Relativamente ao desafio da demografia, Sobrinho Simões, conceituado médico patologista e investigador português, assume-se não como um homem dos ‘D’ mas antes dos ‘C’, no sentido de curar, controlar e cuidar. Mas acrescenta um novo ‘D’ para acrescentar à digitalização, desmaterialização e desintermediação: o da desigualdade. «Em termos de desigualdade, não sabemos se em África as pessoas vão sobreviver. Mas na Ásia, vão. Onde vamos caber todos se estamos a tratar cada vez mais a saúde das pessoas e a prolongar o tempo médio de vida?». Com o seu natural e reconhecido humor, Sobrinho Simões deu o exemplo do Japão, onde «simplesmente as pessoas não morrem» derivando muitas vezes em questões como insegurança e solidão. «Em algumas zonas do mundo estamos a ficar velhos, a viver mais e sem crianças, o que é preocupante».
Por outro lado, o patologista, que garante, nomeadamente em Portugal, que a saúde vai ser cada vez melhor – «e não estou a falar de soluções para tipos muito ricos mas de acesso generalizado à população» – há um aumento de doenças como obesidade, diabetes tipo II, inflamações crónicas… «O cancro não vai ser um problema, as pessoas vão morrer de velhas, de insuficiência cardíaca, com demência, vai ficar caríssimo à sociedade. Não vão morrer de cancro, porque vamos curar as doenças, não vamos é curar a velhice».
Para o investigador, estamos a esgotar os aspectos físicos, químicos e biológicos. «O meu maior problema como médico é a falta de atenção. A nova geração não tem atenção, perderam a empatia. Não só esgotámos a sustentabilidade físico-química como rebentámos com a atenção e a empatia». Assim, para Sobrinho Simões, a única escapatória é a educação o mais eficiente e o mais cedo possível».
Sustentabilidade e descarbonização
Tudo isto leva a um segundo desafio: o desenvolvimento sustentável e a descarbonização. «Uma coisa está ligada à outra. Sabemos que os indicadores de emissões de CO2 estão intimamente correlacionados com o crescimento económico. A equação que importa resolver é como é que vamos continuar a aumentar o PIB, como vamos conseguimos ter crescimento económico mundial e, ao mesmo tempo, reduzir as emissões já que sabemos que essas emissões estão a contribuir decisivamente para o aquecimento global», defende Rui Coutinho.
Há, por isso, que pensar o crescimento inteligente, nomeadamente do ponto de vista das empresas, com impacto positivo nas pessoas, no planeta e também nos lucros resultados. «Temos de começar a pensar no valor desta forma e não apenas através de dividendos accionistas», reflectiu o professor.
Digitalização e desintermediação
É claro que digitalização teria de fazer parte de todo este processo. Mas, para este professor, tem de ser pensada para além da buzzword ‘transformação digital’ que ouvimos em todo o lado. «Nesta equação, o mais importante é a palavra transformação. O digital acontece, a tecnologia está a ser desenvolvida, há uma economia florescente a esse nível mas o que nós fazemos com o digital é que vai ser relevante». Importa, por isso, salienta o executivo, encarar estes fenómenos e perceber que eles geram outros fenómenos conexos, como o da desintermediação, que espoleta novos desafios. «Hoje já não necessitamos de intermediários para comprar seja o que for. Há marketplaces que nos permitem comprar directamente o que precisamos a outro cidadão. A forma como obtemos informação é igualmente preocupante. Usamos as redes sociais que não têm informação mediada ou filtrada, com fenómenos como as ‘fake news’ a nascerem. Estamos literalmente a desintermediar a forma como obtemos a informação e como pagamos essa informação», diz Rui Coutinho.
As criptomeadas e o fenómeno da desintermediação no sistema financeiro – com as fintech e os novos players a funcionarem como elemento disruptores deste sector tão tradicional – foi ainda mencionado pelo director executivo. «Esta desintermediação tem a sua origem na desconfiança. Cada vez confiamos menos».