Reportagem

Banca tradicional tem de ganhar agilidade para “combater” as fintech

As fintech já nasceram no mundo digital, enquanto a banca tem todo um legado para gerir, tornando esta luta ‘desigual’. O debate decorreu no Porto, no auditório da AEP, um fórum organizado pela consultora PSO Knowledge & Communication.

‘Cooperação’, ‘desintermediação’ e ‘colaboração’ são algumas das palavras que ouvimos aplicadas ao mundo das fintech, as financeiras tecnológicas que vieram alterar as regras do jogo da banca e do sistema financeiro, em geral.

Hoje, assistimos a uma fusão entre vários sectores que permite que as pessoas se liguem mais facilmente e ampliem as opções financeiras. Vemos as telco a oferecer novos canais para transferir dinheiro ou as lojas a orquestrarem novos sistemas de pagamento, enquanto as redes sociais introduzem novas moedas. As tecnologias digitais atingem um nível tão omnipresente que as funções bancárias podem ser integradas nos processos de negócios não bancários.

De que forma as fintech vieram trazer dinamismo ao mercado? Que desafios identificam os players e como conseguem manter os níveis reputacionais das marcas e empresas no mundo digital? Estas foram algumas questões levantadas numa mesa redonda sobre ‘O mundo de oportunidades das fintech’ que decorreu no Porto, integrado no fórum ‘A transformação digital na optimização da gestão das empresas’, organizado pela consultora PSO Knowledge & Communication.

Fintech fundamentais no controlo à fraude
O retalho é um dos sectores que mais tem beneficiado com o desenvolvimento das fintech. Gaspar D’Orey, CEO da Dott, plataforma que quer ser o maior shopping online do País, diz que o objectivo da marca é «digitalizar o mercado português», contando para isso com os serviços das financeiras tecnológicas. «As fintech têm um papel fundamental na experiência de compra do cliente final. Não queremos que faça as compras, coloque tudo no carrinho e depois tenha problemas em pagar. O processo tem de ser ágil».

Outro aspecto no qual as fintech são, no entender de Gaspar D’Orey, fundamentais é na área do controlo de fraude e gestão de risco. «Não faltam tentativas de fraude e precisamos das fintech, neste caso quase das techfin, para as detectar». Da mesma forma, o CEO explica que quando querem trazer uma loja para dentro da plataforma, há um foco muito grande na qualidade dessa empresa pelo que o ‘background check’ e a verificação de que tem a “ficha limpa” é obrigatório. «Obviamente, recorremos a empresas tecnológicas que já fazem este mesmo serviço para bancos e seguradoras. Para nós, mundo do e-commerce e do retalho, as fintech são absolutamente fundamentais».

O mundo do retalho e o mundo financeiro têm enraizada uma característica comum: estão em profundo contacto com o consumidor final. «Na parte do retalho, temos vindo a evoluir ao longo dos anos na simplicidade, na personalização do serviço, na capacidade de tornar a experiência do cliente online e offline mais fluída», acrescentou Nuno Miller, chief dgital & information officer da Sonae. Esta evolução tem de ser acompanhada pela tal agilidade na fase de pagamento – que Nuno Miller diz ser um habitual ponto de fricção na experiência de compra -, etapa na qual as fintech vieram trazer mais valor.

«Em Portugal, temos tido bons exemplo de integração bancária em algum tipo de serviços. O Multibanco foi lançado na década de oitenta e foi internacionalmente um ponto de mudança no que é a capacidade de ter serviços transversais aos vários bancos e imputar facilidade na vida ao utilizador. E a verdade é que temos taxas de adopção do Multibanco em Portugal acima dos 50% do ponto de vista de pagamentos». De uma forma geral, resume Nuno Miller, o objectivo é tornar simples a experiência do utilizador por via de uma grande sofisticação e complexidade de tudo que é o ‘backend’.

Colaboração e pessoas
Simão Cruz, cofundador da Portugal Fintech, acrescentou uma palavra ao debate: ‘colaboração’. «As startups têm a capacidade de se focarem em algo muito específico e darem apoio e melhor serviços aos clientes, mas também de servir os outros parceiros», especificou. O exemplo dado por Simão Cruz é o dos computadores. «No início, eram feitos por uma única empresa, que criava desde a máquina ao software. Depois, começamos a ter a Dell a fazer o hardware e a Microsoft a desenvolver o sistema operativo. Mais tarde, outras empresas acrescentaram programas, e por aí fora…».

Mas se é verdade que é na transformação digital que nasce toda esta nova realidade e desafios, há um denominador que para Andreia Madeira, head of open innovation do BBVA em Portugal, nunca deixa de ser comum: as pessoas. «O que mudou não foi a tecnologia, foram as pessoas e a tecnologia mudou para acompanhar a expectativa e a exigência das pessoas. Somos um banco tradicional, com mais de cem anos, mas com um posicionamento em termos de inovação e de comunidade fintech de muita proximidade e colaboração».

A luta da banca tradicional
Uma das razões de êxito das fintech foi o desprestígio de muitos dos players do sector bancário tradicional, defende Pablo Soler Bach, business angel e professor associado da IE Business School. «Em termos reputacionais, as novas gerações são diferentes. Preferem dar os seus dados à Apple que a um banco. Este é um ‘shift’ geracional que vai ter – e já está a ter – um impacto muito grande. Os bancos estão a fazer o seu papel para recuperar essa confiança, mas tiveram anos problemáticos».

Quanto a desafios, a Dott tem o objectivo de crescer no número de transacções e «na redução de fricção para o cliente final, aumentando na percentagem de pagamento aceites. Para isso, precisamos de rapidez». A Dott, apesar de não estar sequer há um ano no mercado, já lida diariamente com milhares de transacções e devoluções e, de forma activa, Gaspar D’Orey diz ser impossível fazê-lo com um parceiro bancário português. «Além de não terem agilidade, há custos associados a estas transacções. Se eu quero fazer devoluções a clientes, não posso ter alguém a colocar quase manualmente cada uma destas transacções porque a escala é gigantesca. Ao mesmo tempo, não posso assumir que vou ter um custo por cada linha de transacção. Neste caso, para devoluções, trabalhamos com o Revolut».

A solução é perfeita? Não, Gaspar D’Orey confessa ter uma série de problemas. «Para B2B não é o ideal, de facto, mas tipicamente na banca tradicional faltam este tipo de ofertas. A banca tem de andar mais rápido, é fundamental para que players como nós tenham um maior leque de oferta para poder trabalhar».

Sempre o melhor produto
Hoje, não vale apenas ter o melhor produto. «É preciso ter sempre o melhor produto», acrescenta Simão Cruz. «De que forma tenho de trabalhar para que o meu cliente me escolha sempre a mim?… Sabemos que é cada vez mais fácil trocar o serviço que estou a utilizar». No mundo das fintech, esta realidade é ainda mais notória já que as contas são abertas entre cinco a dez minutos, tudo habitualmente através de uma aplicação. «E, na maior parte das vezes, o uso é grátis. A capacidade das empresas para fidelizar o cliente é muito mais complicado e a luta é maior. Na indústria bancária isso é muito notório».

Andreia Madeira volta a focar a questão nas pessoas, relembrando que Portugal tem uma população envelhecida, muito pouco digitalizada e até alguma não bancarizada. «Como é que continuamos a dar serviços às pessoas enfrentando a contradição dos caminhos geracionais? Porque continuamos a ter pessoas que não confiam em fazer uma operação através do seu telefone e temos os novos clientes que já só querem operar pelo telemóvel. Dar resposta e ter a melhor solução e produtos para estas duas realidade é um dos grandes desafios».