Entrevista

«Queremos ser a principal ferramenta financeira das pessoas»

A entrevista a Ricardo Macieira, country manager da Revolut em Portugal.

Não havia qualquer equipa ou representante em Portugal e já a fintech britânica Revolut tinha uma base instalada de utilizadores nacionais que chegava aos 100 mil. Desde Junho no cargo de country manager, Ricardo Macieira, numa das suas primeiras entrevistas, conta à businessIT quais os planos da empresa em Portugal.

Nasceram em 2015 e, em quatro anos, têm mais de 7 milhões de clientes na Europa, tendo captado 340 milhões de euros de financiamento. As receitas em 2018 foram de 65,5 milhões de euros e para 2019 o objectivo é triplicar este valor. Têm clientes em lista de espera, sendo 120 mil dos EUA. Em Portugal, já existem mais de 300 mil utilizadores da Revolut, um número que com certeza já estará desactualizado quando esta entrevista for publicada… Qual a razão para Portugal ter aderido de forma tão rápida à Revolut?

Portugal é um verdadeiro caso de estudo. Estamos a ganhar cerca de mil utilizadores por dia, o que é extraordinário. Em Espanha, por exemplo, temos 350 mil utilizadores, apesar de ser um mercado cinco vezes maior do que o nosso. O português está super aberto à utilização de novas tecnologias, tem disponibilidade para testar, quer aprender, para além de que é vaidoso, quer mostrar que é diferente. Depois, há um sentido muito grande de partilha entre a comunidade. Em Portugal, temos uma situação única com a Revolut que é um grupo de Facebook, o Revolut Portugal, que apareceu sem qualquer intervenção nossa, sem haver sequer estrutura no país e que tem já 15 mil membros, que vão partilhando as suas experiências, boas e más. Para nós é excelente porque aí temos feedback do produto e vamos introduzindo novas funcionalidades para ir de encontro aos que os utilizadores querem. A opção de negociar em bolsa foi uma delas.

Em Setembro anunciaram um investimento em Portugal com a abertura de um centro de suporte operacional em Matosinhos. Como conseguiram trazer esse investimento para aqui?

Estávamos à procura de um espaço e uma das pessoas de Londres estava de férias em Portugal, durante três semanas. Andou por várias cidades, passou por Matosinhos e adorou. Portugal está muito bem posicionado no que diz respeito às tecnológicas e, por isso, vemos cada vez mais empresas a quererem instalar-se cá. Temos talento disponível para ser contratado para além de uma qualidade de vida acima da média. Entre ir para Dublin, que tem um clima complicado e vir para Portugal e trabalhar junto à praia… São pequenos pormenores que podem fazer toda a diferença.

Hoje quantas pessoas aqui trabalham e qual o objectivo?

Neste momento, cerca de 70, com o objectivo de trazer valências muito específicas que permitirão fazer o apoio global à nossa expansão. Estamos à procura de pessoas de línguas que vão desde o japonês ao lituano. O objectivo é que este seja um dos principais centros de desenvolvimento dentro da Revolut e que nos permita escalar para outros mercados.

Qual é o objectivo neste momento para Portugal? É mais interessante o número de utilizadores ou o montante transaccionado?

Neste momento estamos numa fase de crescimento, o que queremos é trazer utilizadores para experimentarem o produto. A Revolut sempre foi muito conotada como um cartão de viagem, tendo nascido porque os fundadores, que trabalhavam na banca de investimento, ao fazerem uma viagem pelo sudoeste asiático e ao verem o quanto gastaram com câmbios perceberam que havia ali uma oportunidade de negócio. O produto acabou por ser criado cobrando basicamente a taxa interbancária de câmbio. Depois, começamos a perceber que havia outras necessidades e resolvemos democratizar o acesso a aplicações financeiras. Porque se reparar, há uns anos, se quiséssemos entrar no mundo das criptomoedas, por exemplo, era necessário passar por um processo complicado. A Revolut simplificou de tal forma que hoje qualquer pessoa pode fazer um carregamento com cinco euros e comprar fracções de bitcoin e a qualquer altura reverter o dinheiro. No trading, a mesma coisa, o objectivo é sempre simplificar ao máximo e dar transparência à vida financeira dos utilizadores. Queremos um produto intuitivo, que seja de fácil compreensão, transparente e seguro.

