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Blockchain: em nome da transparência virtual?

O que a história nos ensina

Era uma vez… uma onda de empresas que se baseou na ampla conectividade que a Internet começou a oferecer, a partir de meados dos anos noventa, para criar aplicações inovadoras e transformadoras, que mudaram a maneira como as empresas criavam e capturavam valor.
Aproveitando a conectividade de baixo custo, criaram serviços de Internet que eram substitutos convincentes para as empresas tradicionalmente estabelecidas. A CNET (1993) moveu o mundo das notícias para o online. A Expedia (1996) e a Priceline (1997) facilitaram a compra de passagens aéreas e trouxeram uma transparência sem precedentes ao processo. A Amazon (2012) colocou à disposição dos internautas mais livros do que qualquer livraria física. A capacidade desses recém-chegados em obter um amplo alcance a um custo relativamente baixo pressionou significativamente as empresas tradicionais, como jornais e retalhistas.

Mas foram muitas as empresas construídas em toda uma nova arquitectura peer-to-peer que passaram a gerar valor, coordenando redes distribuídas de utilizadores. Pensemos em como o eBay (1995) mudou a distribuição on-line através dos leilões ou como o Napster (1999) mudou a indústria da música; o Skype (2003) mudou as telecomunicações e o Google (1998), que explorou links gerados por utilizadores para fornecer resultados mais relevantes, mudou assim a pesquisa na Web.

Ou seja, foram precisos mais de trinta anos para que TCP/IP (conjunto de protocolos de comunicação entre computadores em rede introduzido em 1972 no departamento de Defesa dos Estados Unidos) chegasse à fase de reformular a economia. De reformular os modelos de negócio. E hoje, mais da metade das empresas mais valiosas do mundo, cotadas em bolsa, têm modelos de negócios assentes em plataformas e baseados na Internet. Os próprios alicerces da nossa economia mudaram. Escala física e propriedade intelectual já não conferem vantagens imbatíveis.

Resumindo: se há quem compare o Bitcoin ao início do e-mail, estará a blockchain a décadas de atingir todo o seu potencial? Na opinião, da Harvard Business Review a resposta é um contundente ‘sim’.

Portugal e a blockchain

Mas chega de falar dos outros. Falemos de Portugal. Recentemente, foi criada a denominada Aliança Portuguesa de Blockchain, com o objectivo de «aumentar o conhecimento e incentivar o desenvolvimento de novas soluções em blockchain».

À businessIT, Rui Serapicos, managing partner da Cionet Portugal, entidade que promoveu a criação desta Aliança, disse que a adopção desta tecnologia ainda está em diferentes fases, havendo países com um estágio de maturidade alto – são claros os casos da Estónia e Singapura – estando Portugal a dar alguns passos relevantes tanto em termos de adopção, como de PoC (Proof of Concepts).
«Acreditamos, e também é esse o objectivo da Aliança Portuguesa de Blockchain, que Portugal se pode tornar num dos principais países nesta matéria, com soluções inovadoras que podem, de certo modo, revolucionar o mundo». Rui Serapicos garante já haver alguns exemplos disso e acredita que, em breve, irão aparecer mais. «Há vários projectos portugueses na área da blockchain, mas, no entanto, muitos são confidenciais e, nesta fase, as empresas preferem não revelar os seus resultados e os avanços alcançados. Acreditamos, no entanto, que muitos e bons projectos portugueses baseados nesta tecnologia estão a chegar ao mercado».

Naturalmente que, como acima referido, há países um pouco mais avançados nesta matéria, como o caso da mencionada Estónia. Este país Báltico desenvolveu uma ampla experiência nesta área, tornando-se num dos mais reconhecidos e valiosos especialistas internacionais em segurança cibernética e blockchain.
Após a experiência da Estónia com os ciberataques de 2007, a tecnologia blockchain foi desenvolvida de forma escalável para garantir a integridade dos dados armazenados em repositórios governamentais e para proteger os dados contra ameaças. «Este exemplo serve de inspiração para Portugal desenvolver uma sociedade digital mais sólida», mencionou Rui Serapicos.

Exemplos made in Portugal

De qualquer maneira, há bons exemplos de blockchain em Portugal: os da Associação Portuguesa de Fundos de Investimento, Pensões e Patrimónios (APFIPP), da Apptoide, da Utrust e da Bitcliq.  

«A APFIPP lançou uma plataforma de blockchain a nível nacional que irá tornar o processo de recolha de informação para reporte ao regulador mais eficiente e menos oneroso, facilitando a regulação e respondendo à exigência de um maior rigor e transparência no reporte das operações realizadas, para assegurar um controlo efetivo do mercado». Já a Apptoide, esclareceu Serapicos, «desenvolveu uma criptomoeda, a AppCoins, em blockchain, que pode ser utilizada por todas as lojas de aplicações em qualquer sistema operativo, uma vez que o código é aberto».

A Utrust é um sistema de pagamento online, semelhante ao PayPal, mas com a diferença de aceitar criptomoedas. «No fundo, os utilizadores da Utrust podem fazer compras ou transferir criptomoedas para outros utilizadores de uma forma segura, tal e qual como se faz hoje em dia com o dinheiro tradicional e o PayPal».

Por último, o Smart Fishing da Bitcliq permite a rastreabilidade de marisco através de um aumento de transparência do processo que liga o mar à mesa de refeições, permitindo que os consumidores e retalhistas tomem decisões baseadas na fiabilidade da cadeia de valor.