Entrevista

«Negócios entre empresas devem ser descomplicados»

Entrevista a Miguel Zegre, responsável pela Pagero em Portugal.

Miguel Zegre, responsável pelo negócio em Portugal da sueca Pagero, em entrevista à businessIT, explica o desafio do ‘time to market’ num país onde «há uma tendência natural para deixar sempre tudo para o último momento».

Como definem a vossa actuação no mercado português?

Somos uma empresa multinacional sueca, com presença global. Portugal é uma das importantes apostas estratégicas da companhia neste momento, onde queremos ter uma posição relevante, até por ser um mercado que está regulamentado pela obrigatoriedade de envio de factura electrónica para a Administração Pública, através dos contractos públicos e por via da transposição da directiva europeia 2014/55/EU. Acreditamos na massificação da troca electrónica de dados entre empresas, onde a factura electrónica será apenas um dos documentos tratados. Como facilitadores na transformação digital, estamos no mercado português para colaborar com o processo pela qual todas as empresas terão que passar obrigatoriamente. Empresas que tenham uma actuação além-fronteiras, que enviem ou recebam facturas e outros documentos de outros países, verão uma grande vantagem em optar por um player global, como é o nosso caso. As empresas vêem em nós um parceiro que as ajuda a atingir o prometido retorno do investimento, e não um mero fornecedor de tecnologia. Adicionalmente, contamos com uma equipa global de onboarding, que ajuda os fornecedores e os clientes das empresas portuguesas a estarem preparados para a troca electrónica de documentos e a fazerem parte da rede global da Pagero.

Mas quais são as grandes vantagens?

As empresas que fazem parte da rede Pagero obtêm uma vantagem muito grande na redução de custos, pois as nossas soluções trazem uma agilidade aos processos e às operações, permitindo não só a prestação de um melhor serviço aos seus stakeholders, mas também uma maior satisfação dos recursos humanos internos, que passam a executar tarefas de valor acrescentado para a empresa. Não nos podemos esquecer que para cada factura existem, em média, cerca de cinco documentos que são também trocados pelas empresas, como seja uma ordem de compra ou uma guia de remessa.

A título de exemplo, a utilização das nossas soluções diminui o custo de processamento de uma factura em cerca de 50%, além de toda a redução de erros e o cumprimento dos requisitos de cada um dos mercados onde operamos. Assim, com estas soluções, uma empresa portuguesa consegue ao mesmo tempo cumprir os requisitos da Administração Pública no que diz respeito às regras de recepção de facturas electrónicas, que devem estar de acordo com o novo formato CIUS-PT definido pela ESPAP ao abrigo do Decreto Lei 123/2018, e enviar facturas electrónicas a qualquer parceiro de negócio, em qualquer pais do mundo, de uma forma fácil, eficiente, e cumprindo as regras em vigor em cada um dos países.

De que forma pretendem potenciar a marca Pagero em Portugal?

Em 2020, pretendemos aumentar o conhecimento da marca com o nosso programa de parceiros e a oferta de workshops e eventos para os interessados em facturação electrónica. Através do nosso programa de parceiros, oferecemos vantagens para as empresas que queiram promover a nossa solução, seja como parceiros tecnológicos ou de negócio. A proposta é aumentar em 30% a nossa base de ‘aliados’ e ser uma referência no mercado português.

Quais os grandes desafios que têm enfrentado?

O ‘time to market’. Em Portugal, há uma tendência natural para deixar sempre tudo para o último momento. E assim os projectos não têm o retorno que poderiam ter se fossem feitos de forma planeada e estruturada, pensado a longo prazo para trazer retorno às empresas, e não como apenas algo que fazemos porque somos obrigados. Além disso, as empresas globais passam a entender que não é vantajoso realizar uma abordagem país a país para garantir o cumprimento das obrigações legais no que diz respeito à facturação electrónica. Por esse motivo, grandes empresas com a Hewlett Packard, Volvo, Tetra Pack e a J&J confiam na Pagero como o seu parceiro global de facturação electrónica, que lhes garante uma cobertura global mas com compliance local.

Qual o cliente-tipo da Pagero em Portugal?

Grandes empresas, multinacionais com operações em mais de um país que possuem uma estrutura de sistema financeiro implementada e um volume médio/alto de facturas. Incluindo fornecedores da Administração Pública, que serão obrigados em 2020 a enviar as facturas de forma electrónica.

