No final do ano passado, a Amazon Web Services (AWS) anunciava a abertura de um escritório em Lisboa. Miguel Alava, responsável pelo Sul da Europa da empresa norte-americana deu a sua primeira entrevista a um órgão de comunicação social português e explicou o que espera do mercado nacional e a obsessão da empresa pelo cliente.
Anunciaram a entrada em Portugal no final do ano passado. Mas a Amazon Web Services já tinha negócio no País através de parceiros. O que mudou com este anúncio?
Para lhe fazer o enquadramento, desde o momento em que a Amazon Web Services lançou os seus serviços no mercado – em Março de 2006, após ter acumulado saber-fazer no que diz respeito a uma gestão de infra-estrutura tecnológica a escala massiva – que qualquer pessoa pode subscrever os nossos serviços.
Ou seja, ir à página Web e começar a utilizá-los, pelo que desde sempre os clientes portugueses tinham acesso a serviços. Depois, começámos, efectivamente, a ter parceiros. A mudança é que, agora, decidimos ter uma base permanente em Lisboa, com um escritório, gestores de contas, gestores de parcerias, equipas de apoio…
Mas qual foi a razão que vos levou a investir em Portugal?
Os clientes pediram-no. E nós queremos ser a empresa mais obcecada do mundo pelo cliente. Porque, até aqui, os clientes nem se importavam muito que viessem pessoas de Madrid, do Luxemburgo… mas agora começam a dizer-nos que já tinham muita infra-estrutura e tecnologia na AWS e queriam ter conhecimento, ajuda e guia local.
Este pedido, por parte dos clientes, foi fundamental. Mas claro que continuamos a trabalhar com os nossos parceiros locais, como a Magic Beans ou a BI4All, com a Rumos na área da formação ou com parceiros tecnológicos, como a WeDo Consulting, e mesmo com consultoras globais, como a Accenture, a Deloitte… o que mudou é que há mais apoio local, agora realmente perto do cliente, pois o objectivo é trazer o centro de decisão o mais perto do cliente quanto nos for possível.
Vão fazer negócio directamente com o cliente ou sempre através de parceiros?
O negócio pode ser feito por três vias. Primeiro, temos o já referido self service, no qual as pessoas vão à página Web e começam a usar os nossos serviços. Neste caso, não é necessário qualquer tipo de intermediário.
Outra coisa é fazer com que a infra-estrutura da Amazon Web Services faça parte de uma solução maior da empresa e na qual um partner, seja integrador de sistemas ou parceiro tecnológico, vá acrescentar valor. Finalmente, podemos estar em contacto directo com o cliente, geralmente quando se trata de empresas de maior dimensão.
Mas deixe-me dizer-lhe que também estamos muito perto do ecossistema de start-ups, até pelo movimento que Portugal está a ter neste sentido. Ou seja, podemos estar junto de grandes empresas ou de starups que estejam a implementar tecnologias avançadas ou aplicações críticas. A Outsystem e a Feedzai são dois desses exemplos de inovação. Trabalhamos directamente com elas porque são empresas que requerem a nossa ajuda.
Actualmente, há muitas diferenças entre o mercado português e o espanhol? Suponho que as necessidades sejam as mesmas, mas e quanto à capacidade de investimento?
Não há dúvida de que as necessidades são globais. Diria que a necessidade dos indivíduos, empresas, e mesmo sociedades, é inovar de forma permanente. No passado, a meta era chegar a algo, era atingir algo, havia metas tangíveis. Hoje, é estar sempre a inovar e reinventar, a todos os níveis, de maneira permanente.
Estas necessidades manifestam-se de forma um pouco diferente em Portugal. É um ecossistema que se retroalimenta muito e que ainda tem uma relação histórica muito forte, por exemplo, com o Reino Unido, e que tem os seus centros de decisão e retroalimentação bem definidos. Algo que é, de resto, bastante diferente de Espanha e mesmo França, outra realidade que conheço bem. Ou seja, as necessidades são comuns mas a forma e a dinâmica do ecossistema são um pouco diferentes.
A cloud veio de alguma forma alterar as regras do jogo?
Profundamente! Uma das regras que mudou foi, precisamente, democratizar o acesso à tecnologia. Isto resultou no facto de a capacidade de investimento inicial não ser tão necessária como antes. Antigamente, para colocar um projecto a andar, era necessário dinheiro para comprar máquinas, garantir conectividade, espaço, licenças e gerir tudo isto de forma contínua. Hoje, nada disto é necessário. Serviços como os da Amazon Web Services permitem ter tudo estas soluções com uma capacidade de gasto operacional muito, muito acessível.
O mercado português é interessante?
É. Desde logo por ser muito atractivo para investidores estrangeiros. Vemos uma grande concentração de capital de risco estrangeiro. Não é que não haja português: há e trabalhamos com ele. É atractivo por duas coisas. Primeiro, pelo nível de inovação e depois porque, tendo em conta a qualidade, é acessível face a outros países. Além do mais, temos um programa para startups, que se chama Activate, que financia essas empresas – temos pacotes até cem mil dólares – que, assim, não pagam o período de ‘prova-erro-ensaio’… além de não o cobramos, fornecemos coaching e mentoring a nível técnico e de negócio.
De que forma entram as empresas para a AWS? Qual o serviço tecnológico que naturalmente as empresas mais contratualizam?
