Entrevista

«Cativou-nos o facto de, agora, termos acesso ao mercado europeu»

Entrevista a João Moreira, managing director da Valantic BT.

A recente fusão entre a portuguesa Ábaco Consulting e a alemã Valantic veio dar à empresa nacional a capacidade e potencialidade de alargar ainda mais as suas operações na Europa.

Recentemente, comunicaram a fusão entre a portuguesa Abaco Consulting e a alemã Valantic. Qual o modelo de negócio? Quem controla a empresa?

O maior accionista é a  Valantic BT e os fundadores da Ábaco mantêm 25% do capital. Não foi, por isso, uma aquisição integral, mas de parte do capital. Existiu esse interesse de que os fundadores e os actuais accionistas se mantivessem no capital da empresa, porque é esse o modelo que a Valantic  normalmente adopta em todas as suas operações. Ou seja, a empresa faz questão de que os próprios empreendedores também se mantenham no capital da empresa.

O que é que a Valantic identificou na Ábaco para sugerir a fusão?

Creio que viu, sobretudo, duas coisas. Fundamentalmente, uma oportunidade de complementar a sua oferta em termos de SAP, através de uma operação nearshore, o que lhes permite continuar a crescer no mercado no qual maioritariamente operam, o DACH [Alemanha, Áustria, Suíça]. O objectivo é continuar o crescimento, nomeadamente nos mercados do Norte da Europa. Depois, e talvez o mais importante, são muito criteriosos na avaliação que fazem dos accionistas, das pessoas, da sua cultura e dos seus valores. E, portanto, o que concluíram é que havia esse alinhamento entre a cultura da Ábaco, a forma de gestão e os valores que a empresa tem.

E o que vos atraiu, enquanto Ábaco, neste negócio?

Em primeiro lugar, mantermos uma grande autonomia naquilo que fazemos. Ou seja, o centro de decisão mantém-se exactamente como estava antes da operação. Não tenho a necessidade de recorrer a qualquer autorização em especial – a não ser em algumas coisas, como é natural. Isto foi o contrário de outras aproximações que tivemos, de outras empresas que teriam interesse em entrar no capital da Ábaco, que tinham um modelo a que chamo ‘dos anos noventa’: basicamente, o departamento financeiro passaria a ser controlado por eles ou o departamento de operações a reportar não sei a quem… aqui, isso não aconteceu, porque não é nesse modelo que a Valantic acredita e, por isso, é tão criteriosa na selecção das empresas que adquire. Eles não querem ter um modelo centralizado de gestão do grupo, acreditam no sentido empreendedor e querem potenciar cada uma das organizações que adquirem. Não acreditam que seja positivo transformar o modelo de gestão das empresas que adquirem. Por outro lado, cativou-nos o facto de, agora, termos acesso ao mercado europeu, que tem, naturalmente, ‘rates’ mais altas e que nos permite competir, em Portugal, pelo talento.

Mudaram para Matosinhos, para instalações que, segundo o comunicado de imprensa, permitem acomodar o potencial de crescimento. Hoje, quantos recursos tem a empresa em Portugal e quais as expectativas de contratação? Somos cerca de 150 pessoas e o nosso objectivo é chegar às 200 ou 250 pessoas, até 2025, dependendo da evolução do mercado. Ninguém antevia mais uma guerra em Israel e a economia alemã não está propriamente numa fase de crescimento, como se desejaria, portanto, tudo vai depender dessa evolução, até porque o mercado que servimos é essencialmente o DACH. Enquanto essas geografias não estiverem numa fase de crescimento, é óbvio que pode ter impacto. Dito isto, o que projectamos para 2024 é uma continuidade desse crescimento.

Qual é a maturidade das empresas portuguesas? Está alinhada pela das europeias?

Na nossa experiência, tem sido uma agradável surpresa, já que, em muitas coisas, estamos até mais avançados naquilo que é o modelo de gestão e competência técnica. Onde não estamos tão bem é no que diz respeito à dimensão: uma coisa é fazer um projecto como faço em Portugal, de dois milhões; outra, é fazer um projecto de trinta ou quarenta. A dimensão traz outro tipo de desafios, outro tipo de necessidades em termos de estrutura e de processos, a que não estamos habituados, até porque não temos essa necessidade localmente, face à nossa dimensão que temos.

Falou no aumento da equipa. Estamos a falar exactamente de que valências e competências? Há uma efectiva dificuldade em recrutar e reter os talentos?

As competências são, essencialmente, dentro do universo SAP, ou seja, dos ERP. Contratar, sim, é difícil, na medida em que há muitas empresas que, aceitando este novo paradigma do trabalho híbrido, contratam portugueses; contudo, para trabalhar em empresas alemãs, são pagos salários muito mais altos. Aqui, temos dificuldade em sermos competitivos, quando queremos contratar.

Outro activo que temos, hoje, é o facto de podermos trabalhar e participar em projectos europeus, o que é um atractivo para contratar colaboradores que, comparativamente a uma oferta local, têm a oportunidade de participar em projectos internacionais, alguns deles até pan-europeus. Assim, podem enriquecer toda a sua experiência, conhecimento e, com isto, valorizar o seu currículo. Têm aqui uma oportunidade importante até na dimensão cultural, no aprender de novas formas de trabalho, no entender de novos modelos de organização e de novos processos de decisão. Esta é uma aprendizagem muito enriquecedora, até do ponto de vista da dimensão humana, não só da técnica. Estamos numa área fantástica, na medida em que temos a oportunidade de experienciar estas transformações nas organizações, ainda mais quando o fazemos num ambiente multicultural. É um desafio maravilhoso, diria eu.

Quais são as expectativas a dois anos? Onde gostaria de ver a empresa?

Gostaria de crescer em novas áreas de competência que não temos em Portugal por via da dimensão; esta foi, também, parte da razão pela qual fizemos esta operação.

Mas essas competências serão sempre dentro do universo SAP? Em que verticais são mais fortes?

Claramente, dentro da SAP. A SAP, como sabe, actua em 25 verticais de indústria. Creio não haver uma empresa que os cubra praticamente a todos. O nosso foco anda muito em torno do que chamamos ‘manufacturing and operations’, porque é a raiz da Ábaco, que nasceu no Norte do País, no Porto, onde há muito tecido industrial. A nossa actuação é no sector automóvel, bebidas/alimentos (nomeadamente tudo o que seja de transformação animal), têxtil/vestuário e calçado. Embora seja maioritariamente composto por pequenas e médias empresas, existem algumas estruturas em Portugal com alguma dimensão, importantes no plano europeu. Depois destes três sectores, temos também o que chamamos de ‘discrete manufacturing’ e, finalmente, engenharia/construção, onde também somos fortes e que já serviu inclusivamente de referência dentro do grupo para alguns projetos a nível internacional.

Graças à Valantic, investimos ainda numa área de planeamento e produção, para a qual criámos um centro de competências. Em Portugal, não temos, em muitas situações, indústrias com dimensão suficiente para haver grandes investimentos nesta área. Hoje, temos uma área de competência no planeamento de produção, como temos também em ‘process mining’, outro investimento da Valantic. Queremos continuar a crescer e a abrir novas áreas de competência que possam servir num modelo misto de equipas virtuais que permitam depois ser competitivos na aproximação ao mercado do centro e norte da Europa.