Reportagem

IA deve ser usada «onde é realmente diferenciadora» para uma economia competitiva

A Delegação Nacional Portuguesa da Câmara de Comércio Internacional | ICC Portugal realizou, em Lisboa, uma conferência dedicada à IA em que falou do impacto da tecnologia na competitividade das organizações nacionais, do EU AI Act e dos seus riscos.

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No evento com o tema ‘Inteligência Artificial e Competitividade da Economia Portuguesa’, Luís Neto Galvão (presidente da Comissão de Economia Digital da ICC Portugal e sócio da SRS Legal) falou do EU AI Act e explicou o que pode correr bem e mal na aplicação desta legislação. «O regulamento põe a sua ênfase e foco na segurança das aplicações, no seu impacto nos indivíduos», mas a aplicação, nomeadamente, em Portugal, pode resultar em desafios «multiplicidade de entidades», já que vai existir uma «autoridade notificadora, uma de fiscalização de mercado e as autoridades nacionais». O responsável recordou que, só em Portugal, vão existir «catorze entidades, coordenadas pela ANACOM», a verificar a aplicação do regulamento europeu. Por outro lado, a nível nacional, «em termos de governance, muitas vezes tende-se a ter pouca coordenação entre as várias entidades reguladoras», alertou Luís Neto Galvão.

No que diz respeito ao lado positivo, o presidente salientou o facto de os fabricantes «terem de criar um manual de instruções» para usar a aplicação e que, «uem implementa, ter de «aplicar em conformidade essas regras», além da obrigatoriedade da «realização de avaliações de impacto sobre direitos fundamentais». O responsável referiu ainda as medidas de apoio à inovação como as «regulatory sandboxes», ou seja, «ambientes controlados de desenvolvimento, de treino, identificação de riscos, testagem e validação» de soluções e serviços de IA e que serão de acesso gratuito a PME e startups. Estas poderão impulsionar a economia europeia e nacional, apesar de ter demonstrado apreensão pelo facto de a implementação destes ambientes de testes «estarem atrasados em Portugal».

Velocidade da IA
Paulo Sande (vice-presidente da Comissão de Economia Digital da ICC Portugal e sócio da Antas da Cunha Ecija) sublinhou que a «IA desencadeou, para o bem e para o mal, uma revolução tão poderosa como a Internet», mas de forma «muito mais rápida». O responsável indicou que a «maior parte do regulamento da IA entra em vigor no dia 2 de Agosto de 2026» e que, «tendo em conta os desenvolvimentos recentes «do DeepSeek» e a «velocidade com que as coisas mudam, corre-se o risco de se tornar rapidamente obsoleto».

Já sobre a «IA como factor de crescimento e competitividade», Paulo Sande referiu o seu papel no «aumento da eficiência das empresas e da administração pública» e «na redução de custos». O responsável disse que «a Europa está atrasada em termos tecnológicos e que a IA era a grande esperança», mas que «o plano de Trump de investir quinhentos mil milhões de dólares em inteligência artificial, a anulação da legislação existente nessa matéria nos EUA e a limitação de importação de chips vieram trazer sombras sobre o futuro», que agora o modelo chinês ajudou a dissipar.

A Europa «voltou a ter esperança», dado que, afinal, é «possível fazer desenvolvimentos mais baratos, mais eficientes energeticamente e com chips com menores capacidades», afirmou Paulo Sande. Apesar desta mudança positiva e de reconhecer a importância da regulação, no final, o responsável chamou a atenção que a IA é uma «revolução que não se compadece com prazos longos». Assim, «a lentidão do processo político dos Estados-Membros e na União Europeia pode pôr em risco a liderança da IA na Europa».

Investir onde faz diferença
No painel sobre inovação e competitividade, o moderador Jorge Portugal, director-geral da COTEC, esclareceu que a inteligência artificial é uma «revolução» que pode ser considerada uma «nova corrida ao Espaço» e que o DeepSeek levou a uma «mudança de paradigma», uma vez que o «próximo grande algoritmo pode aparecer em qualquer lado do mundo» devido à «abordagem open source, à redução do custo e ao facto de representar uma aprendizagem diferente da OpenAI». Por tudo isto, a «competitividade da Europa, que estava potencialmente condenada, não está».

