Desde Maio à frente da Salesforce em Portugal, Fernando Braz admite que o mercado nacional, pela sua dimensão, tem alguns condicionantes. Mas não é por isso que não haja ambição. O gestor quer contribuir para a criação de emprego e riqueza e quer que a casa portuguesa se distinga no mercado europeu.
Recentemente integrou cargos de liderança no SAS e na Oracle. O que o fez aceitar o desafio de liderar as operações da Salesforce em Portugal?
Saí do SAS única e exclusivamente porque a proposta da Oracle previa uma carreira internacional, além de que era uma casa que eu já conhecia. Sinceramente, pensei que até poderia terminar lá o meu percurso profissional. Adorei a experiência de trabalhar com diferentes pessoas, de diferentes culturas um pouco por toda a Europa. Estava no meu cantinho quando a Salesforce me desafiou. Houve “namoro”, explicaram-me o projecto, o que pretendiam fazer e demonstrei interesse. É claro que o contexto de pandemia veio aqui baralhar um pouco as coisas, mas não mudei de opinião. Gosto da mensagem, identifico-me muito com pilares e extraordinária cultura empresarial da empresa, que é muito parecida com a do SAS, onde fui muito feliz, com um foco extraordinário nas pessoas, quer colaboradores, quer clientes. Isso é único porque se sente, não é um chavão do mundo empresarial. Aqui pratica-se o que se diz. E eu identifico-me com essas cultuas onde as pessoas e a genuína satisfação do cliente estão em primeiro lugar. Isto foi algo que me fez aceitar o desafio.
Que metas lhe foram pedidas para Portugal?
Não me foram pedidos números, já tínhamos vários clientes em Portugal, a operação já rolava através de apoio à distância, com colegas a viajar. Naturalmente pretendem um crescimento muito maior, dado que a operação passa a estar local, mas essas metas são definidas à posteriori. Quando abraçamos um desafio como este, fazemo-lo porque acreditamos no projecto, nunca por uma questão de números. Não é assim que funciona. O ano fiscal começa a 1 de Fevereiro e eu juntei-me a 1 de Maio, era impossível saber quais os números a atingir. Ainda hoje não sei, imagino que mais um par de meses e já os tenha.
Mas o contexto de pandemia também veio aqui trazer uma nova realidade…
Sim, na verdade não sabemos. Acho que vai ficar em aberto, creio que nenhuma empresa tecnológica vai ter objectivos inferiores ao que tinha antes da pandemia. Mas claro que queremos crescer e para isso necessitamos de objectivos ambiciosos.
Mundialmente, a marca Salesforce é muito reconhecida, mas em Portugal não tinha representação directa. Qual o feedback que estão a ter do mercado?
Fiquei – e ainda estou – muito surpreendido, a marca é fortíssima. Muito mais forte que eu imaginava. Desde o dia em que integrei a equipa, a quantidade de pessoas que me contacta a nível quer de parceiros, colegas de profissão e clientes é enorme. Fiquei impressionado e a empresa é conhecida pela quantidade de coisas que faz bem. Isto para além de ter um foco muito grande na igualdade. Temos categorias e todas as pessoas sabem quanto ganham. E toda a gente que esteja em determinada categoria é paga de igual maneira, independentemente do sexo, da raça, do que for. Isso é louvável e passa uma mensagem muito forte. Depois, fomos um exemplo de algo que já muitas empresas agora fazem: o 3×1. Ou seja, damos 1% do nosso tempo anual a ajudar o próximo, 1% do nosso capital a instituições e 1% do software é oferecido a instituições sem fins lucrativos. A nível empresarial, a empresa tem, através do software, a satisfação genuína do cliente.
Como conseguem garantir essa satisfação?
Na Salesforce somos medidos após a venda, algo que nem sempre acontece. Ou seja, sou medido pela venda, mas se o meu cliente comprar algo e não estiver a usar, é minha obrigação – pelo menos enquanto líder da organização – convencer o cliente ou a usar ou a prescindir dele. Não queremos fazer vendas que depois não tenham sucesso. Não queremos que um cliente diga que comprou um software mas que nunca o usou. O que acaba por ter um impacto muito forte porque os clientes não estão habituados.
Quais as grandes lacunas do mercado nacional, no vosso entender?
