A Valispace é conhecida como o ‘Github do hardware’ e está sediada em Portugal. No Iteration22, o primeiro evento organizado pela startup, o co-fundador e CEO, Marco Witzmann, falou sobre a estratégia da tecnológica e do futuro da engenharia.
Como é que a Valispace se define?
A Valispace é um software de engenharia que ajuda as pessoas a desenvolver produtos complexos como satélites, foguetões, drones e robôs. Assim, em vez de utilizarem folhas de cálculo do Excel, que é o mais habitual, podem usar a plataforma de engenharia de sistemas que fornecemos para colaborar e desenvolver, em conjunto, produtos complexos.
São uma empresa de origem alemã. Porque decidiram abrir a sede em Lisboa?
Somos três co-fundadores e um deles, a Louise Lindblad, que é sueca, vivia na cidade. Quando decidimos criar a empresa, questionámo-nos sobre onde deveríamos contratar as pessoas e a Louise teve uma ideia brilhante – vamos perguntar onde querem trabalhar. Penso que ela sabia o resultado. Actualmente, dos 40 colaboradores da Valispace, 38 estão em Lisboa. Por isso a decisão de nos estabelecermos em Lisboa aconteceu quase por acidente, mas foi um feliz acidente. Acabámos por descobrir que Portugal tinha várias pessoas muito talentosas que podíamos contratar e uma parte da nossa força de trabalho é de Portugal. Conseguimos atrair também muitas pessoas que decidiram mudar-se para Lisboa, por causa da boa qualidade de vida. Por outro lado, como somos uma empresa alemã, temos também acesso mais fácil ao mercado de engenharia. Por isso, conseguimos ter o melhor dos dois mundos.
O que é que vos torna diferenciadores do que existe no mercado?
A Valispace é aquilo a que se chama uma ‘startup que criou uma categoria’, já que o que chamamos uma ‘ferramenta de engenharia de sistemas orientada por dados’ não é algo que alguma vez tenha existido no mercado. Normalmente, não competimos com outras ferramentas, mas sim com o ‘status quo’. Temos de nos certificar de que convencemos as pessoas de que podem poupar muito tempo e dinheiro, mudando o seu processo para a utilização de uma ferramenta.
Qual é a vossa estratégia de negócio e de crescimento da equipa?
Somos uma startup de rápido crescimento e queremos definitivamente expandir a equipa ao longo do tempo. No ano passado, por esta altura, éramos provavelmente 25 pessoas. Mas há certos momentos em que uma empresa tem de estabilizar num certo número e certificar-se de que faz o melhor possível ao seu alcance para chegar a novos objectivos. É basicamente isto que está a acontecer connosco e que se vai manter no próximo ano. Estamos a tentar servir todos os mercados em que estamos presentes; começámos com a indústria espacial e agora temos clientes do sector automóvel, da energia e estamos a começar a entrar no mercado da saúde. Este é, basicamente, o próximo passo, escalar em todas estas dimensões ao mesmo tempo.
Consideram que a falta de talento nas TI é um desafio?
Sim, claro. Mas temos muita sorte: embora nos limitemos a criar software, os nossos clientes desenvolvem reactores de fusão, foguetões, satélites e outras coisas muito interessantes. Assim, quem trabalha na Valispace fica muito próximo de pessoas que estão a fazer coisas espantosas e sabem que o software que desenvolvem é utilizado para construir um foguetão que vai para o Espaço. Isto é muito diferente de desenvolver um motor de publicidade, uma aplicação ou algo parecido – esta é a nossa grande vantagem.
A tecnologia que estamos a usar também é interessante, porque não estamos apenas a trabalhar com tecnologia básica de base de dados, mas sim a fazer motores de cálculo e uma tecnologia complexa que ajuda a criar coisas fantásticas. Isto ajuda-nos, mas temos de ter a certeza de que temos um grande ambiente e uma equipa que faz com que as pessoas venham até nós.
No Iteration22, explicou que 84% do tempo dos engenheiros é gasto em tarefas que não são de engenharia. Como é que ajudam os profissionais a serem mais produtivos?
Imaginemos que estamos a desenvolver um carro eléctrico e não sabemos que bateria escolher para determinada autonomia. É preciso fazer uma análise: este processo é muito manual e passa por muitas pessoas. Com a Valispace, é possível ter uma resposta em segundos e, em vez de ter de actualizar dezenas ou centenas de documentos, a informação é actualizada automaticamente e todos os engenheiros recebem uma notificação dessa mudança. Basicamente, diminui o trabalho que não é de engenharia e os nossos clientes dizem que o seu time-to-market é 20 a 30% mais rápido, por isso.
Como é que vê o futuro da engenharia?
