Quando a norte-americana Vast Data conquistou, em Abril, o título de ‘unicórnio’ – uma avaliação de preço de mercado de mil milhões de dólares –, não foi num típico ‘pitch’ feito numa sala de conferências de uma empresa de capital de risco.
As interacções cara a cara, geralmente consideradas cruciais para este tipo de transacções, foram transferidas para o mundo on-line, à medida que a COVID-19 se espalhava. Mas para a Vast Data, as reuniões virtuais não eram propriamente um problema. «Em alguns aspectos, era como se estivéssemos a fechar as séries A e B», comentou na altura o CEO e fundador Renen Hallak.
A receita da Vast para o sucesso como unicórnio em cenário de pandemia pode estar ligada à natureza dos seus negócios. A startup de armazenamento de dados conta com o sector de ciências da vida entre os seus clientes, incluindo institutos nacionais de saúde. Os analistas dizem que este é um exemplo de um acordo feito numa crise económica sem precedentes; é ainda a confirmação de que o mercado de capital de risco e IPO está a tentar navegar no coronavírus e a planear o que poderá ser um futuro de investimento muito diferente.
O mercado de IPO está praticamente parado, mas os acordos concluídos antes do ‘encerramento’ da economia, em Março, podem fazer com que os números anuais pareçam melhores que o esperado. De acordo com a Renaissance Capital, as 28 IPO concretizadas nos Estados Unidos, este ano, representam um declínio de 17,6% em relação ao ano anterior: as receitas totais foram de 7,2 mil milhões de dólares, em comparação com quase 9,6 mil milhões de dólares no final de Abril de 2019.
Entre os 28, a Velocity Financial, empresa de financiamento imobiliário, foi uma das primeiras a apresentar um desempenho decepcionante. A Casper Sleep fez a sua estreia sem brilho em Fevereiro e a biotecnológica Imara começou a negociar na Nasdaq na manhã seguinte à OMS ter declarado uma pandemia global em meados de Março.
COVID-19 vs. crises passadas
A última vez em que as startups que esperavam abrir o capital enfrentaram uma situação como esta foi na crise financeira de 2008, onde o fluxo de negócios caiu 85% em relação ao ano anterior.
Mas os problemas financeiros eram diferentes dos de hoje – se antes falávamos de más decisões de negócio que levaram a uma crise financeira, desta vez a realidade é bem diferente. Em 2003, um evento global semelhante ao actual abalou o mercado de IPO: a SARS. Enquanto o ecossistema financeiro ainda estava a recuperar do boom e da quebra da Internet, a epidemia de SARS atingiu o seu pico em todo o mundo, provocando uma queda de 10% no S&P 500 de Janeiro até meados de Março.
Após as instituições oficiais terem anunciado que o surto nos EUA estava contido, no
início de Maio, o mercado accionista começou a recuperar. Uma realidade que apesar de ter afectado Portugal não teve propriamente a mesma expressão do que além-Atlântico.
Uma grande diferença entre 2003 e 2020: na época da SARS, os investidores ainda estavam cautelosos após a má experiência da bolha tecnológica, enquanto em 2020 os investidores entraram com uma perspectiva optimista para IPO, após o bom momento de 2019. Houve decepções no ano passado, como o colapso da WeWork e a desilusão da Uber e da Lyft. Mas, de forma global, a janela de oportunidade para IPO criada em 2019 parecia não estar fechada antes o ataque do coronavírus.
Vast Data vale 1,2 mil milhões
Foi neste cenário que, no final de Abril, a empresa de armazenamento de dados Vast Data se tornou um unicórnio com uma rodada de cem milhões na Série C, aumentando o seu valor para 1,2 mil milhões de dólares.
Renen Hallak disse à CNBC que dos oito investidores participantes da nova rodada, três eram novos na empresa, incluindo o investidor líder Next47, o braço de investimentos da Siemens. Dois dos novos investidores, Mellanox Capital e Commonfund Capital, foram apresentados à empresa e decidiram investir após a pandemia e subsequente volatilidade do mercado.
E se este valor é muito dinheiro em qualquer altura, é-o especialmente no meio de uma pandemia. Os investidores acreditam que a Vast está a resolver um problema difícil em torno do armazenamento em escala, onde os clientes tendem a lidar com petabytes de dados e armazenamento, com preços a partir de um milhão de dólares, diz o fundador.
Como Hallak salienta, o armazenamento tradicional é entregue em camadas, com armazenamento flash rápido e de alto custo na parte superior da pirâmide, até ao de arquivo de baixo custo, na parte inferior. O executivo vê essa abordagem como uma falha, especialmente para aplicações actuais orientadas por análises e machine learning, que depende de muitos dados disponíveis.
A Vast criou um sistema que acredita vir solucionar o problema de como o armazenamento é tradicionalmente disponibilizado. «Criamos um único sistema. Isso é tão rápido ou mais rápido que o sistema all-flash de primeiro nível de hoje e com uma melhor relação custo-benefício, ou mais, do que os cinco discos rígidos de primeiro nível. Fazemos isso em escala com a resiliência de toda a pirâmide [de armazenamento tradicional]. Tornamos o uso muito, muito fácil, ao mesmo tempo em que quebramos as compensações históricas de armazenamento para permitir essa próxima geração de aplicações», disse Hallak em declarações ao TechCrunch.
Momento propício
A empresa, que foi fundada em 2016, teve avaliação de unicórnio no momento em que governos, empresas e universidades clamam pelo poder de computação necessário para estudar rapidamente a COVID-19.
O Instituto Nacional de Saúde norte-americano Gingko Bioworks e a Universidade de Harvard já estão a implementar a tecnologia Vast Data para prevenir novos coronavírus e tratar doenças associadas. «Esta pesquisa requer acesso muito rápido a muitos dados. As instituições querem experimentar muitas hipóteses ou genomas de sequência mais rapidamente e o armazenamento sempre foi um problema», disse Renen Hallak à revista Forbes, salientando que a empresa está a «trabalhar rapidamente» para responder a estas necessidades. «Em alguns casos, enviámos logo os sistemas e só mais tarde, quando tudo isto acabar, é que nos iremos preocupar com o pagamento».
Normalmente, não se vê uma avaliação de unicórnios na Série C, principalmente no momento actual. Para Hallak, esta é uma indicação da confiança que os investidores depositam no crescimento e sucesso da empresa: «Acho que é também uma indicação do nosso crescimento muito rápido, no nosso primeiro ano, com um produto no mercado».
Europa será responsável por 30% do negócio
Numa conferência de imprensa virtual feita com alguns meios de comunicação europeus, entre os quais a businessIT, a empresa divulgou a intenção de apostar mais na Europa, onde, nos últimos meses, foi criada uma força de vendas.
França, Inglaterra e Alemanha são, para já, os mercados europeus nos quais o unicórnio está presente – mas há outros países na mira. «Estamos bastante entusiasmados com o mercado europeu, que tem uma dinâmica bastante diferente dos Estados Unidos», disse Jeff Denworth, co-fundador da Vast Data. O executivo revelou ainda, neste encontro, que esta deverá ser a última ronda de investimento da empresa. «Não queremos angariar mais capital», concluiu.