Não vemos grandes lacunas, a não ser a dimensão, mas isso é uma característica. Qualquer empresa, sobretudo as de software empresarial, tem sempre um foco muito forte nos grandes clientes. A Salesforce tem a sua actividade muito bem distribuída. Tanto nos focamos num cliente pequeno, como num de grande dimensão – a empresa divide o seu segmento de mercado pelo tamanho das empresas. Portugal tem a dimensão que tem, pelo que por vezes é difícil fazer mais, um país onde todas as empresas fazem uma análise muitíssimo detalhada sobre o investimento que vai fazer, sobre o seu retorno. Ou seja, não sentimos qualquer dificuldade a não ser a normal a qualquer negócio.
Quais as indústrias que vão merecer mais atenção de vossa parte?
Queremos avançar fortemente na área de banca e seguros. Uma área onde a Salesforce, a nível mundial, e líder destacado e já aqui ao lado, em Espanha, tens uma quota de mercado invejável. Outra área é a do retalho, onde aliás já estamos presentes com o cliente Modelo Continente. Mas depois há muitas outras áreas, como o sector público, uma aposta que deverá ser a dois anos.
Hoje, o que tem vindo a ser mais valorizado? O ROI? O impacto no negócio?
As nossas ferramentas são totalmente orientadas ao cliente. São ferramentas tecnológicas mas não é algo que se coloque no datacenter e que depois nem sequer sabemos que o estamos a usar ou qual o seu fornecedor ou prestador de serviços.
Aqui, na maioria das nossas soluções, quem as usa sabe que está a usar Salesforce e, por isso, há uma clara noção do impacto, desde um melhor relacionamento com o cliente porque melhor interagimos com ele, porque conseguimos personalizar as suas vendas… basicamente é um conjunto de questões tecnológicas que a nossa ferramenta consegue facultar e que aumenta a relação de proximidade com o cliente.
Ao nível do cliente que a adquire, há igualmente uma visão de 360 graus sobre o negócio que permite aos gestores percepcionar coisas que antes estavam espalhados por silos. É muito poderoso.
O investimento em Portugal foi basicamente em recursos humanos, certo? Qual a previsão de crescimento?
Vai estar associado à capacidade de os mercados nos aceitar e do nosso crescimento. O ano passado, a Europa cresceu 47%. O mercado português também tem crescido bastante, ano após ano, o que deverá manter-se este ano. À medida que crescemos em termos de negócio, vamos crescendo em número de pessoas. Mas espero contribuir para a geração muito emprego e contribuir para geração de muito negócio. Repare: tudo isto vai gerar mais oportunidades para os nossos parceiros, que são um pilar importantíssimo na estratégia de crescimento. Ao terem mais negócio, também eles vão sentir necessidade de contratar mais pessoas. O mercado Salesforce vai gerar muito emprego, directa e indirectamente.
Qual o universo de parceiros?
Hoje temos cerca de oitocentos certificações individuais em Salesforce. Daqui a um ano podemos duplicar, vai depender de muita coisa. Mas muitos desses parceiros já hoje têm muitos colaboradores que não trabalham só para Portugal. Mas cujos colaboradores e geração de empresa foi com base em pessoas portuguesas. Para nós isso é fantástico e vai ser muito bom sabermos que criamos emprego de forma sustentada.
É a primeira vez que está a criar uma ‘casa’ de raiz?
Sim e foi um dos factores que me motivou muitíssimo, é uma experiência fantástica, com as vantagens de ser uma multinacional e já ter os processos pré-definidos. Mas poder criar uma equipa e colocar a empresa a funcionar e ser o responsável em termos de transmissão de cultura, princípios, como temos de trabalhar o mercado, como temos de crescer… foi algo que naturalmente, para mim que sou um gestor, me motivou. Aliás, sinceramente, o que mais me motivou foi a marca, a cultura, as pessoas e este desafio de poder fazer setup desde o início.
Comparado com Espanha, dentro das suas diferenças, como está a realidade de Portugal?
Sou ambicioso e por isso quanto mais quota de mercado conseguir conquistar, melhor. Mas a economia é o que é, não há milagres. Posso ter um ou dois anos de crescimentos estonteantes e conseguir reduzir essa quota face a Espanha, mas depois quando entrarmos em velocidade de cruzeiro há que ter a noção de que eles são maiores do que nós cinco vezes. Mas quero que Portugal apareça nos números europeus.