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PME e a dívida tecnológica: o custo acumulado de não investir

Em Portugal, milhares de PME continuam a adiar investimentos em sistemas digitais, acumulando uma dívida tecnológica que fragiliza a sua competitividade, aumenta o risco crescente de falhas e a exclusão de concursos e sanções. A modernização, dizem os especialistas, há muito que deixou de ser uma opção para se tornar um imperativo para garantir a sobrevivência e crescimento.

Starline/Freepik

Numa pequena empresa de componentes industriais situada no Norte do País, a gestão decidiu adiar, ano após ano, a actualização do sistema de planeamento de recursos (ERP). O software, implementado há mais de uma década, já não permitia integrar dados em tempo real com os clientes internacionais. O resultado foi uma sucessão de falhas: atrasos nas encomendas, erros de stock e, finalmente, a perda de um contrato que representava 20% da facturação anual. Esta história, real ou ficcionada, é apenas um retrato do que acontece a centenas de PME, em Portugal.

A chamada “dívida tecnológica” – isto é, o custo acumulado de não investir a tempo – traduz-se em prejuízos concretos e crescentes. A curto prazo, a decisão de não investir pode parecer uma poupança. Mas, numa visão mais alargada, Miguel Carvalho, consultor sénior em transformação digital, garante que a factura chega: mais horas desperdiçadas, falhas de comunicação, maior vulnerabilidade a ciberataques, incumprimento de obrigações legais e perda de competitividade. «Na prática, cada adiamento funciona como juros de um crédito invisível», sustenta o especialista.

Os números mais recentes ajudam a entender o panorama nacional. Segundo o Instituto Nacional de Estatística, 20,6% das empresas portuguesas tinham, em 2024, especialistas em TIC nos seus quadros. Nada mau, quando comparado com a média europeia, que em 2024 ficou nos 20,05%. Por cá, quase todas as empresas têm acesso à Internet, havendo algumas diferenças face às empresas europeias na adopção de tecnologias avançadas, embora não sejam abissais. Em 2023, 32,3% das empresas em Portugal compraram serviços de computação na cloud, contra 38,9% no conjunto da União Europeia. Na IA, Portugal apresentava 7,9% de utilização empresarial, muito próximo dos 8,0% da média europeia. Em 2024, a UE subiu para 13,5%, com Portugal a registar um dos aumentos mais modestos do bloco.

A referência é clara quando se olha para os líderes europeus: na cloud, a Finlândia alcançou 78,3%, a Suécia 71,6% e a Dinamarca 69,5% de empresas utilizadoras; na inteligência artificial, Dinamarca (27,6%), Suécia (25,1%) e Finlândia (24,4%) destacaram-se em 2024. O relatório ‘País da Década Digital 2024’ confirma ainda que Portugal submeteu um plano com cinco metas até 2030 (competências digitais básicas, especialistas em TIC, intensidade digital das PME, adopção conjunta de IA/cloud/analítica de dados e unicórnios) e um orçamento global de 854,5 milhões de euros, mas sem trajetórias anuais detalhadas. «Estes números mostram que a base está montada, mas a escala de modernização nas PME continua aquém do necessário. Sem investimento privado a sério, vamos continuar a perder produtividade e margem competitiva», observa Miguel Carvalho.

A factura oculta
A dívida tecnológica não surge numa linha do balanço contabilístico, mas infiltra-se na operação diária. Sistemas descontinuados significam custos de manutenção a subir, tempos de resposta a cair e equipas presas a tarefas manuais – é, sobretudo, um risco operativo e reputacional. O estudo ‘Cost of a Data Breach 2024’, da IBM, fixou em 4,88 milhões de dólares o custo médio global de uma violação de dados, um valor que as PME tendem a subestimar, observa Miguel Carvalho.

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