Entrevista

«A nossa estratégia é democratizar o acesso à inteligência artificial»

Entrevista a Manuel Dias, national technology officer da Microsoft Portugal

Microsoft Portugal

Quando a Microsoft decidiu apostar na inteligência artificial generativa, e investir na OpenAI, deu início a um período de produtividade sem igual, com o lançamento de centenas de funcionalidades e ferramentas, no último ano. Durante o Building The Future, conversámos com Manuel Dias, que revelou à businessIT a estratégia da empresa em relação ao futuro e como a IA está, e vai continuar, a mudar a forma como trabalhamos.

A Microsoft é, hoje, uma empresa diferente daquela que era quando iniciou actividade na década de setenta. Como é que se apresentam hoje e qual é o vosso foco?

A Microsoft está claramente focada na inovação responsável e, obviamente, tem como grande âncora a inteligência artificial. A nossa visão é de democratizar o acesso à tecnologia, à cloud e à IA. Disponibilizarmos uma plataforma para o mundo, para as empresas, para o sector público e para a academia é um factor muito importante. O segundo aspecto é, claramente, o tema das competências. Não é uma questão de apenas disponibilizar a tecnologia, é preparar o mundo, a sociedade, os profissionais e as empresas para tirar a partir da mesma. Se tivesse de descrever a Microsoft, seria como uma ‘empresa de inovação de plataforma, focada na inteligência artificial, mas preocupada com a inovação responsável e com a capacitação das pessoas’.

A Microsoft, investiu muito cedo na IA e na IA generativa através do apoio e participação na OpenAI. Qual é a vossa estratégia nesta área?

A nossa estratégia é democratizar o acesso à inteligência artificial. Um pilar fundamental é democratizar o acesso à inovação que a OpenAI está a trazer para o mercado e fazê-lo de forma responsável e empresarial nos nossos serviços cloud, a nível global. Mas também é trazer tudo o resto; hoje, temos centenas de modelos open source de IA generativa disponíveis na cloud para dar a opção aos nossos clientes de escolherem o que é que faz mais sentido para os seus cenários, quer em termos de performance, quer de custos. Queremos deixar em aberto todas as opções possíveis para que possam criar infraestruturas de alta performance. Não faz sentido fazer isto on-prem, dentro do data center de um cliente, porque a sofisticação da tecnologia e o investimento tornam isso muito difícil, ainda mais quando já temos isso na cloud. Este é, também, um vector muito importante.

Pela vossa experiência, como é que está a ser a adopção da IA generativa e dos copilots, em Portugal?

Recentemente, lançámos um estudo com a IDC sobre a adopção da IA na Europa e em Portugal. É muito interessante ver que, este ano, em Portugal, 62% das empresas já usam inteligência artificial generativa. Não é apenas uma questão de copilots e de Azure AI Services, mas também de chatbots. Este número é muito interessante para Portugal e está muito próximo da média europeia. Interessante é também perceber que 25% planeiam adoptar esta tecnologia nos próximos 24 meses.

Por que motivo é que esta taxa de adopção é tão alta?

A taxa de adopção é um dos pontos que distingue esta tecnologia, assim como a facilidade de utilização, já que está muito próxima de nós enquanto seres humanos. O ChatGPT demorou dois meses a atingir cem milhões de utilizadores o que, comparado com todas as outras tecnologias, é impressionante. Isto deveu-se a duas coisas muito importantes: a primeira é que nos desafia enquanto humanos. Estamos sempre à procura de alguma coisa que seja desafiante e, quando pensamos que temos alguma coisa ao nosso nível, é realmente muito interessante ver e experimentar. A segunda é que está acessível no telemóvel, para toda a gente. A facilidade de experimentar e de ter contacto com esta tecnologia muda tudo.

Quais são os desafios da adopção da IA generativa por parte das empresas portuguesas, que são maioritariamente micro e PME?

