Desde os primórdios da existência, que metade da humanidade tenta vender coisas á outra metade. Escusado será dizer que a raça humana se tornou relativamente proficiente na venda e passámos os últimos 120 anos a escrever, teorizar, filosofar, evangelizar e ensinar as equipas de sales na nobre arte de “como vender”.
Sem qualquer desprestígio para quem trabalha atrás de um balcão, todos concordarão que a abordagem direta, simples, pragmática e utilizada até á exaustão, de perguntar aos clientes o que pretendem ou “quais são as suas dores” não surte, aos dias de hoje, qualquer efeito. Não no paradigma atual. Já não existe espaço para o meramente transacional. Até porque o mundo mudou e tornou-se mais desafiador, moderno, cada vez mais competitivo e complexo.
Quem diria, por exemplo, que as empresas seriam hoje avaliadas não só pelo seu desempenho financeiro, tecnológico e capacidade de inovação, mas também pelo impacto ambiental e respetiva pegada de carbono?
Felizmente, nem tudo mudou. O ato de adquirir algo, seja uma casa, mota, um simples pastel de nata, solução, plataforma, etc, continua a ser algo emocional e a única diferença entre as pessoas com verdadeira capacidade de decisão nas organizações e os comuns mortais, é que os decisions makers justificam as suas razões por via da lógica e do planeamento estratégico.
Devido à necessidade de inovar, a forma transacional de negociar passou a ser preterida por uma abordagem mais consultiva, em que os account managers são reconhecidos mais como advisers do que vendedores.
Qual é o catch?
No final do dia, todos queremos gerar valor para as nossas organizações, para os nossos clientes e estreitar as nossas parcerias estratégicas, logo ao invés de se fazer push ou direcionar o nosso discurso para um determinado produto, feature ou serviço, o esforço e o foco estaria no sítio certo, nomeadamente:
1) Entender as reais motivações dos nossos interlocutores (o que pressupõe uma escuta verdadeiramente ativa e não meramente com o propósito de respondermos ou revidarmos);
2) Entender as principais dificuldades em materializar ou transformar esse(s) mesmo(s) motivo(s) em algo palpável;
3) Por último, perceber qual a melhor forma de dar corpo a essa motivação e endereçar esse mesmo desafio. Tem de ser algo concreto. E não, não é simplesmente inundarmos a “conta” com 15 roles diferentes que irá fazer a diferença.
A abordagem americanizada do “let’s touch & feel, if nothing else, then move to the next one” não permite ligações reais e duradoras, apenas satisfaz alguns objetivos singulares a curto-prazo. Existe um tempo e um espaço para isso, mas não existe grande valor acrescentado aí, na minha humilde opinião.
Nem sempre a soma das partes representará o todo, se for essa a única abordagem. Muitas organizações, para além de sofrerem de uma patologia grave e sistémica denominada “death by powerpoint” sofrem também de uma certa inércia, especialmente quando é pedido pelos shareholders para estenderem o seu core business e operações para outras áreas de atuação, sectores, segmentos ou verticais.
Primeiro, nada como substituir uma apresentação de 320 slides por breves reuniões, baseadas em conversas francas e com outputs simples. Start again from the basics. From scratch. Não há nada de errado nisso. “You’ve got to start with the customer experience and work backward for the technology.” – Steve Jobs
O catch, ou seja, para que isto aconteça, torna-se necessário fazer uma mudança de cultura, de discurso, avaliar a natureza das perguntas que tipicamente colocamos, o tipo de relação que temos (ou que queremos construir) com os nossos clientes ou prospects, o assessement correto do nível de informação de que dispomos e que precisamos de recolher, mas especialmente ouvir. Apenas ouvir. Trabalho de casa. Pesquisa. Muita pesquisa. E não perder tempo em excesso com tarefas administrativas. O outcome, terá de ser forçosa e garantidamente diferente.
Em segundo lugar, não devemos partir do pressuposto que os clientes têm uma noção clara sobre o seu negócio, sobre a posição que ocupam nas organizações e que existe uma visão clara e integrada de todos os seus projetos e tarefas realizadas diariamente. Não têm. Muitas vezes não existe uma visão umbrela. Muitos clientes não sabem qual a missão, propósito, visão ou estratégia, e muito provavelmente já se esqueceram da resposta a essas mesmas perguntas. As organizações crescem e é normal perder-se a noção e sentido de missão. O dinheiro continua a fluir e para muitos gestores e empresários é o que conta. E sim, acontece com mais frequência do que queremos acreditar ou aceitar. Nem todos os CEO tem uma visão de legado e de continuidade. O top management necessita de revisitar esta temática regularmente e recalibrar a cultura da organização sempre que existam ou se sintam desalinhamentos.
Podemos (e devemos) perguntar assertivamente:
- a) Quando foi a última vez que se realizou uma análise SWOT (ou uma review à ultima iteração)?
- b) Quais os resultados do follow up a essa análise?
- c) Se a organização almeja posicionar-se noutros quadrantes para além do que inicialmente é/era o seu core business?
- d) Quais os riscos? Quais os benefícios?
Em terceiro lugar, a consciência de que o objetivo primordial de todas estas mudanças e transformações, permitirá a qualquer organização:
- a) Relembrar o seu core e o que está a vender, ou seja, qual o valor acrescentado que propomos aos nossos clientes;
- b) Uma ginástica mental, disponibilidade, resiliência e uma capacidade de adaptação única a qualquer desafio, mudança de azimute, projeto ou até missão;
- c) E, por último lugar, permite que qualquer organização seja verdadeiramente customer-driven, até porque é a única abordagem que funciona.
Quando o foco deixa de estar na standardização do portfólio e oferta devidamente pacotizada, surgirão novas oportunidades e o tão desejado new business.
Escusado falar pela enésima vez sobre a Blockbuster e a Netflix. A ironia em volta da falência da Blockbuster gira em torno de uma liderança que possuía uma máquina muitíssimo bem oleada. Era tão bem gerida e tão eficiente que não processava informação relativa a novas trends e updates de negócio. O foco era tão somente executar.
Por último e em suma, uma última consideração sobre algo que, para muitas organizações, é ainda tabu. Tomando como pressuposto de que o tipo de venda consultiva não é a panaceia para um aumento exponencial nas vendas e na aceleração de processos de transformação nas organizações, o que acontece quando não existe experiência? Quando não se sabe como fazer? Existirão sempre resistências e hesitações, particularmente nos primeiros passos. O meu conselho é: Experimentar. Escolham meia dúzia de clientes, convidem-nos para um brunch e para um pequeno evento. Depois pergunte-lhes em traços gerais porque eles continuam a adquirir os vossos produtos ou soluções. Parece simples demais. E é. A informação e outputs de uma iniciativa desta natureza não tem preço. O trabalho mais importante em vendas não é “fazer o número”, mas antes descobrir o motivo. Nada é mais poderoso do que perceber o motivo pelo qual uma pessoa ou organização pretende adquirir algo.