Usar drones para entregar produtos à distância é um dos recursos que tem sido explorado nos últimos anos por grandes empresas de retalho: é o caso da Amazon. A multinacional criou o serviço Prime Air e, em Agosto de 2020, recebeu a aprovação da entidade reguladora de aviação dos EUA (FAA – Federal Aviation Administration) para fazer entregas de encomendas com recurso a pequenos drones.
Fazer chegar um órgão a um hospital para um transplante não está propriamente ao nível de entregar um livro de JK Rowling a um fã de Harry Potter, e a ByOHope (que tem alunos da Escola Superior de Enfermagem de Lisboa e da Universidade do Minho) sabe bem os desafios que estão… no ar: «Criar uma aeronave de raiz e a caixa transportadora de órgãos acarreta imensos riscos. Para colmatar isso estamos a considerar cerca de três anos para testes para garantir que nada falha. Esta aeronave tem de ter a mesma fiabilidade que uma aeronave de transporte de passageiros», garante Paulo Ferreira, líder da equipa. O mesmo lembra ainda que «um sistema integrado de controlo/verificação das plataformas em funcionamento em tempo real» é outro «ponto desafiante», já que será preciso ter uma solução que permita a «constante verificação do estado do órgão durante todo o transporte» por parte das equipas envolvidas neste processo.
Drones com ventoinhas? Não, obrigado
Actualmente, a ideia de ‘drone’ está muito ligada a um aparelho voador com, pelo menos, quatro braços e outras tantas ventoinhas, e relativamente lento – é principalmente por esta última característica que a ByOHope afasta a possibilidade de a solução final ser esta: «Este tipo de plataformas (drones), não é a mais adequada para a missão de transportar órgãos, pois este tipo de veículos é projectado para vigilâncias ou inspecções onde a baixa velocidade é o ponto fulcral do desenvolvimento», lembra Paulo Ferreira. Como é fácil de imaginar, o transporte de órgãos precisa de ser o mais rápido possível, pelo que o drone usado neste projecto tem de ter como principal “arma” a velocidade.
De acordo com os dados apurados nos testes da ByOhope, o veículo aéreo terá um aspecto mais próximo de um planador, com uma envergadura de asa com «cerca de cinco metros» e uma velocidade «próxima dos 300 km/h». A autonomia será ainda outro factor fulcral – Paulo Ferreira fala em mil quilómetros, uma distância (em linha recta) que daria quase para fazer duas viagens seguidas entre Melgaço e Faro (cada uma delas com 564 km). Contudo, há uma característica dos drones que a ByOhope quer usar no projecto: a descolagem e aterragem vertical (VTOL). «Possivelmente não existirão soluções 100% adaptáveis como, por exemplo, na descolagem, mas esse será um ponto a verificar mais à frente», salvaguarda o líder da equipa.
Pensar fora da caixa vale investimento de um milhão
“Resolvida” a questão da velocidade, a ByOhope tem de se debruçar sobre a caixa de transporte em si e que não pode ser uma simples arca frigorífica, uma vez que, como já dissemos, tem de haver um sistema que faça a monitorização do estado do órgão em tempo real e de uma forma constante. «Vamos ter duas soluções: a primeira seria a adaptação de um tipo de arca de transporte para transplantes dentro da aeronave e a segunda passaria pelo desenvolvimento também da própria caixa de transporte de órgãos». A alternativa mais simples seria primeira, uma vez que a caixa já está «certificada» e que o desafio passaria apenas pela «adaptação» da mesma à aeronave – porém, a equipa deparou-se com um problema: «Verificámos, na nossa visita ao IPST (Instituto Português do Sangue e da Transplantação), que estas caixas têm enormes volumes, o que dificulta a integração na aeronave». Assim, não está fora de hipótese desenvolver uma caixa própria com um «formato completamente aerodinâmico, com refrigeração e energia própria e com sensores capazes de medir as características do órgão em tempo real».
Aqui, entra em campo a certificação, que tem de ser dupla: a da própria aeronave, que terá de decorrer num processo semelhante ao que é feito para uma «aeronave de transporte de passageiros em serviço de urgência» e a do transporte em si: «o processo, a caixa térmica, os conectores, as ligações», além do sistema que permitirá ter dados em tempo real. Por tudo isto, a ByOhope diz ser necessário um investimento «perto de um milhão de euros» para ser aplicado em «cinco a seis» anos.
Infarmed e universidades na lista de parceiros
Em 2021, a ByOhope não se compromete com o avanço de um projecto-piloto, até porque os membros são todos «trabalhadores estudantes» e o desenvolvimento terá de ser feito sempre fora do horário laboral. Certo é que vão existir parceiros de desenvolvimento cuja missão será ajudar este projecto a levantar voo: IPST, Infarmed e várias universidades (a da Beira Interior, a Lusófona do Porto e a Escola Superior de Enfermagem de Lisboa) que já foram contactados – há ainda mais que estão numa fase preliminar de abordagem. «Até ao momento, todas as entidades com quem falamos se mostraram disponíveis para trabalhar num projeto tão aliciante e tão necessário para Portugal como os drones para transporte de órgãos», diz Paulo Ferreira.
A promotora do concurso também promete estar sempre ao lado deste projecto: «Tal como nos anos anteriores, a Takeda vai manter-se em contato com a equipa vencedora para apoiar o desenvolvimento e aplicação futura desta inovação, em prol dos doentes e do sistema de saúde nacional», garante Nuno Carvalho, customer excellence lead da farmacéutica, que considera ainda o facto de esta solução poder «ajudar a diminuir contacto desnecessário, garantindo o transporte não humano de emergência e urgência» de órgãos em tempo de pandemia.
Quanto custa transportar um órgão?
Apesar de a ByOhope também querer usar o drone para fazer o transporte de material médico, os órgãos serão mesmo o “passageiro” principal. Paulo Ferreira pega no exemplo dos transplantes renais para dar uma ideia dos custos deste processo: «Um paciente em diálise corresponde a cerca de 539 euros por semana, ou seja em dez anos custa ao estado aproximadamente 280 mil euros. Por sua vez, um órgão transplantado, ao fim de dez anos, custa ao estado cerca de 120 mil euros». O objectivo da ByOhope passa por adoptar um plano de negócio que passa pela diminuição destas despesas: «Queremos oferecer um valor mais baixo que os meios actuais, o que significa que se irá fornecer um serviço mais acessível, mais seguro e mais rápido que o meio aéreo actual a um preço mais baixo poupando verbas ao Estado». Segundo Paulo Ferreira, com os drones da ByOhope, esta poupança será na ordem dos 150 mil euros.