A concorrência é forte neste sector?

Existem muitas empresas que trabalham nesta área, mas poucas têm a abrangência global da Pagero para poder oferecer aos clientes uma solução que funcione em qualquer país do mundo e que possa ser utilizada pelos parceiros de negócio dos nossos clientes, independentemente do país de origem dos mesmos.

As empresas mais tradicionais que existem no mercado português vêm do EDI, em que as ligações ponto-a-ponto entre as empresas eram o objectivo e a forma de efectuar as ligações entre as organizações. Assim, o que encontramos no mercado são projectos implementados, mas com taxas de sucesso e de utilização muita baixas. E, muitas as vezes, as empresas têm alguma relutância em abordar este tema já que algumas delas já fizeram investimentos consideráveis no passado e os resultados ficaram aquém do esperado.

Como se pretendem diferenciar da concorrência?

Para sermos relevantes no sector, a nossa abordagem é diferente: a empresa nossa cliente integra os seus sistemas com rede global da Pagero, onde operam já 4,5 milhões de empresas, e automaticamente ficam aptas a trocar informações comerciais com essas empresas, uma das grandes vantagens da nossa solução. Além disso, a nossa plataforma pode ser integrada com qualquer tecnologia ou ERP, o que permite projectos mais rápidos e com um maior retorno para os nossos clientes.

Como correu 2019?

Correu de acordo com as expectativas. Estamos a expandir de forma exponencial e consideramos que 2019 foi o ano zero da Pagero em Portugal. Neste período, tivemos uma aceitação muito acima do esperado por clientes e incremento da nossa base de parceiros. Já a nível global, tivemos um crescimento de 40% e somos, de longe, o operador de troca electrónica de documentos com a rede de maior dimensão quanto ao número de empresas.

E para 2020, o que esperam?

Prevemos um grande ano em Portugal e a nível global. No caso português, não só pela obrigatoriedade da factura electrónica na Administração Publica, que irá alavancar o crescimento de todo o mercado, mas também porque os projectos que temos na calha, com empresas relevantes do tecido económico. A nível internacional, o nosso principal negócio continua a ser na Europa e prevemos um grande crescimento de negócio em mercados como o Médio Oriente e a Asia. Através dos nossos acordos de parcerias, apoiaremos a potencialização de operações dos nossos clientes na América Latina e Estados Unidos.

A partir deste ano, a via electrónica é a única forma de fazer chegar facturas ao Estado. As empresas já estão preparadas para isso?

Infelizmente, não está a correr tão bem como devia. Este tema da factura electrónica está na agenda há muito tempo e os sucessivos adiamentos não têm ajudado as empresas. Agora, com a publicação do detalhe técnico da implementação (CIUS-PT) no passado dia 9 de Setembro, estão criadas as condições para este processo arrancar de forma massiva. O que impede a maioria das empresas portuguesas de estar em dia com as facilidades tecnológicas é que tanto as privadas, como as públicas, vêem na facturação electrónica apenas uma obrigação legal, esquecendo que a implementação deste processo, tanto com clientes como fornecedores, traz poupanças significativas para os seus processos internos. Neste momento, creio que apenas um número muito pequeno de fornecedores está preparado para a obrigatoriedade da factura electrónica.

O Governo vê na factura electrónica um mecanismo de optimização e automatização de processos que aumenta a transparência e reduz os prazos de pagamento. Concordam com a afirmação?

Totalmente. Noutros países, como a Austrália, o prazo de pagamento das facturas electrónicas é inferior ao prazo de pagamento das facturas não electrónicas. No mercado nórdico, a utilização da factura electrónica por parte do Estado levou a que a factura em papel deixasse de existir entre as empresas. As vantagens são visíveis, a automatização garante a transparência e a segurança no intercâmbio de dados, validação e correcção de informações e incrementa a agilidade do processo de pagamento. Além disso, a adopção por parte do governo irá dar ao sinal aos restantes agentes de mercado. Estima-se que em Portugal existam 80 mil fornecedores regulares do Estado. A grande maioria dessas empresas não trabalha só com entidades públicas. Uma vez que tenham a facturação electrónica implementada com os organismos públicos, será expectável que a implementem também com os seus outros clientes. E provavelmente também com os seus fornecedores. E isto induzirá no ecossistema uma adopção generalizada da troca electrónica de documentos entre as empresas, tal como aconteceu noutros mercados.