Hoje em dia, o portfólio da Amazon Web Services contempla mais de 150 serviços. Por isso é um pouco difícil enumerar apenas um. Mas há três serviços dentro da oferta que são a base: a computação (capacidade de cálculo), o armazenamento e as bases de dados, que contemplam analítica, big data… a partir daqui, temos serviços mais orientados a devops, segurança, inteligência artificial, machine learning. As empresas subscrevem estes serviços para distintos tipos de cargas de trabalho, desde a pré-produção, por exemplo, porque uma das vantagens da cloud e da AWS é a de ser muito fácil testar e de experimentar, a custos muito baixos. Depois, temos as cargas de trabalho mais digitais, desde páginas Web, arquitectura Web mais ampla… e temos clientes que estão por exemplo a usar SAP de maneira massiva na AWS. Luís Alves é um dos clientes portugueses que o está a fazer. Outros clientes estão a olhar muito para aplicações críticas.
Críticas como?
O seu negócio já está na AWS. O core já está a ir para a cloud.
Em Portugal?
Também. Mas o exemplo que lhe dou, por acaso, é de Espanha. Um banco – que é uma filial do Santander, o Openbank – está neste momento a mudar o seu core para a Amazon Web Services. E em Portugal temos os unicórnios Outsystems e Feedzai, que está a analisar cinco mil milhões de transacções com clientes como o Lloyds. Ou a Luís Alves que tem módulos críticos a correrem na AWS. Na verdade, creio que os clientes têm mais confiança nos nossos datacenters do que nos seus.
No final, porque é que os clientes escolhem os vossos serviços?
Vamos fazer treze anos que estamos em actividade, temos um histórico de evolução. Costumamos dizer que não há um algoritmo para aprender. É preciso passar por todas as fases de aprendizagem e até há que errar. Acredito que isso seja fundamental para nos escolherem. Treze anos podem não parecer muito, mas se especificarmos que o negócio é cloud, é muitíssimo tempo. A nossa história e a reputação que ganhamos faz com que tenhamos milhões de clientes em 190 países no mundo. Os clientes querem trabalhan connosco pelo nosso ritmo de inovação, que é absolutamente fundamental. Não tenho os números de 2018, mas em 2017 posso dizer que acrescentamos 1430 novos serviços. Num ano. Dá, basicamente, quatro novos serviços por dia.
Além de que acredito que este é um ritmo de inovação que se incrementa, que acelera e isso é fundamental para os clientes. Estão numa plataforma, numa infra-estrutura, na qual, de forma automática, têm acesso a tecnologia e inovação que vai saindo de forma permanente. E essa tecnologia e inovação – e volto ao início da entrevista – vem de petições de clientes. Cerca de 95% dos novos serviços e funcionalidades que disponibilizamos foram requisitadas directamente pelos nossos clientes, tal como o escritório em Portugal.
Até que ponto a marca Amazon é importante?
É fundamental e uma das nossas mais-valias. Apesar de sermos uma filial absolutamente independente do grupo, de reportarmos resultados financeiros independentes, temos o ‘ADN Amazon’. O facto de virmos do mundo do retalho, empurra-nos a ter uma mentalidade de trabalho com margens muito pequenas e isso cria o que chamamos de ‘círculo virtuoso’.
Se criarmos uma infra-estrutura que tenha muitos clientes, com muito tráfego, isso vai atrair muita gente que quer consumir. Ao criar essa roda de crescimento perpétuo e virtuoso, promovemos economias de escala, fazendo com que o nosso custo unitário baixe. Ao baixar, passamos essa poupança de custos directamente aos nossos clientes. Até hoje, tivemos 69 baixas de preço. No caso do serviço Fargait, a última redução de preço foi de 50%. Sem qualquer tipo de processo, os clientes simplesmente receberam a factura na qual esse serviço passou a ser cobrado por metade. Isto dá-lhe uma ideia da nossa obsessão pelo cliente e da forma de trabalhar da Amazon.
Hoje com quem falam dentro das empresas? Com o CIO, com o executivo…?
A cloud é, provavelmente, a transformação mais profunda que a minha geração vai atravessar, porque altera a forma como trabalhamos. As pessoas estão a dar conta de que o mais importante e diferencial, não é se temos um orçamento ou uma equipa muito grande e que saiba muito mas antes se temos “uma” ideia, porque o acesso à tecnologia se democratizou e é, agora, possível colocar em marcha virtualmente o que se pensa. Só depois se pode pensar em como transformar isso em negócio.
Uma das coisas que percebemos que está a mudar nas empresas é a forma como se estão a estruturar. Quando comecei na Amazon Web Services, há seis anos e meio, em França, havia uma divisão clara, meridiana e até uma diferença entre o que era tecnologia e o que era negócio. Agora, não sabemos o que é tecnologia e o que é negócio. Um executivo já fala connosco de algoritmos de inteligência artificial.
Quais os objectivos para Portugal?
Queremos do mercado o que os clientes quiserem de nós. Queremos ser o parceiro do tecido tecnológico português. De certa forma já o somos, mas queremos ser mais. Queremos fazer parte da economia portuguesa. Queremos ser reconhecidos em cada vez mais clientes como um partner de confiança.
Como gostaria que as grandes consultoras reconhecessem a actividade da Amazon na Iberia?
Como uma empresa inovadora, ágil e obcecada pelo cliente.