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PME e a dívida tecnológica: o custo acumulado de não investir

Em Portugal, milhares de PME continuam a adiar investimentos em sistemas digitais, acumulando uma dívida tecnológica que fragiliza a sua competitividade, aumenta o risco crescente de falhas e a exclusão de concursos e sanções. A modernização, dizem os especialistas, há muito que deixou de ser uma opção para se tornar um imperativo para garantir a sobrevivência e crescimento.

Starline/Freepik

Ao nível europeu, o Programa Europa Digital (2021‑2027) mobiliza 7,6 mil milhões de euros para apoiar projectos em computação de alto desempenho, inteligência artificial, cibersegurança e competências digitais avançadas. Já o InvestEU, operacionalizado em Portugal pelo Banco Português de Fomento com o Fundo Europeu de Investimento, prevê mobilizar cerca de 6,5 mil milhões de euros em garantias para crédito a empresas, com os primeiros acordos anunciados em 2025. Portugal canalizou também 450 milhões de euros do PRR e acrescentou 50 milhões em contragarantias estatais, reforçando a chamada ‘gaveta nacional’ do InvestEU.

Digitalizar não é comprar tecnologia
Mas o desafio está na execução. Segundo a Comissão Europeia, Portugal apresentava, em 2023, uma das taxas mais baixas de absorção dos fundos de recuperação, com apenas 24% do PRR executado até final do ano, abaixo da média europeia de 32%. O Tribunal de Contas Europeu, no ‘Relatório Especial 13/2024’, reforçou os alertas sobre atrasos, burocracia e subutilização dos programas de apoio à transição digital, apontando falhas na articulação entre o desenho das medidas e a capacidade de execução no terreno.

Para o jurista João Ferreira, esta dificuldade em transformar verbas aprovadas em projectos concretos levanta um risco: «Quanto maior for a discrepância entre o calendário da execução financeira e as metas definidas em Bruxelas, maior a probabilidade de cortes, devoluções ou sanções aplicadas ao Estado português e, indirectamente, às empresas que dependem destes apoios». O alerta não é teórico: em 2023, a Comissão Europeia chegou a suspender tranches do PRR da Hungria e da Polónia devido a falhas no cumprimento de metas, e em 2024 aplicou um corte temporário a parte dos fundos destinados à Eslováquia. «Estes exemplos mostram que as sanções são uma realidade concreta e não apenas uma hipótese remota», acrescenta o jurista.

Em Dezembro de 2022, a Comissão bloqueou cerca de 6,3 mil milhões de euros do PRR da Hungria por incumprimento de metas ligadas ao Estado de direito; em 2023 manteve congelados 36 mil milhões de euros da Polónia devido a falhas na independência judicial; e em 2024 decidiu suspender temporariamente 918 milhões de euros destinados à Eslováquia até correcções em matérias de contratação pública e transparência. «Do ponto de vista jurídico, estes precedentes demonstram que a Comissão tem margem e histórico de aplicar cortes significativos quando há incumprimento», conclui.

«Há uma percepção errada de que digitalizar é comprar tecnologia. Não é. É investir em processos, competências e integração. O apoio público pode dar o empurrão inicial, mas a continuidade tem de vir da gestão e da estratégia empresarial», finaliza Miguel Carvalho. A equação final é simples e comum aos especialistas: ou as PME investem agora em tecnologia, competências e integração, ou arriscam‑se a pagar uma factura cada vez mais pesada em exclusão e perda de relevância no mercado.

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