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Consultative sales, ou a arte de reinventar uma organização a partir da sua força de vendas

Artigo de Opinião de Valério Farias Director, Global Black Belt Business Development, Logicalis Portugal.

Desde os primórdios da existência, que metade da humanidade tenta vender coisas á outra metade. Escusado será dizer que a raça humana se tornou relativamente proficiente na venda e passámos os últimos 120 anos a escrever, teorizar, filosofar, evangelizar e ensinar as equipas de sales na nobre arte de “como vender”.

Sem qualquer desprestígio para quem trabalha atrás de um balcão, todos concordarão que a abordagem direta, simples, pragmática e utilizada até á exaustão, de perguntar aos clientes o que pretendem ou “quais são as suas dores” não surte, aos dias de hoje, qualquer efeito. Não no paradigma atual. Já não existe espaço para o meramente transacional. Até porque o mundo mudou e tornou-se mais desafiador, moderno, cada vez mais competitivo e complexo.

Quem diria, por exemplo, que as empresas seriam hoje avaliadas não só pelo seu desempenho financeiro, tecnológico e capacidade de inovação, mas também pelo impacto ambiental e respetiva pegada de carbono?

Felizmente, nem tudo mudou. O ato de adquirir algo, seja uma casa, mota, um simples pastel de nata, solução, plataforma, etc, continua a ser algo emocional e a única diferença entre as pessoas com verdadeira capacidade de decisão nas organizações e os comuns mortais, é que os decisions makers justificam as suas razões por via da lógica e do planeamento estratégico.

Devido à necessidade de inovar, a forma transacional de negociar passou a ser preterida por uma abordagem mais consultiva, em que os account managers são reconhecidos mais como advisers do que vendedores.

Qual é o catch?

No final do dia, todos queremos gerar valor para as nossas organizações, para os nossos clientes e estreitar as nossas parcerias estratégicas, logo ao invés de se fazer push ou direcionar o nosso discurso para um determinado produto, feature ou serviço, o esforço e o foco estaria no sítio certo, nomeadamente:

1) Entender as reais motivações dos nossos interlocutores (o que pressupõe uma escuta verdadeiramente ativa e não meramente com o propósito de respondermos ou revidarmos);

2) Entender as principais dificuldades em materializar ou transformar esse(s) mesmo(s) motivo(s) em algo palpável;

3) Por último, perceber qual a melhor forma de dar corpo a essa motivação e endereçar esse mesmo desafio. Tem de ser algo concreto. E não, não é simplesmente inundarmos a “conta” com 15 roles diferentes que irá fazer a diferença.

A abordagem americanizada do “let’s touch & feel, if nothing else, then move to the next one” não permite ligações reais e duradoras, apenas satisfaz alguns objetivos singulares a curto-prazo. Existe um tempo e um espaço para isso, mas não existe grande valor acrescentado aí, na minha humilde opinião.

Nem sempre a soma das partes representará o todo, se for essa a única abordagem. Muitas organizações, para além de sofrerem de uma patologia grave e sistémica denominada “death by powerpoint” sofrem também de uma certa inércia, especialmente quando é pedido pelos shareholders para estenderem o seu core business e operações para outras áreas de atuação, sectores, segmentos ou verticais.

Primeiro, nada como substituir uma apresentação de 320 slides por breves reuniões, baseadas em conversas francas e com outputs simples. Start again from the basics. From scratch. Não há nada de errado nisso. “You’ve got to start with the customer experience and work backward for the technology.” – Steve Jobs

O catch, ou seja, para que isto aconteça, torna-se necessário fazer uma mudança de cultura, de discurso, avaliar a natureza das perguntas que tipicamente colocamos, o tipo de relação que temos (ou que queremos construir) com os nossos clientes ou prospects, o assessement correto do nível de informação de que dispomos e que precisamos de recolher, mas especialmente ouvir. Apenas ouvir. Trabalho de casa. Pesquisa. Muita pesquisa. E não perder tempo em excesso com tarefas administrativas. O outcome, terá de ser forçosa e garantidamente diferente.

Em segundo lugar, não devemos partir do pressuposto que os clientes têm uma noção clara sobre o seu negócio, sobre a posição que ocupam nas organizações e que existe uma visão clara e integrada de todos os seus projetos e tarefas realizadas diariamente. Não têm. Muitas vezes não existe uma visão umbrela. Muitos clientes não sabem qual a missão, propósito, visão ou estratégia, e muito provavelmente já se esqueceram da resposta a essas mesmas perguntas. As organizações crescem e é normal perder-se a noção e sentido de missão. O dinheiro continua a fluir e para muitos gestores e empresários é o que conta. E sim, acontece com mais frequência do que queremos acreditar ou aceitar. Nem todos os CEO tem uma visão de legado e de continuidade. O top management necessita de revisitar esta temática regularmente e recalibrar a cultura da organização sempre que existam ou se sintam desalinhamentos.

Podemos (e devemos) perguntar assertivamente:

  1. a) Quando foi a última vez que se realizou uma análise SWOT (ou uma review à ultima iteração)?
  2. b) Quais os resultados do follow up a essa análise?
  3. c) Se a organização almeja posicionar-se noutros quadrantes para além do que inicialmente é/era o seu core business?
  4. d) Quais os riscos? Quais os benefícios?

Em terceiro lugar, a consciência de que o objetivo primordial de todas estas mudanças e transformações, permitirá a qualquer organização:

  1. a) Relembrar o seu core e o que está a vender, ou seja, qual o valor acrescentado que propomos aos nossos clientes;
  2. b) Uma ginástica mental, disponibilidade, resiliência e uma capacidade de adaptação única a qualquer desafio, mudança de azimute, projeto ou até missão;
  3. c) E, por último lugar, permite que qualquer organização seja verdadeiramente customer-driven, até porque é a única abordagem que funciona.

Quando o foco deixa de estar na standardização do portfólio e oferta devidamente pacotizada, surgirão novas oportunidades e o tão desejado new business.

Escusado falar pela enésima vez sobre a Blockbuster e a Netflix. A ironia em volta da falência da Blockbuster gira em torno de uma liderança que possuía uma máquina muitíssimo bem oleada. Era tão bem gerida e tão eficiente que não processava informação relativa a novas trends e updates de negócio. O foco era tão somente executar.

Por último e em suma, uma última consideração sobre algo que, para muitas organizações, é ainda tabu. Tomando como pressuposto de que o tipo de venda consultiva não é a panaceia para um aumento exponencial nas vendas e na aceleração de processos de transformação nas organizações, o que acontece quando não existe experiência? Quando não se sabe como fazer? Existirão sempre resistências e hesitações, particularmente nos primeiros passos. O meu conselho é: Experimentar. Escolham meia dúzia de clientes, convidem-nos para um brunch e para um pequeno evento. Depois pergunte-lhes em traços gerais porque eles continuam a adquirir os vossos produtos ou soluções. Parece simples demais. E é. A informação e outputs de uma iniciativa desta natureza não tem preço. O trabalho mais importante em vendas não é “fazer o número”, mas antes descobrir o motivo. Nada é mais poderoso do que perceber o motivo pelo qual uma pessoa ou organização pretende adquirir algo.