O principal desafio é claramente o das competências. Não é tanto de competências técnicas profundas, como vemos em grandes empresas, mas sim o de despertar os líderes para o potencial desta tecnologia e de como é que isso pode trazer benefício para o negócio. Isto implica apostar em políticas de formação, em cursos mais executivos. Por outro lado, acho que devíamos ter programas de activação em Portugal lançados pelo Governo, como vimos no passado com outras tecnologias, com pequenos sites e portais para mostrar às PME o que podem fazer com as soluções de inteligência artificial generativa e ajudar na sua adopção.

A Microsoft tem um papel muito activo na área das competências com diversos programas de formação na área de IA. Que projectos têm para ajudar as organizações nacionais?

Esta é uma área em que a Microsoft investe há já algum tempo. Temos dezenas de cursos técnicos e de inteligência artificial no portal Microsoft Learn e no LinkedIn. Há também alguns programas estratégicos em que um dos mais interessantes é a AI Business School, para executivos. A formação é desenvolvida em colaboração com nove universidades nacionais e tem conteúdos sobre tecnologia, estratégia, cultura, ética e regulamentação. Este foi também aplicado ao sector público com o INA, o Instituto Nacional de Administração, que fez a primeira edição com dirigentes de várias entidades públicas. Nesta altura, está a decorrer a segunda edição e há mais quatro edições marcadas para este ano, em que cada uma tem cerca de quarenta pessoas de vinte ou trinta entidades diferentes. A ideia aqui é que, até 2026, consigamos formar cerca de mil executivos.
Outra iniciativa muito interessante tem que ver com as certificações de inteligência artificial e IA generativa. Uma delas é pioneira em Portugal e na Europa, feita em parceria com a Associação Portuguesa de Data Science. Uma das áreas mais interessantes é sobre o Copilot, porque vai ao utilizador final. É que a adopção não é só tecnologia, é realmente dar estas competências a todos os que usam a tecnologia; não é uma questão de programação é uma questão de utilização diária. E vamos continuar a fazer mais coisas.

A Microsoft quer ter um papel ainda mais activo na democratização do uso da IA pelas empresas com a recentemente anúncio da AI Innovation Factory em Portugal?

Claramente! A AI Innovation Factory é uma plataforma de inovação que tem o objectivo muito claro de acelerar a adopção da inteligência artificial. Não se trata apenas fazer um protótipo, mas idealizar, testar, desenvolver para depois, junto do nosso ecossistema de parceiros, trazer estas soluções para produção. O facto de trabalharmos com a Unicorn Factory dá-nos o ângulo das startups, ligando-as com as corporate, onde podem desenvolver o modelo de negócio, os produtos e testá-los. O que queremos fazer é juntar os desafios de negócio das empresas e, depois, aplicar, utilizar, desenvolver e testar a tecnologia, ou seja, é muito mais de fora para dentro. Não queremos encontrar o problema para as nossas soluções, queremos identificar problemas e desenvolver soluções que sejam inovadoras.

O FMI estima que 40% dos empregos existentes desapareçam devido à IA generativa. A Microsoft fala numa transformação do mercado de trabalho com a criação de novas profissões e a extinção de outras. Mas, de qualquer, forma há aqui um gap. Como é que vêem esta situação?

Primeiro são precisas novas competências, não só tecnológicas. O tema do pensamento crítico, da criatividade e do pensamento analítico são fundamentais e, de alguma forma, reduz esse gap, porque já são necessárias hoje em dia – mas vão ser mais necessárias no futuro e há ainda a literacia digital. Os humanos não vão ser substituídos pela IA, vão ser substituídos por pessoas que saibam utilizar a inteligência artificial. A mensagem é de incentivar e de evangelizar as pessoas para ganharem mais competência e fazer upskilling. Depois, há uma coisa muito importante, que é preparar, efectivamente, as novas competências. Cabe-nos a nós e as outras tecnológicas trazer para cima da mesa estas novas competências para que, o mais cedo possível, se possa começar a preparar a sociedade e minimizar esse gap, que existiu em todas as revoluções da História. Acho que temos uma vantagem: quase toda a gente já ouviu falar de IA, agora é preciso executar. Estou bastante optimista, mas, obviamente, há que trabalhar: não é só a Microsoft, é o Governo, são as empresas, as startups e as PME. Precisamos destas competências em Portugal, porque sem isto vamos ficar para trás.

