melhorá-lo. Cheguei à conclusão de que as pessoas que se sentem atraídas pelo software de código aberto são um pouco “loucas”, porque pensam que sabem como criar melhores soluções que outras.

Este tipo de empreendedorismo é bom, certo? Penso que muitos dos nossos talentos, nos primeiros dez anos, foram realmente motivados por isso. Agora, vemos uma mudança deste aspecto para ‘como se usa a tecnologia para ser útil?’ Antes, a nossa mentalidade passava por encorajar os jovens a fazer o que quisessem, aquilo em que estavam interessados e a seguirem as suas paixões. Acho que isso é bom, mas tem um limite. Nessa altura, especialmente nas empresas, tínhamos muitos programadores que eram bastante criativos e queriam iniciar todos estes novos projectos e tecnologias, mas não havia um valor económico para isso.

Há uma citação muito famosa de um teólogo que diz que a «vocação é descobrir onde as nossas maiores paixões vão ao encontro das maiores necessidades do mundo». Por isso, acho que não pode ser um desenfreado ‘só faço o que me interessa’. Tentamos estabelecer uma ligação com os nossos funcionários e pensamos que isso é bom para o seu crescimento, potencial e carreira.

No futuro, como vê a sua empresa?

A resposta está relacionada com a sua pergunta sobre a pandemia. Penso que foi um catalisador de algo que já estava a acontecer, mas fez com que deixássemos de pensar nos EUA como uma espécie de ‘sede’ ou ‘centro’. Agora, o Brian passa quatro meses do ano no Brasil e três, na Índia. Nós inclinamo-nos, realmente, para esta concepção multipolar da Liferay, em que o nosso talento e recursos estão em todo o mundo – descobrimos a melhor forma de os usar para servir os nossos clientes. Tudo isto aconteceu num período de apenas dois anos, entre 2020 e 2022. Portanto, daqui a dois anos, não sei.

E quanto a Portugal?

É um mercado interessante, porque as pessoas estão à procura de um determinado preço, que tivemos alguma dificuldade em fornecer, no passado; mas, recentemente, fizemos algumas alterações aos nossos valores, que estão muito mais flexíveis. Diria que, mesmo em Itália, apesar de ser um país grande, há muitas empresas de média dimensão, empresas familiares e há formas de essas organizações obterem valor com a Liferay. Muitas vezes, são apenas pequenos grupos de cinco a dez programadores que conhecem a solução muito bem e fornecem serviços na nossa versão open source. Agora que estamos a mudar para a nuvem e temos uma oferta SaaS, haverá muitas mais formas de oferecer esse valor a uma variedade ainda maior de clientes – e estamos entusiasmados em fazer isso, em Portugal.

Como gostariam de ser vistos pelo mercado?

Do ponto de vista comercial, queremos ser um parceiro para a evolução digital de uma empresa. Mas, de um ponto de vista mais humano e emocional, estamos aqui apenas para servir e tentar perceber aquilo que precisam que a tecnologia faça e, depois, fazer o nosso melhor, para o tornar possível. Acreditamos que os nossos clientes são os que melhor sabem disso, por isso, queremos ouvir.

Sem comentários