Reportagem

IDC: o futuro da inteligência artificial passa pela literacia dos dados

Num evento dedicado à inteligência artificial (IA) e à automação, a consultora explicou a estratégia que as organizações devem seguir, se querem ter sucesso na implementação destas tecnologias.

O IDC Future of Intelligence, AI & Automation 2022 falou de como o machine learning e a IA já estão a começar a ser aplicados nas empresas nacionais e de como podem, no futuro, ajudar as organizações a lidar com a complexidade trazida pela “explosão” dos dados e da conectividade.

Bruno Horta Soares, leading executive advisor da IDC Portugal, começou por referir que a transformação digital «é uma evolução eminentemente tecnológica e muito mais acelerada que aquilo que a capacidade cognitiva do humano é capaz de entender». Assim, é necessário que exista uma «cultura e formação» para lidar com o processo que envolve a «conectividade da organização com outras organizações, a relação do homem com a máquina e o extravasar do core organizacional para uma missão de ecossistema».

O responsável disse que a COVID foi um desafio que se pode designar como uma incerteza e que isso vai continuar a existir na vida das empresas, sob outra forma. Desta forma, as organizações que se preparam «para cada um destes acontecimentos em separado não estão verdadeiramente a transformar-se para terem capacidade de acompanhar a mudança e de serem resilientes».

Bruno Horta Soares deixou o aviso de que o RGPD «foi uma brincadeira de meninos» e que aquilo que vem aí do «ponto de vista de regulações e leis desde inteligência artificial, à segurança para transferência de dados é uma avalanche». As organizações que ficaram «inundadas com o tema do RGPD, vão ter agora um colapso»; se «continuam a tapar buracos e apagar fogos, então tem um problema muito sério». O leading executive advisor alertou, contudo, que agora não é tempo de «parar com a transformação», mas sim de avançar para «uma redefinição do valor pela utilização de tecnologias avançadas». Para o responsável, a IA e a automação «podem de facto ajudar quando há extrema complexidade e uma explosão de dados».

A importância dos dados
As organizações «não sentem verdadeiramente que os dados são o novo petróleo, não sentem verdadeiramente que estes são uma matéria-prima» e a prova disso, segundo Bruno Horta Soares, é que «não sabem quantos dados têm».

O responsável esclareceu que enquanto as organizações «não conseguirem quantificar os dados que tem, não vão saber aquilo que é mais importante: saber se estão a evoluir, a crescer nesta matéria-prima ao ritmo que era esperado» e explica por que é que este facto é tão importante: «Na IDC, acreditamos que o volume de dados está a crescer a 23% ao ano e que é esta a métrica que as empresas devem usar para saber se estão a crescer. O problema principal é não saberem o ponto de partida e saber, seque, se arrancaram». E para lidar com a explosão de dados «são precisas máquinas», como revela um estudo da IDC que mostra que 75% das organizações vão ter uma colaboração homem-máquina e que os «humanos, não devem ter medo de dizer que não conseguem lidar com tanta complexidade». Além disso, Bruno Horta Soares salientou ainda que ter IA deve ser uma questão de previsão: «Não queremos máquinas para nos dizer melhor o que é que aconteceu no passado, nem sequer para ter insights do que está a acontecer no presente; o queremos é máquinas para saber o que vai acontecer no futuro».

A literacia será fundamental
Para que as empresas vinguem nesta situação e se tornem «mais data-driven», tem de existir uma «meritocracia dos dados», ou seja, o «acesso aos dados a quem efectivamente os utiliza e premiar quem toma decisões com base em dados», adiantou o responsável. Bruno Horta Soares disse ainda que o futuro da inteligência é «conseguir orquestrar a capacidade de sintetizar e aprender com os dados e escalar a forma como se comunica a informação», mas que é preciso também «formação contextualizada com casos de uso de literacia de dados e cultura de dados» para transformar as organizações.

O responsável destacou que, para chegar à literacia dos dados, há que «percorrer um caminho e definir prioridades para se perceber a relação entre os vários temas» e que só assim «é possível vencer». O responsável terminou a dizer que dar formação em literacia dos dados é «combater a desinformação das pessoas», já que a «ciência diz que a incapacidade das pessoas é não conseguir não aprender». Assim, sublinhou a importância deste facto: «A cada momento que não estiverem num programa formal de literacia dos dados, os vossos colaboradores continuam a aprender, mas a aprender o que não querem que eles aprendam e outras visões/abordagens que não aquelas que a organização gostaria que eles aprendessem. Portanto, as pessoas estão sempre a aprender, quer queiramos, quer não, e a única solução é sermos nós a dar formação, alinhados com o que queremos».

Líderes digitais de Portugal
No painel que reuniu quatro grandes players de transformação digital e IA em Portugal, foram dados exemplos do que estão a fazer. Elisabete Fonseca, data strategy & transformation lead na Galp, revelou que a empresa «criou um data office há cerca de dois anos para lidar com dados de forma transversal e estratégica»; a empresa desenvolveu ainda o «seu o primeiro use case que pretende escalar» e criou um «programa pioneiro de literacia de dados para os colaboradores». Este programa tem «diferentes cursos» conforme as competências existentes e necessárias e um destinado a cargos de liderança.

Já Nuno Brás Pinto, CIA e CRMA dos Lusíadas, disse que os hospitais do grupo têm uma certificação que «atesta que os dados e a tecnologia são usados na tomada de decisão e que verifica como isso melhora os cuidados de saúde», o que obrigou os Lusíadas a garantir «a governança, a segurança e qualidade» dos dados que tem e usa. O responsável disse que a «inovação faz parte do ADN da entidade» e referiu alguns exemplos como o «assistente virtual de marcação de consultas LUSI e o portal digital» que ajudam «a melhorar a experiência dos doentes e clientes».

No caso do sector financeiro, Ricardo Chaves, director executivo do Centro de Excelência de Inteligência Artificial do BPI, salientou que «tudo nasceu de uma visão de transformar o banco em IA-fisrt, ou seja, a tecnologia é usada em qualquer função core onde exista oportunidade de criar impacto através da inteligência artificial». Para isso, o BPI, foi buscar inspiração aos «nativos digitais como a Amazon», de forma «a aproveitar o rico ecossistema dados que o banco tem» e aproveitou o «conhecimento do grupo» ao qual pertence, o CaixaBank. Hoje, os dados são usados em três situações fundamentais: «Oferecer serviços digitais com personalização», na área de «risco e compliance» e na «eficiência do serviço», em que se recorre, por exemplo, a «robótica e chatbots».

Por último, na área dos seguros, Ricardo Jorge Gonçalves, advanced analytics director da Fidelidade, referiu que os projectos tiveram início há «cinco anos», com «foco na analítica avançada». A ideia foi tirar partido das «novas tecnologias para servir o negócio e criar valor». Esta seguradora usa inteligência artificial e machine learning em diversos serviços e tem, entre outras ferramentas, «speechbots, assistentes digitais, classificação de e-mails e algoritmos para leitura/interpretação de documentos como declarações de acidentes amigáveis». Para o futuro, o responsável da Fidelidade quer «implementar metodologias de MLOps» para «conseguir responder às áreas de negócios».