Sentem que se estão a tornar cada vez mais no principal produto bancário dos utilizadores, nomeadamente com a domiciliação de vencimentos? Já são mais do que um cartão de viagem?

É esse o nosso objectivo. Queremos ser a principal ferramenta financeira das pessoas.

Mas em Portugal não têm o entrave de não pertencerem à rede Multibanco? Há muitas coisas que as pessoas não podem fazer, como pagamentos nas lojas que apenas têm contrato com esta rede, ou pagamentos de serviços.

O nosso desafio é adaptar o produto à realidade local e estamos a trabalhar nesse sentido. Queremos melhorar para que seja cada vez mais fácil usá-lo. Queremos que as pessoas o experimentem, que vejam como é simples e que o passem cada vez mais a usar como principal ferramenta. Estamos a trabalhar nesse sentido, não é um processo simples, mas temos uma grande abertura por parte da SIBS para o fazermos. É uma questão de pôr as coisas a andar.

Que “estatuto” têm em Portugal? Têm licença bancária na Polónia, certo?

Em Portugal somos uma Electronic Money Institution [Instituição de Dinheiro Electrónico]. Temos realmente uma licença bancária europeia mas neste momento não a estamos a usar, por isso para todos os efeitos somos uma entidade de e-money.

Então qual é o plano com a licença bancária?

O plano é testar o que vai ser o futuro da Revolut. O objectivo futuro é o ser o primeiro banco verdadeiramente global. Porque hoje, se tivermos uma conta no Banco do Brasil, em São Paulo, não quer dizer que tenhamos uma conta aberta no Banco do Brasil em Portugal. A Revolut quer ser efectivamente global independentemente da zona geográfica onde o utilizador estiver, com os mesmos serviços, as mesmas funcionalidades…. É para isso que estamos a trabalhar, apesar de não haver uma timeline definida para que isso aconteça.

A Revolut vai disponibilizar crédito?

Espero que sim, faz parte do processo e é algo que está a ser desenvolvido.

Mas isso não vos aproxima da banca tradicional?

Ser tradicional não é oferecer os serviços que a banca oferece, é a forma como são oferecidos e quem vai beneficiar com a chegada de entidades como a nossa são os utilizadores finais. Chegámos com uma oferta diferenciada e isso acaba por “puxar” a concorrência. Aliás, tiro o chapéu ao que a banca está a fazer porque é extremamente complicado, estamos a falar de entidades, algumas centenárias, com processos desenhados de raiz para uma realidade diferente, com estruturas de custos muito distintas. O trabalho que a banca está a fazer para se adaptar é super exigente. Nós nascemos na nuvem, os processos digitais já foram assim desenhados pelo que conseguimos ser mais ágeis e flexíveis. De resto, quando mais os nossos concorrentes evoluírem mais os nossos utilizadores irão beneficiar.

Mas voltemos ao Multibanco. Se têm números tão interessantes cá e ainda não estão ligados a esta rede doméstica, esperam um aumento considerável quando conseguirem ter também este contrato?

Sim, mas eu acho que a questão da virilidade é muito interessante porque também à medida que cada vez mais pessoas usam, também os comerciantes provavelmente vão vendo a necessidade de aderir a outras redes como Visa ou Mastercard. Por isso, acredito que vai haver uma convergência. Até porque não sei se estas redes domésticas no futuro farão sentido já que 10% do nosso PIB já vem do turismo.

Em Portugal quais são os grandes desafios?

Manter o rácio de crescimento, que é super acelerado. Desde o início do ano que estamos a crescer 150%, em Janeiro tínhamos cerca de 90 mil utilizadores já estamos com 280 mil. Não havia aqui equipa e o crescimento era quase orgânico. Agora é perceber como é que nós aqui, localmente, conseguimos acelerar ainda mais este crescimento para também mostrar que estamos a fazer um bom trabalho. Depois, é cada vez mais tornar o produto local, receber o feedback dos utilizadores e passá-lo às nossas equipas de Londres. Porque há funcionalidades que podem fazer muito sentido em Portugal mas a um utilizador espanhol, não.

Como gostava de ser definido pelos analistas?

Gostava que a Revolut em Portugal fosse definida como um caso de estudo global de sucesso.