Fazila Ahmad, global head of data & AI acceleration da EDP, disse que a IA «não é só tecnologia»: tem de haver uma «estratégia» e é preciso «escolher as áreas onde é realmente diferenciadora e tem mais impacto no negócio», porque o investimento é grande. A responsável referiu um estudo do BGC que diz que as empresas que conseguem retirar valor da IA «investem 10% em algoritmos, 20% na tecnologia e 70% em mudar os processos, formar as pessoas e mudar as formas de trabalhar» – por isso, a representante da EDP destacou a importância da componente da «gestão da mudança e do talento». Fazila Ahmad disse que a empresa «aposta imenso em formação» e «tem uma fábrica de incubação digital para testar e falhar mais rápido e com pouco investimento», que «recebe ideias de todas as áreas de negócios». Segundo a responsável, os investimentos futuros em IA serão «muito focados na optimização dos activos, na área de customer e também em operações de terreno». O sonho é que «todos os colaboradores tenham um assistente virtual que trabalhe ao seu lado e os ajude nas suas tarefas».

Inovação ganha sempre
O CEO da Kyndryl Portugal, José Manuel Paraíso, disse que a IA não é o «Homem vs. máquina», mas «sim o Homem com a máquina vs. o Homem sem a máquina». Sobre a uso da tecnologia, este responsável revelou que a Kyndryl usa IA para «fazer a gestão do parque de dispositivos tecnológicos» e «gerir mais de um milhão de eventos por mês». Sobre o “duelo” entre as novas tecnologias, a segurança e a estabilidade da infra-estrutura, o responsável disse que ou a «inovação ganha sempre ou a empresa perde e desaparece». José Manuel Paraíso lembrou ainda que à medida que a empresa se vai «automatizando com inteligência artificial e liberta as pessoas» das tarefas rotineiras, faz o «skill-up dessas pessoas para que desempenhem outras tarefas com mais valor», para que «possam inovar mais» e ajudar a Kyndryl a «diferenciar-se pela inovação junto dos clientes».

José Manuel Paraíso acrescentou que os «dados são fundamentais para a IA» e que a questão «não está na disponibilidade da tecnologia», mas sim em «saber utilizar esta tecnologia e, em particular, preparar os dados para que IA seja, de facto efectiva no negócio». E quando «há um sistema legacy, que as vezes impede que os dados sejam integrados na IA», essa mesma tecnologia «pode ajudar nisso e estruturar os dados para que possam ser usados nos algoritmos».

O CEO concluiu que a «inteligência artificial é uma oportunidade de países mais pequenos ganharem vantagem sobre outras economias que têm mais capacidade» e considerou que Portugal «tem feito esse caminho».

Casos de sucesso da EDP
Fazila Ahmad falou de dois casos de sucesso já implementados na EDP. O ‘Fishnet Vision’, «implementado em três barragens», consiste «numa solução de video analytics para identificar peixes nas eclusas das barragens e deixá-los passar, para não afectar os ecossistemas». Antes do uso de IA, os «biológos olhavam para as câmaras subaquáticas para identificar espécies e número de peixes» e em «40% do tempo acontecia nada»; este sistema conseguiu uma taxa de sucesso na eficiência operacional «entre 79 a 95%».

O outro projecto trazido pela responsável foi o ‘Vega Analytics’, uma ferramenta de machine learning que «prevê e monitoriza o crescimento da vegetação junto a redes de média/alta tensão e optimiza as operações de poda». Este sistema usa «drones e computer vision para prever o crescimento das espécies e fazer manutenções apenas quando é preciso», em vez das programadas, e «dá prioridades aos locais mais urgentes». A responsável destacou como mais-valias, a «eficiência, segurança e satisfação dos colaboradores e prestadores».