Reportagem

Portugal terá de ser mais «eficiente» para se tornar num País de unicórnios

Ter menos burocracia será vital para que o ecossistema empreendedor nacional se possa tornar uma referência mundial, nos próximos anos. Esta foi uma das conclusões do mais recente evento Above & Beyond Hangout, organizado pela Startup Portugal.

António Dias Martins é executive director da Startup Portugal.

A Startup Portugal realiza todos os meses um evento duplo que reúne os players do ecossistema empreendedor, para debater os desafios desta comunidade: em Lisboa, acontece no Ferroviário e, no Porto, no Easy at Selina. O Above & Beyond Hangout de Julho foi dedicado a ouvir a opinião das startups, scaleups, founders e todos os que contribuem para o ecossistema aproveitando que a entidade está a formular a Estratégia Nacional de Empreendedorismo 23-26.

António Dias Martins, executive director da Startup Portugal, deu início ao evento com um resumo do que a ONG tem feito no último mês, nomeadamente a «definição das próximas etapas no que diz respeito à nova Lei das Startups», que entrou em vigor a 26 de Maio. Caracterizado como um «passo importante para o ecossistema», esta lei define, «pela primeira vez, em Portugal, o que é uma startup e uma scaleup, estabelece um quadro legal para estas empresas e um novo regime fiscal para as stock options, um dos mais competitivos da Europa».

O responsável realçou ainda o tema do hangout: «Este mês lançámos a discussão sobre a segunda parte da Estratégia Nacional para o Empreendedorismo. Temos um conjunto de medidas importantes já implementadas desde 2022 e agora com a nova Lei, estamos em posição de reforçar e criar um novo grupo de medidas para o período até ao final de 2026. Actualmente, estamos a receber contributos de todos os que participação no ecossistema e este evento também faz parte desta audição.

Melhorias são indispensáveis
Sobre a nova Lei das startups, Alexandre Mendes, head of ventures & strategy da Subvisual, salientou que «finalmente existe uma lei com os fundamentos para se começar a discutir os temas relacionados com o empreendedorismo» e que «vão ser necessários ajustes e melhorias», mas que é «sempre mais fácil melhorar, que começar do zero». O responsável salientou que é preciso perceber que Portugal está a «competir globalmente» e que, por isso, é necessário que o País seja «mais assertivo e até agressivo» se quiser acompanhar «outros países e outros ecossistemas».

A co-fundadora da Bairro, Milana Dovzenko, esclareceu que é «importante para o ecossistema que diversas pessoas, entidades e o governo tenham trabalhado em conjunto na Lei». A responsável explicou que são precisas alterações para que as startups se desenvolvam: «Temos de melhorar a regulamentação e os procedimentos fiscais para reduzir a carga administrativa que as startups têm. Temos também de trabalhar na criação de um local onde estas empresas possam ir e resolver todas as questões, seja incentivos, impostos, fundos e saber como se podem internacionalizar, para ajudar o ecossistema a crescer».

Ana Marcela, a jornalista que foi a moderadora do debate, com a co-fundadora e CEO da Bairro, Milana Dovzenko.

Eficiência e vistos mais rápidos
Milana Dovzenko acredita que Portugal é um «país fácil para atrair talento pelo estilo de vida, pelo Sol, pela comida e pelas pessoas». No entanto, não é suficiente, porque «tudo em Portugal é muito burocrático e manual» – isto impede que se consigam manter os profissionais e que as startups se tornem scaleups e unicórnios: «Deveríamos criar ferramentas digitais que tornassem os processos de legalização simples e fáceis de usar e tornassem Portugal tão eficiente, que as pessoas iam querer vir para cá por isso; assim, conseguiríamos atrair e reter o talento de que necessitamos, para crescer».

Para Alexandre Mendes, está a acontecer uma «afluência de talento como nunca visto» e o País tem de «decidir se quer ou não cativar esses profissionais para ficarem cá e crescerem». O head of ventures & strategy foi muito crítico da situação actual e reforçou o que foi dito pela co-fundadora da Bairro: «Infelizmente, ainda estamos a dar os primeiros passos e, para já, é preciso, simplesmente, que o SEF funcione outra vez. A quantidade de pessoas que está à espera de uma resposta para conseguir visto e ficar no País deve preocupar-nos a todos. Temos de nos certificar de que isso se resolve e que Portugal é eficiente. Portugal pode desempenhar um papel fundamental e estratégico como plataforma para a Europa e até para os EUA, mas é preciso que o País funcione».

Investimento, sobretudo, estrangeiro
Outras das áreas que fará parte da Estratégia Nacional de Empreendedorismo é o investimento que, no caso das startups nacionais, é maioritariamente proveniente de fundos estrangeiros. Milana Dovzenko disse que a resposta para existirem mais investidores nacionais pode estar em ter «plataformas de crowdfunding que permitam que qualquer pessoa invista facilmente e legislação que proteja os investidores». Além disso, a responsável indicou que se devia «trabalhar para que os principais fundos estrangeiros abram escritórios em Portugal e estejam mais perto das startups nacionais».

Alexandre Mendes, por sua vez, sublinhou que acredita que a legislação pode ter um «papel importante na atracção de investimento e oferecer incentivos para que mais pessoas se possam tornar investidores e business angels». O responsável afirmou ainda que «há um preconceito social contra os grandes fundos internacionais, mas que é preciso ultrapassar» esta situação. O responsável lembrou que isto é «importante para o ecossistema local e para posicionar Portugal como uma plataforma global para a construção de startups».

Escalar é preciso
A Bairro é uma das startups que está no Programa Scaling Up da Unicorn Factory Lisboa. Milana Dovzenko afirmou que este é um «grande passo para a comunidade», porque antes só «existiam apoios para startups em fase inicial» e que, depois, as «scaleups tinham de sair do País». A responsável revelou que um dos temas importantes neste domínio é «apoiar as empresas portuguesas a internacionalizarem-se com um programa que ajude a explorar as diferentes estratégias de entrada nos mercados externos, oportunidades de localização e estabelecerem ligações com os principais líderes do sector e com programas de aceleração». Apesar de algumas reservas, a empreendedora mostrou-se optimista: «Penso que há muito trabalho a fazer, mas estamos no caminho certo e contamos com o apoio do Governo, o que é extremamente importante para um ecossistema».

Fundão: uma abordagem diferente
A Startup Portugal assinou um memorando de entendimento com a Câmara Municipal Fundão que oferece vantagens fiscais a startups e respectivos colaboradores que se estabeleçam neste concelho do interior. Toni Barreiros (arquitecto da Câmara Municipal Fundão e manager da Fundão Innovation Area, que também participou neste Above & Beyond Hangout) garantiu que o município tem de ter uma abordagem distinta para atrair as empresas: «Somos uma cidade pequena e, por isso, temos de ser criativos e arranjar soluções diferentes para os problemas. Oferecemos certos benefícios, como é caso do alojamento, e temos uma equipa dedicada a esta área para ajudar quem se quer estabelecer a encontrar casa e escola, para quem tem filhos – isto é um dos aspectos diferenciadores que oferecemos a quem quer trabalhar no Fundão».