Entrevista

«A Guerra Fria já terminou há muito tempo»

Alfonso Ramirez KasperskyAlfonso Ramírez

Os EUA proibiram a compra e manutenção de produtos da Kaspersky em computadores do Governo. Uma acção que não irá impactar o negócio ibérico, garantiu Alfonso Ramírez, director-geral da empresa russa em Portugal e Espanha.

Hoje, seja qual for o tema que esteja em cima da mesa, desde IoT, mobilidade, passando por Big Data, tudo acaba por ter um elo comum: a segurança. Qual o grande desafio para as PME?

Os grandes desafios de segurança estão nas PME. São elas a faixa de mercado que tem os grandes reptos entre mãos. Porque as grandes empresas lidam com orçamentos para esta área completamente diferentes de uma pequena estrutura empresarial. Se reparar, uma PME tem de lidar precisamente com os mesmos desafios e ameaças, mas sem os conhecimentos ou o músculo financeiro de uma grande corporação.

 

Mas as PME têm vindo a transferir para a segurança um maior investimento?

Sim, claramente. Sobretudo depois do Wannacry, notamos que as empresas levaram mais a sério os seus investimentos em segurança. Há pequenas e médias empresas que começam agora a falar de coisas que até agora não eram sequer tema. Um exemplo disso é a consciencialização dos utilizadores. O ataque foi tão mediático que os donos das empresas começaram a levar mais a sério todas estas problemáticas. Não acontece só aos outros. Não acontece só às grandes empresas.

 

O panorama da segurança vai mudar nos próximos anos? Vemos o IoT a emergir mas, em Portugal, a maioria dos projectos são ainda, digamos, um pouco conceptuais…

Portugal, Espanha, Alemanha, França, Itália, são iguais. Não há uma grande diferença neste campo. Aliás, Portugal é um early adopter e adapta com muita mais facilidade as soluções às suas empresas do que, por exemplo, a Alemanha, que é muito mais conservadora na hora de incorporar tecnologias disruptivas. Mas sim, o panorama vai mudar. Se antes toda a segurança se focava em proteger as empresas, daqui para a frente, irá focar-se nas fábricas e em todo o tema de indústria que estão a ser tão afectada.

 

As empresas continuam a considerar a segurança um custo?

Já depende muito do tipo de empresa. Admito que algumas empresas ainda considerem um custo, até porque ninguém paga de bom grado absolutamente nada. Somos assim. Não gostamos de pagar, ponto. Mas há outras empresas, mesmo de dimensão mais pequena, que consideram, isso sim, uma necessidade. Saímos de um período económico complicado e a segurança foi uma das áreas onde houve, na verdade, menos cortes. Outras áreas desta indústria sofreram muito mais, como o hardware, por exemplo, já que os ciclos de renovação dos equipamentos ficaram muto maiores. Mas na verdade não podem deixar uma empresa desprotegida, logo o investimento em segurança teve de ter alguma forma de continuidade…

 

Entretanto, no passado mês de Setembro, os Estados Unidos proibiram a compra e manutenção de productos da Kaspersky Lab em computadores do Governo. Isso de alguma forma vai “obrigar” a um desinvestimento naquele país?

Os planos da Kaspersky não mudaram após o anúncio da Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos. Continuamos a ter 400 milhões de utilizadores e continuamos com a responsabilidade de os proteger. Daí que não foi alterada qualquer estratégia de investimento, não mudou absolutamente nada. As novas delegações nos Estados Unidos continuam a fazer todo o sentido pelo que a sua abertura está garantida. Mesmo que esta decisão fosse final, o investimento naquele país continuaria a ser o mesmo. O tecido empresarial norte-americano continua a ter de ser protegido.

 

Mas a cultura americana é um pouco diferente da europeia. Acredita que esta decisão não afectará a escolha dos privados naquela geografia?…

Não. Pelo menos se quiserem continuar a ter uma boa solução de segurança. Acredito que, neste momento, os únicos a estar contentes são os ciber-criminosos, já que as instituições norte-americanas deixam de estar eficazmente protegidas…

 

E de alguma forma isto cria algum tipo de impacto no negócio ibérico? Ou passa-se tudo do outro lado do Atlântico e por isso…

Quero acreditar que não vai ter qualquer impacto.

 

Mas o que têm dito os vossos clientes?

O que temos tido é apoio por parte dos utilizadores, nomeadamente nas redes sociais. Somos muito abertos. Eugene Kaspersky tem um blogue e é muito activo no LinkedIn e tem expressado a sua opinião e divulgado opinião de outros. E têm sido de apoio.

 

Mas é verdade que nem os analistas previam que fossem ter tamanho êxito por terras americanas…

Há vinte anos que estamos registados em Inglaterra, não na Rússia. Fiscalmente somos uma empresa inglesa, não é algo que tenha sido feito agora. E mesmo que fosse russa, a Guerra Fria já terminou há muito tempo.