A Microsoft, faz parte de uma série de consórcios e iniciativas ligadas à IA responsável. Como é que desenvolvem os vossos produtos e garantem que a inteligência artificial está a ser usada para trazer valor para a sociedade, para os negócios e não o inverso?

A Microsoft, desde 2017, criou uma área específica só para a inteligência artificial responsável e que, no fundo, define um conjunto de princípios core que ancoram todo o nosso desenvolvimento de serviços, produtos e que vão desde a responsabilidade à privacidade, à segurança, à justiça, à transparência e à inclusão. Com IA generativa, isso ainda se torna mais importante – por isso, adicionámos salvaguardas em cada layer.

Por exemplo, podemos colocar moderação de conteúdos nos algoritmos, explicitar que isso é uma resposta dada por um copilot ou que aquela informação é gerada por IA e, depois, todos os temas de privacidade, ou seja, garantir que os dados dos clientes não são usados para treinar os algoritmos ou para melhorar os modelos. Quando se utiliza o serviço da OpenAI dentro do Azure, todas essas considerações mais empresariais são fundamentais e um grande diferenciador para a Microsoft.

Estamos comprometidos com o desenvolvimento contínuo da IA de forma responsável e ética, de acordo com a regulação que está a vir para o mercado e saudamos muito o que foi feito com o EU IA Act. À medida que inovamos, temos de ter esta consciência de que, efectivamente, existem riscos e, portanto, temos de os mitigar onde podemos, ou seja, nas competências, na tecnologia, nos dados que usamos e na forma como disponibilizamos as ferramentas às pessoas.

Treinar os LLM e usar IA generativa exige um grande poder de computação e consumos de energia. De que forma é que estão a tornar a tecnologia mais sustentável e a causar um menor impacto ambiental?

O nosso compromisso com a sustentabilidade é fundamental: temos a promessa de usar apenas energia renovável em todos os nossos data centers até ao final de 2025. Estamos no bom caminho para garantir que isso vai acontecer, por isso o primeiro ponto é este. O segundo é melhorar ao máximo todas as camadas, do hardware ao software. É ter chips específicos, optimizar o arrefecimento, o processamento e, depois, também uma parte de inovação nos algoritmos, para que sejam mais eficientes e para que exijam menos recursos de computação para fazer a mesma coisa. Uma das coisas que estamos a desenvolver são modelos que reduzem o número de tokens, de palavras que é preciso escrever, e que entendem o texto, mesmo que faltem algumas letras.

Como é que vê a evolução da IA generativa?

Sou um apaixonado pela tecnologia, mas olho sempre para isto numa perspectiva de impacto na sociedade. Acho que estamos numa fase de viragem com a IA generativa de que não estávamos à espera e que, provavelmente, pensaríamos que só aconteceria daqui a cinco ou dez anos. Todos usamos tecnologia na nossa vida: é tão boa quanto menos dermos por ela. Olho para a inteligência artificial generativa quase como se esta inovação fosse natural. O mundo real é o nosso prompt e acho que não vamos perder muito daquilo que nos caracteriza enquanto humanos. É difícil prever, mas acho que, daqui a poucos anos, a forma como interagimos tirando partido desta tecnologia vai mesmo revolucionar como trabalhamos e vai-nos ajudar em muitas coisas. Gosto de brincar com o tema da calculadora: quando esta surgiu, pensámos que íamos desaprender matemática, mas, na verdade, o que fazemos hoje é resolver problemas muito mais complexos. Já não sei encontrar uma raiz quadrada ao detalhe, mas sei resolver problemas e equações de primeiro e segundo grau. Acho que também vai acontecer isso com esta tecnologia. O que nos caracteriza, enquanto seres humanos, é a nossa capacidade de adaptação relativamente que aí vem e estou optimista sobre isso.