Entrevista

«Não vejo os neobancos e as fintechs a substituírem os bancos tradicionais»

Entrevista a Pascal Huijbers, CTO Western Europe e CTO Financial Services EMEIA da Fujitsu.

A Fujitsu quer apoiar os processos de transformação digital das organizações, mas sem deixar para trás quem ainda é mais tradicional. Pascal Huijbers, chief technology officer para a Europa Ocidental e dos serviços financeiros da EMEIA, explicou porque considera que os bancos podem manter-se relevantes na batalha da digitalização.

Hoje fala-se imenso de transformação digital. Como é que a  Fujitsu se posiciona neste mundo da digitalização?

Penso que a transformação digital está agora a chegar ao seu ponto máximo, onde todas as empresas estão numa espécie de transformação digital, embora cada uma tenha a sua própria visão do que isso é. Umas consideram que é apenas digitalizar coisas e outras que é transformar realmente a organização, os seus produtos e serviços.

A nossa posição é apoiar isso mesmo, independentemente do tipo de empresa e da forma como lidam com a tecnologia. A nossa verdadeira força é que já passámos por isso, não somos apenas uma empresa que está no novo mundo, também esteve no mundo mais tradicional. Ainda temos muitos clientes nessa fase e temos muitos nos novos domínios, como AI e cloud. Por isso, não nos focamos apenas no novo mundo, no mundo velho ou na transformação. Focamo-nos em todos.

Inteligência artificial,  IoT, RPA e blockchain  são algumas das tecnologias idenficadas como vitais para o futuro das empresas. Qual é a estratégia da Fujitsu nestas áreas?

Temos de perceber que há tecnologias realmente mais emergentes que outras. Por exemplo, já falamos de IA há vinte anos, mas hoje a maturidade é maior, o que significa que há melhores casos de uso e com maior impacto. Mas nem tudo é igual. O Blockchain, a meu ver, é muito promissor, com muito potencial, mas é uma tecnologia experimental; são precisos mais casos que mostrem os reais benefícios e em que domínios deve ser usada.

Se pensarmos em RPA, é importante, mas não é uma tecnologia que vai mudar o mundo. Já no IoT, fiz algumas experiências em serviços financeiros e ainda estamos a perceber como usar a Internet das Coisas em casos reais que possam trazer valor acrescido ao mundo financeiro, como o que já existe na indústria.

Depois há a cloud, uma tecnologia que muitas vezes não vemos como emergente, mas é realmente transformadora. Estamos numa altura em que este tema está na agenda e em que todas as empresas estão a pensar a fazer alguma coisa. Umas vão usá-la nas suas plataformas centrais, outras vão usá-las para a sua presença online, websites ou apps móveis. Todas as empresas estão a tentar perceber qual a sua abordagem, mas acho que agora, estas plataformas estão a tornar-se muito maduras e todas as organizações, de todos os tipos e sectores, têm de lidar com isso. E é também aqui que tópicos começam a misturar-se entre si, como a cloud e a IA, por exemplo. A inteligência artificial é um recurso digital que vem de plataformas cloud como a AWS ou Microsoft Azure. Consideramos que as empresas devem ter recursos digitais, construí-los e garantir que os departamentos de IT ajudam o negócio com estes recursos. As equipas de negócio devem trabalhar em conjunto com os developers para criar aplicações com estas tecnologias emergentes. Na Fujitsu queremos apoiar isso, queremos ser a empresa que ajuda as organizações a conceber recursos digitais e aplicações.

Que tecnologias considera que serão as mais disruptivas, nos próximos anos?

Para mim, existem dois temas dominantes porque são realmente capazes de mudar o mundo. Um é a IA, que julgo estar apenas a começar e que vai ter impacto em tudo, muito mais do que tem agora. A outra é a computação quântica.

Se pensarmos a longo prazo, penso que a forma como a computação é feita será totalmente diferente. Vamos conseguir resolver problemas com estas novas tecnologias que no passado não eram possíveis. Um exemplo que uso sempre é quando apareceram os primeiros computadores em 1968. Na altura achavamos que os computadores iam mudar o mundo, mas não sabíamos como. A Internet veio ajudar ainda mais e vimos claros impactos. Actualmente, vemos o impacto da tecnologia na forma como as pessoas conseguiram estar a trabalhar de casa. Acho que, com estas tecnologias, vamos ter impactos que ainda nem conseguimos imaginar.

A Fujitsu é muito focada na inovação e sei que é um defensor de métodos agile e lean. De forma é que a Fujitsu usa estas metodologias e como é que está a trazer disrupção ao mercado?

Estamos a desenvolver novas tecnologias e usamos essas metodologias nos processos para criar novos serviços e trazer novos produtos ao mercado. Neste momento, se virmos a base de clientes existente, estamos a tentar convencê-los a ter um modelo de entrega mais ágil. A parte da inovação também é feita de uma forma ágil. Além disso também temos uma abordagem em que podemos convidar startups, experimentar novas tecnologias e pequenas provas de conceitos, para descobrir se são ou não um sucesso, para que possamos escalar como um serviço.

Por último, mas não menos importante, também acreditamos na co-criação. De certa forma, a tecnologia por si só não muda o mundo, são as soluções e processos construídos em cima de determinada tecnologia e muitas vezes é importantes diversas tecnologias trabalharam umas com as outras. Queremos desenvolver soluções que façam a diferença no mundo em conjunto com os outros, e por isso, não nos vemos tanto como um fornecedor, mas como um parceiro. É por isso que co-criamos em novas tecnologias. É assim que vemos as nossas soluções.

