A abertura da conferência Banca do Futuro coube a Mário Centeno, governador do Banco de Portugal, que falou dos desafios económicos e financeiros causados pela pandemia e que referiu que um dos legados da situação actual será o «sobre-endividamento do estado e das empresas não financeiras», o que pode levar «à redução do investimento, da competitividade e crescimento económico». O sobre-endividamento e consequente crise financeira das empresas poderá afectar a banca e por isso «é necessário garantir que a resiliência do sistema bancário». O governador destacou que os bancos estão mais fortes do que na crise global anterior em virtude das reformas regulatórias» e que «hoje são parte da solução ao contrário do que se passou anteriormente em que foram parte do problema».
Mário Centeno esclareceu que, nos próximos anos, os bancos terão de «fazer alterações estruturais substanciais» e entre elas destacou a «a digitalização, a evolução tecnológica e diminuição da pegada carbónica» que estão a ser aceleradas e que «continuaram a sê-lo à medida que saímos da crise».
O responsável acredita que a banca, em Portuga, deve ser um «motor de esperança que dá resposta aos desafios da crise» e salientou que «há um rejuvenescimento na governação das principais instituições bancárias nacionais», um indicador que «demonstra um espírito de renovação do sector».
Digitalização da banca
O economista e professor da Kellogg School of Management, Sérgio Rebelo, afirmou que a pandemia «acelerou a transformação digital nos bancos» e resumiu alguns problemas que a área bancária enfrenta desde a crise financeira de 2007: «Aumento do peso da regulação; taxas de juros muitos baixas ou negativas, o que dificulta a gestão dos bancos; estratégia habitual de transformação de maturidade dá uma rentabilidade muito baixa e é difícil extrair uma taxa de lucro elevada; há muita competição; há questões de cibersegurança, com custos importantes para os bancos; e a quantidade de agências». A estes desafios, o docente acrescentou o facto de o progresso tecnológico estar a acontecer a um «ritmo muito elevado», o que faz com que os clientes tenham altas expectativas. Sérgio Rebelo apontou a Bitcoin como o que poderá ser o futuro das transacções financeiras, comparando-a ao que o Napster foi para o Spotify e Apple Music: «Pode não ser o modelo que vai vingar, mas mostra o caminho a seguir». Para o economista, a banca do futuro vai ser um pouco como as plataformas WeChat e Alipay.
A importância dos dados
Ao nível tecnológico, nos próximos anos, «vai existir certamente uma utilização intensa de dados e de inteligência artificial (IA)» e quem conseguir mais dados, vai ter uma «vantagem competitiva porque vai conseguir oferece melhores produtos e ter mais clientes», salientou. A combinação da «IA e dos insights da economia comportamental são uma fórmula vencedora que trarão personalização e a segmentação e serão fundamentais para o sucesso da banca». Outros aspectos em destaque no futuro da banca são os dados biométricos como forma de identificação, a geolocalização, a internet das coisas e o trabalho remoto.
Sobre os desafios que o sector vai enfrentar, derivados desta digitalização, o professor destacou o «balanço entre a privacidade e a rentabilidade da utilização dos dados»; e «a exploração das internalidades, ou seja, dos comportamentos irracionais do cliente» em que deu o exemplo de uma pessoa que gosta de um determinado produto e gasta muito dinheiro nisso e o banco aumenta o limite de crédito para que possa comprar ainda mais. Sérgio Rebelo disse que a «regulação terá de ter um papel importante» neste futuro.
Por outro lado, o economista realçou «a consolidação dos bancos», que já está a acontecer, e que levará a «uma redução do número de instituições bancárias existentes». Para Sérgio Rebelo, dentro de alguns anos, os bancos podem funcionar mais como «um conselheiro de vida financeira», ou seja, «não tanto para a transações do dia-a-dia, mas para aquelas que se fazem poucas vezes como as poupanças para a reforma e créditos à habitação».