Um dilúvio de dados está a dar origem a uma nova economia. A ‘economia dos dados’, ou ‘segunda economia’, como lhe chamou Brian Arthur, um dos mais influentes economistas da actualidade, ainda está a definir-se. A definir a sua infra-estrutura, a reconstruir os seus negócios e até a sua geopolítica. Ou seja, como define a língua inglesa, é um ‘work in progress’, um trabalho em progresso, longe de estar terminado. Desde logo porque está assente na desigualdade. Senão, vejamos: segundo o The Economist, no último trimestre, as plataformas que dominam a economia dos dados – a Amazon, a Apple, a Alphabet, a Microsoft e o Facebook – tiveram um lucro combinado de 55 mil milhões de dólares, um número superior ao lucro das cinco empresas de tecnologia norte-americanas mais valiosas nos últimos doze meses.
Esta, chamemos-lhe, ‘desigualdade corporativa’ é, em grande parte, o resultado de um efeito bola de neve, no qual grandeza gera grandeza. Uma empresa que consiga recolher muitos dados, por exemplo, pode fazer melhor uso da inteligência artificial e atrair mais utilizadores que, por sua vez, fornecem mais dados. Essas empresas também podem recrutar os melhores cientistas de dados e ter dinheiro para comprar as melhores startups de IA. Cá está, o efeito ‘bola de neve’ em exponencial. A questão é que, à medida que a economia dos dados se expande, este tipo de dinâmica começa a aplicar-se a empresas não tecnológicas e até mesmo a países. Em muitos sectores, a corrida para se tornar numa plataforma de dados dominante está em andamento.
A Tesla é um claro exemplo disto; ou mesmo a Apple e a Google, que esperam obter resultados no sector da saúde. Quanto a países, a América e a China representam 90% da capitalização de mercado das 70 maiores plataformas do mundo, enquanto a África e a América Latina, apenas 1%. As economias dos dois continentes correm o risco de «se tornarem meros fornecedores de dados brutos… enquanto precisam pagar pela inteligência digital produzida, alertou recentemente a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento. Ou seja, fornecem dados mas pagam para ter informação.
Nesta nova economia, vai ser necessário realizar tarefas mais activas, como catalogar imagens ou conduzir veículos de recolha de dados. Esta é a razão pela qual alguns especialistas defendem que a inteligência artificial devia, na verdade, chamar-se ‘Inteligência Coletiva’ já que precisa de muitos inputs humanos. «Algo que as grandes empresas de tecnologia odeiam admitir», menciona o The Economist. Se a história nos pode ensinar alguma coisa, vemos que algumas das anteriores disrupções tecnológicas acabaram por aumentar as oportunidades de trabalho, à medida que novos tipos de emprego surgiam. Na economia dos dados, isso vai ser um desafio, defende Brian Arthur. «A segunda economia será o motor do crescimento e o grande fornecedor de prosperidade, mas pode não gerar empregos, portanto esta prosperidade não será acessível para muitos. Isso sugere que o principal desafio da economia está a mudar: de produzir prosperidade para distribuir prosperidade. A segunda economia produzirá riqueza, não importa o que façamos; distribuir essa riqueza tornou-se o principal problema».
Esperam-se, nos próximos tempos, debates sobre ideias como ‘cooperativas de dados’ e como estas se tornam mais apetecíeis à medida que a economia de dados cresce. De forma encorajadora, tal como Brian Arthur aponta, a humanidade já superou um dilema semelhante. «Na década de 1850, a Revolução Industrial trouxe grandes aumentos de produção, juntamente com as condições sociais dickensianas. Demorou cem anos para as sociedades se adaptarem e algumas nunca o fizeram. Também na economia de dados, levará muito tempo para construir os mecanismos e instituições apropriados. Ninguém ainda se preocupa em demasiado com revoluções e guerras por causa de dados, mas também já não há quem tenha a coragem de descartar essa hipótese».