Antes falou de cloud e também participou no evento online da IDC sobre muticloud. Como é que vê esta abordagem à nuvem? É a melhor?

Sim. A nossa força é realmente na abordagem multicloud aberta, o que significa que somos parceiros fortes da Microsoft, Google, da Oracle em alguns países e também, da AWS, VMware Citrix e Nutanix. A nossa posição é uma abordagem aberta, não só na cloud pública mas também em ajudar a construir clouds privadas e até com infraestruturas mais tradicionais e legacy. No fim, é mais sobre construir plataformas self-service em cima de cloud públicas e de legacy e ligá-las. Estamos a fazer a transformação do velho para o novo mundo, apoiando os dois.

Qual é o maior desafio que as empresas têm agora na sua ida para a nuvem?

Considero que a parte complicada é a estrutura e a segurança. É fácil entrar, mas depois começam os problemas e é preciso descobrir onde é que estão os pontos fracos. A questão é saber como é que se certifica que todas estas aplicações espalhadas na cloud vão continuar a funcionar e se se mantêm seguras quando se começam a fazer alterações. Também temos de ver como se garante que o custo não sobe rapidamente e que se paga mais no final, que quando se começou.

Se pensarmos nas empresas mais tradicionais, que têm algumas coisas na cloud pública, estas têm de descobrir como lidar com toda a legislação para estarem em conformidade, com a integração da arquitetura dos sistemas ou mesmo na forma como as pessoas fazem login. Mas também o que acontece se algo correr mal. Facilmente as coisas ficam muito complexas e acho que é difícil descobrir uma boa maneira de manter as aplicações actualizadas ao longo do tempo.

Na Europa, em termos de cloud, quais são os mercados mais maduros?

Eu não vejo grande diferença nos países, vejo mais nos sectores. Claro que há diferenças – por exemplo, os negócios são mais digitais no Norte da Europa que no Sul, mas considero que a diferença é mais ao nível das indústrias. Os serviços financeiros são muito rápidos a adoptar mas apenas em partes e não na organização como um todo, assim como novas empresas e negócios digitais e os media. Mas penso que o Norte está mais avançado que o Sul da Europa.

Além do seu cargo de CTO Western Europe é também CTO Financial Services EMEIA e por isso tem um amplo conhecimento do mercado de serviços financeiros. Como vê a transformação digital nos sectores bancário e financeiro?

Penso que o impacto é enorme. Se olharmos para a estratégia destas empresas, muitas delas estão a tornar-se bancos online, apenas com transacções online e sem escritórios. Nos serviços financeiros, existem diferentes partes do negócio que estão a ser assumidos por fintechs e outras empresas. Por exemplo, se pagar num site, posso usar o PayPal para uma transação com o banco. Se olharmos para todas as funções de um banco, já existem concorrentes e muitas vezes, é difícil para um banco manter a conformidade, a segurança e ganhar dinheiro com o que está a fazer. Acho que esse é o grande desafio.

Serão os bancos suficientemente ágeis para acompanhar a concorrência, em especial dos neobancos e das fintechs?

Sim e não. Acho que nem sempre são rápidos o suficiente e que têm de se tornar mais ágeis também na forma como transformam os serviços. Acho que muitas das coisas que fizeram são internas. Têm uma boa aplicação bancária, mas transformaram os serviços e diferentes produtos? Não tenho a certeza. Na parte da inovação, considero que ainda têm um longo caminho a percorrer.

Há quem diga que se a banca tradicional for muito lenta, as fintechs vão dominar. Não creio que seja realmente verdade. Se virmos o caso da Revolut, por exemplo, precisamos na mesma de uma conta num banco. O que está a acontecer é que as fintechs estão a criar soluções e serviços que trabalham em cima das estruturas bancárias. É por isso que não vejo os neobancos e as fintechs a substituírem os bancos tradicionais. O que vejo é que se os bancos, por exemplo, não têm apps móveis para transferir dinheiro ou têm formas arcaicas de login, é fácil serem substituídos porque as pessoas ficam fartas. Os bancos têm de se livrar das coisas aborrecidas do passado. O desafio é esse. Se virmos as apps e o online dos bancos tradicionais, não há ligação. Muitas vezes fazemos coisas num site e depois não estão na app ou temos de dar os nossos dados outra vez quando já têm essa informação. É como se fossem partes separadas do banco que não comunicam entre si. Considero que é isto que têm de mudar, além de tornarem todos os processos mais fáceis de usar. Muitos bancos criam uma boa interface para o cliente, mas internamente ainda são um pouco antiquados. Se querem mudar têm de ser mais ágeis em diversos sentidos.

Considera que a inovação e a segurança vão conseguir andar lado-a-lado nestes processos de transformação digital dos bancos?

Sim, mas é complicado e, por isso, é muito importante ter a certeza de que tudo anda de mãos dadas. Se tiverem uma inovação ou quiserem escalar algo, têm de se certificar de que é seguro. Isto é difícil se queremos ter novas funcionalidades todos os dias, especialmente se todas as aplicações estiverem a funcionar na cloud porque tudo será mais facilmente testado de forma pública.

A minha maior preocupação é sempre com os incidentes. Sabemos que um incidente de segurança vai acontecer um dia. O que se vai passar com a minha arquitectura e com tudo o que estou a fazer? Estaremos à altura de resolver o problema? O que aconteceu com a situação da COVID-19 era expectável. Neste caso, é o mesmo; não é algo totalmente novo e por isso deveríamos saber em parte o que fazer.