Reportagem

Operadores de telecomunicações criticam Anacom no congresso da APDC

A Associação Portuguesa para o Desenvolvimento das Comunicações (APDC) realizou a 29ª edição do seu congresso anual. O Digital Business Congress ficou marcado pelas críticas da Altice, Nos e Vodafone ao regulador, por falta de espectro de 5G, e pelo anúncio do Governo sobre a criação de um plano estratégico para a quinta geração de comunicações móveis.

O congresso da APDC é sempre uma das “arenas” em que a Anacom (a Autoridade Nacional de Comunicações) e os principais players do mercado de telecomunicações nacional trocam acusações.

Este ano, tal como nas edições passadas do congresso, o debate mais aguardado foi o do Estado da Nação das Comunicações, que reuniu os CEO da Altice, Nos e Vodafone. A diferença é que, desta vez, o regulador não participou – João Cadete de Matos, presidente da Anacom, apenas interviu na sessão de abertura. Durante essa cerimónia, o responsável disse que, em Portugal, «não existe qualquer atraso nos trabalhos preparatórios conducentes à atribuição das licenças necessárias para o 5G». O presidente do regulador explicou ainda que enquanto «alguns países apenas têm vindo a proceder a atribuições parciais do espectro relevante para o 5G», o leilão da Anacom vai ser «mais abrangente», já incluirá as faixas dos 700 MHz e dos 3,6 GHz.

Além disso, João Cadete de Matos disse que a Anacom optou por um leilão por considerar tratar-se de um processo «potencialmente mais transparente e objectivo para todos os interessados» já que assim cada operador pode «adquirir a quantidade de espectro de que, efectivamente, precisa».

Críticas aos operadores
João Cadete de Matos fez algumas reprimendas aos operadores, recordando o que disseram no congresso do ano passado em que defenderam «que ainda necessitavam de recuperar o investimento feito nas redes 4G, cujas potencialidades estavam longe de estar esgotadas, antes de avançar para o investimento nas redes 5G». As críticas à Altice foram mais duras, já que o presidente da Anacom acusou operador responsável pela transmissão da Televisão Digital Terrestre (TDT) de querer «adiar a libertação do espectro na faixa dos 700 MHz», actualmente ocupada pela TDT e que deverá ser migrada, para que seja ocupada pelo 5G.

O responsável concluiu, insistindo na ideia do «roaming nacional» que tanto desagradou aos operadores no congresso de 2018 e afirmando que continuará a dar «prioridade à protecção dos consumidores e dos utilizadores» das comunicações em Portugal.

Plano estratégico 5G para breve
Alberto Souto de Miranda, secretário de estado adjunto e das comunicações, fez uma keynote que antecedeu o debate dos operadores. O representante do Governo esclareceu que 2020 será um «ano charneira» das comunicações e referiu-se «ao elefante na sala, o 5G». Souto de Miranda revelou que o Governo irá aprovar, em breve, um «plano estratégico para o 5G» e reconheceu que «há atraso nos procedimentos, mas que não há ainda um atraso substantivo». O secretário de estado salientou ainda que a quinta geração móvel é «um instrumento de desenvolvimento e competitividade da economia, de coesão social e territorial e de melhoria do modo de vida» e que espera que «não acentue as assimetrias regionais, mas antes que contribua para as combater». É por isso que as obrigações que o Governo vai impor para a cobertura serão «selectivas, sectoriais e faseadas, por etapas, até 2026». Souto de Miranda frisou que «o interior do País não será renegado para as calendas».

Sobre o valor do leilão, o governante foi claro: «Será inferior aos seis mil milhões da Alemanha e será superior ao que vocês gostariam», dirigindo-se aos operadores presentes. «O interesse público do País não é o de ter um 5G coxo, certamente, mas também não é o de ter o 5G reservado apenas a quem está. Pode haver outros interessados, com outros modelos de presença, não necessariamente um quarto full MNO (mobile network operator)», deixando abertura para a entrada de novos players.

A guerra dos preços
O governante referiu que o próximo ano será a altura em que «os preços, a cobertura e a qualidade do serviço vão estar na berlinda» e falou dos recentes estudos lançados pela Apritel e pela Anacom: «A disparidade entre as estatísticas é tão manifesta, que só pode decorrer de estarem a olhar para serviços e realidades diferentes. Seria bom que, com os mesmos critérios, a bem da reputação da matemática como ciência exacta, que chegassem aos mesmos resultados».

O secretário de estado defendeu os operadores dizendo que Portugal tem ofertas de «muita qualidade, das melhores da Europa» e que não sente que haja um «clamor contra o nível dos preços», mas também defendeu os consumidores: «Cada um só deve pagar aquilo de que, efectivamente, precisa».

Um 5G “coxo”
No debate do Estado da Nação das Comunicações, o denominador comum foi a crítica dos operadores à regulação do sector que acusam de falta de «visão estratégica» em relação ao 5G. Miguel Almeida da Nos, disse que a questão do «timing não é a mais revelante e que o que deve ser explorado é a importância estratégica do 5G para o país». Além disso, «é preciso assegurar que os operadores vão ter as quantidades mínimas de espectro» – as recomendações são entre 80 a 100 Mhz por operador, para garantir que «o 5G não sai coxo».

O responsável acrescentou que a nova geração da rede móvel «é demasiado importante para ser deixada nas mãos do regulador». Em causa está a possível falta de espectro em virtude da entrega de frequências à Dense Air que nunca teve «colaboradores, receitas e serviço em Portugal».

Mário Vaz, CEO da Vodafone, salientou que a empresa «pediu à Anacom para actuar de acordo com a lei» neste caso, já que há «prazos para estabelecer os serviços» e que visto que tal não aconteceu, colocou uma acção em tribunal.

Já o CEO da Altice, Alexandre Fonseca, esclareceu que hoje em «Lisboa e Porto há 260 Mhz de espectro» e que caso se mantenham só os três operadores, «haverá na melhor das hipóteses uma faixa de 100 e duas de 80 Mhz, que serão limitativas». O responsável explicou ainda que a sua preocupação «é que o espectro seja atribuído de forma transparente, equilibrada e justa».

Regulador não regula
Alexandre Fonseca foi de todos o mais crítico em relação à Anacom: «Temos um responsável da regulação que não regula. Estamos a falar de um regulador que ocupa o seu tempo a denegrir o sector». O CEO acusou ainda o presidente do regulador de ser «autista».

Mas não foi apenas a dona do Meo a demonstrar o seu desagrado – Nos e Vodafone estiveram em sintonia e todos foram unânimes em criticar as conclusões do regulador sobre os elevados preços das telecomunicações em Portugal. Miguel Almeida, CEO da Nos, disse mesmo os dados mostram «mais consumo, mais clientes, menos receitas e que qualquer criança da primeira classe sabe que isso quer dizer que os preços baixaram».

O responsável referiu ainda que o problema é que a Anacom «usou dados do Eurostat, como se não tivesse dados sobre os preços das comunicações em Portugal» e que «vão condicionar as decisões do leilão, com base nestas mentiras», referindo-se ao leilão do 5G.