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Os desafios da facturação electrónica nos contratos públicos

O decreto-lei 123/2018, de 28 de Dezembro, veio dar mais tempo para as empresas adoptarem a facturação electrónica em negócios com clientes públicos. Até ao final do ano, todas têm de estar preparadas para este novo sistema.

Desde 2014 que a factura electrónica está consagrada numa directiva europeia. Aliás, uma directiva que Portugal deveria ter adoptado em 2019, altura em que todas as empresas fornecedoras de produtos ou serviços às entidades públicas portuguesas teriam que obrigatoriamente utilizar um modelo de facturação electrónica. Mas tal não aconteceu, com o prazo a ser prorrogado.

O decreto-lei 123/2018, de 28 de Dezembro, deu um período adicional de um ano para as grandes empresas e quase dois anos para que as PME adoptem a facturação electrónica com os seus clientes públicos. Basicamente, este decreto-lei veio estabelecer uma adopção gradual da facturação electrónica, de modo a que os vários intervenientes possam garantir a gestão da mudança necessária à implementação efectiva deste processo.

Mas as datas aproximam-se rapidamente. Sérgio Aguiar, da Ábaco Consulting, ajudou a businessIT a resumir os prazos: neste momento, as entidades do Estado já têm de ser capazes de receber facturas electrónicas. Por outro lado, todas as empresas que não sejam qualificadas dentro do perfil PME têm de ter este modelo estruturado a partir de 18 de Abril para a contratação pública. As restantes empresas, sejam PME ou microempresas, na sua “comunicação” com o Estado têm de garantir a factura electrónica a partir de Janeiro de 2021.

Medida Positiva
O mercado defende que esta é uma medida positiva e um sinal de “esperança” para Portugal recuperar algum do tempo perdido e construir o modelo certo para a factura electrónica na administração pública – o governo delegou na ESPAP (Entidade de Serviços Partilhados da Administração Pública) a coordenação da implementação da facturação electrónica nas entidades públicas, ficando a mesma com a incumbência da definição dos requisitos técnicos e funcionais da respectiva implementação.

O objectivo, apregoam os especialistas, é que este modelo sirva os interesses do Estado, mas também das empresas com as quais o Estado trabalha. Ou seja, «um modelo que defina soluções com custos controlados para os organismos públicos e que permita aos fornecedores a escolha mais eficiente para se ligarem à Administração Pública», disse Miguel Zegre, membro do comité executivo da EESPA – European E-invoicing Service Providers Association, de resto nosso entrevistado nesta edição.

«O envio da factura electrónica pressupõe a entrega, em todos os organismos da Administração Pública portuguesa, da informação da factura, no formato estruturado definido pela União Europeia e adoptado por Portugal (CIUS-PT), de forma obrigatória já a partir de 2020. Esta alteração vai ter um impacto importante ao nível da relação comercial que as empresas têm com a Administração Pública. As empresas e o próprio Estado vão ter de preparar os seus sistemas e os seus colaboradores para esta nova realidade».

Mais que um PDF
A adopção da factura electrónica pelo Estado português não implica uma “uniformização” do software, uma vez que o que a lei define é um formato de dados estruturados puramente digital – onde, convém salientar, não se inclui o PDF. Ou seja, todos os organismos da Administração Pública serão obrigados a receber a factura no novo formato Europeu, adaptado para Portugal pela ESPAP através da norma técnica CIUS-PT. Os fornecedores devem, depois, escolher de que forma vão construir esse formato e qual a rede que vão usar para fazer chegar esses dados aos seus clientes da Administração Pública.

Desde 2012 que a Ábaco lida com processos de factura electrónica, apesar de não estruturada, ou seja, o vulgarmente apelidado de PDF assinado digitalmente. «Se eu enviar uma factura em PDF para um cliente, se esta não for assinada digitalmente não tem valor para as finanças, que assim podem recusar fazer o abatimento do IVA». Na altura, o objectivo era, por um lado, diminuir o tempo gasto em todo o processo, ou seja ir ao sistema, imprimir a factura, envelopá-la, ir ao correio, muitas vezes ter de fazer o registo dessa factura e enviá-la ao cliente… «Esse era o primeiro objectivo que, aliás, continua a vigorar», explicou Sérgio Aguiar.

Mas o modelo B2G (Business to Government) não vai apenas ter impacto na relação entre o Estado e as empresas. Mesmo no B2B esta alteração vai ser aproveitada para transformar um pouco o processo actual. É que ao enviar a factura estruturada para o Governo, muito provavelmente as empresas vão aproveitar para “sistematizar”, por via electrónica, o envio de facturas aos seus clientes, o que hoje ainda não acontece. No entanto, nestes casos, no B2B, o PDF ainda vai continuar a ser o rei e senhor, «porque a realidade é que os clientes não estão ainda preparados para receber a informação por EDI». Ou seja por Electronic Data Interchange, um sistema de migração de documentos em papel para o formato eletrónico.

Investimento com retorno garantido
Mas vamos ao que mais interessa às empresas: que investimento têm de fazer para estarem habilitadas a lidar com o Estado? Como Sérgio Aguiar diz, isso ainda implica algum investimento. Não só na actualização do software e provavelmente uma customização do ERP, mas também na contratação de serviços de uma entidade habilitada a garantir a fiabilidade dos dados transmitidos, como é o caso da Generix ou da Saphety, apenas para dar dois exemplos. O processo é mais ou menos este: o ERP dá ordem de impressão para um EDI, que depois vai para um dessas empresas “certificadoras”. Este fornecedor de serviços carimba digitalmente a factura e envia para o cliente final, recebe a confirmação da recepção e envia para os sistemas de origem a garantir que factura foi entregue. De que investimento estamos a falar? Isso já seria muito complicado dizer já que cada NIF tem de ter um selo. Ou seja, a entidade que é certificada é o NIF, não o grupo, por isso se um grupo tiver com cinquenta empresas, são cinquenta certificados com os devidos custo. Além disso, estas entidades cobram à factura, «um fee anual que será tanto maior quanto o número de facturas emitidas», esclareceu Sérgio Aguiar.

No entanto, o retorno do investimento, segundo este profissional, está garantido. «Essas facturas ficam armazenadas digitalmente durante dez anos no fornecedor de serviços. O cliente poupa em trabalho de arquivo. Além do mais, neste projecto, o ROI é grande. Se pensarmos no tempo que um recurso humano demora a imprimir cartas, a envelopar, mais o custo do papel, da impressão, de correio, o registo da carta, arquivar… há uma poupança muito grande».

Resta agora saber se as empresas estão habilitadas a cumprir os (novos) prazos estabelecidos. Mas pelos artigos de opinião e reportagens que consultámos, só mais perto das reais datas limites é que as empresas se irão dedicar ao tema.