Gostava de ter um futuro na engenharia em que os engenheiros se sentissem todos os dias como o Homem de Ferro. Nesse mundo, os engenheiros só pensam no que querem fazer, têm a informação certa à sua disposição, à medida das suas necessidades, fazem algumas trocas e análises e depois têm um sistema que executa. Trata-se de fazer com que seja uma experiência perfeita e de garantir que os engenheiros podem concentrar-se melhor no que querem fazer. E penso que, daqui a dez anos, vamos olhar para trás e perguntar-nos como éramos capazes de criar qualquer coisa com o tipo de sistemas que temos hoje em funcionamento.
Como é que a Valispace vê a inovação?
É preciso libertar as mentes dos engenheiros. Se és um engenheiro e a única coisa com que te preocupas é não conseguires preparar a versão 3 de um certo documento até à próxima Sexta-Feira, então, não há qualquer processo de inovação em curso.
Assim, o que estamos a tentar fazer é dar às pessoas o tempo e a capacidade de voltar atrás, fazer experiências rápidas e descobrir, com análises, qual é o caminho. Isso fomenta a inovação e permite que as pessoas criem coisas que nunca foram capazes de fazer antes. Vemos isso nas empresas que estão a utilizar o nosso software, que, muitas vezes, têm de inovar muito depressa. No caso de ser uma startup com cem colaboradores que quer competir com empresas grandes, com milhares de profissionais, a única forma é ser inovador de forma mais rápida – para isso, é preciso usar as melhores ferramentas.
Sendo engenheiro de formação e tendo fundado uma empresa ligada à engenharia, qual é o seu principal conselho para jovens engenheiros e estudantes de engenharia?
Um engenheiro recém-licenciado, ou estudante, provavelmente está a aprender ou aprendeu com manuais escolares que foram escritos há vinte ou trinta anos. E se os princípios da física e da engenharia permanecem iguais, é preciso aprender a questionar as coisas e como fazer mudanças. Por isso, nos seus tempos livres, devem aprender também sobre como as ferramentas e os processos têm evoluído. Se se quiserem juntar às melhores equipas ou inovar em grandes equipas, precisam de ser aqueles que trazem estes novos processos e ideias para dentro dessas equipas. Se só confiarem no que foi feito no passado, não serão capazes de ajudar essas empresas e não terão uma carreira bem-sucedida, nem se sentirão realizados profissionalmente.
Considera que a inteligência artificial (IA) vai ajudar a engenharia a resolver os maiores problemas do mundo, como as alterações climáticas?
Primeiro é preciso o básico, se ainda se estiver a utilizar folhas de cálculo e documentos Word, nem podemos falar de IA, porque estamos na Idade da Pedra. Assim, as bases são fundamentais. Depois de se terem os dados certos e os algoritmos optimizados, treinados, é possível tomar decisões mais rapidamente e resolver problemas que antes eram demasiado complexos. A IA é mais uma opçã na caixa de ferramentas de um engenheiro, que deve aprender do que é capaz e de como aplicá-la. Penso que nos pode ajudar muito a ir mais longe, mas não será a solução milagrosa em que se carrega num botão e sai o design que sonhámos, para resolver determinado problema.
Como é que vê a Valispace daqui a cinco ou dez anos?
Espero que se transforme numa ferramenta essencial, que faça parte de um processo normal de engenharia e que ajude a desenvolver coisas com base no que já foi feito no passado. Espero que a Valispace seja capaz de capacitar as pessoas para reutilizar coisas que outras pessoas fizeram, que já criaram antes e ajudar a encontrar novas soluções. Um exemplo do mundo do software é o AOL Instant Messenger, que foi desenvolvido por mil profissionais para ser usado por alguns milhares de pessoas e o WhatsApp que foi programado por 25 pessoas e tem dois mil milhões de utilizadores. Penso que a mesma coisa está a acontecer na engenharia de hardware. Hoje, é necessária uma equipa de mil pessoas para construir uma estação espacial ou um data center subaquático e, no futuro, isso deverá ser possível de acontecer com apenas vinte pessoas e as ferramentas certas. Quero que a Valispace seja a solução que permite isso.
Qual é o contributo que quer que o Iteration22 tenha para o ecossistema de startups e empresarial nacional?
Este ano, conseguimos trazer algumas das mentes mais brilhantes da engenharia de hardware a Lisboa para falar das coisas que estão a fazer e que não são ainda conhecidas. Só vamos ouvir falar delas daqui a dois, três, quatro anos. É por isso que estamos na vanguarda. Isto já acontece com o Web Summit, em que as pessoas falam de tudo o que se pode fazer ao nível do software; mas, até agora, ninguém tinha reunido a comunidade de hardware. Temos a oportunidade de colocar Lisboa no centro e de ser o sítio onde se fala de como se pode fazer evoluir o hardware. Estou muito feliz por isso.