A Fundação Dr. António Cupertino de Miranda, no Porto, acolheu a primeira edição do MOB LabCongress, um evento que reuniu profissionais dos sectores dos transportes, tecnologia, energia, telecomunicações, ambiente e inovação, que debateram os desafios e as ameaças de todo este novo mundo da Transformação Digital.
Estamos a passar por uma transformação profunda quer das comunidades, das sociedades, mas também no conceito de empresa, de organização e das tecnologias associadas ao desenvolvimento económico. A mensagem foi transversal a praticamente todos os oradores presentes na primeira edição do MOB Lab Congress que decorreu na cidade do Porto.
José Pedro Rodrigues, vereador dos Transportes e Mobilidade da Câmara Municipal de Matosinhos, acredita ter chegado o momento da necessidade de avaliar o impacto destas transformações na vida das empresas, das instituições e organizações, nos seus modos de funcionamento e, naturalmente, nas oportunidades criadas mas também nas ameaças que estas roturas em termos de transformação digital geram.
Num painel que debateu precisamente as oportunidades e ameaças inerentes a uma transformação digital, Alcino Lavrador, general manager da Altice Labs, assevera que o ritmo dessa transformação tecnológica e digital a que hoje assistimos é «elevadíssimo», classificando-as mesmo de «alucinante». E deu alguns curiosos exemplos. O telefone demorou 75 anos a chegar a cinquenta milhões de pessoas. A rádio, já só demorou 38 e a televisão, 13 anos, número que a Internet alcançou em quatro anos, o Facebook em dois e o Twitter… em dez meses. «Este ritmo é provocado pela hiperconectividade que hoje existe. Estamos ligados uns aos outros e às coisas. E as coisas estão ligadas entre si».
A era pós-Netflix
Alcino Lavrador diz que este novo poder de conectividade basicamente permite que um conhecimento ou um evento gerado em determinado local seja facilmente conhecido em outro, ao qual se acrescenta mais algum valor. «Esta espiral de criação de conhecimento resulta em inovações constantes, em transformações que mudam a nossa forma de trabalhar, de viver, de nos divertirmos e de nos relacionarmos». Algo que, confessa, tem impacto nos negócios. «Lembro-me de ir a clubes de vídeo buscar cassetes para ver filmes, com a Blockbuster a ser uma grande multinacional de aluguer, entretanto desaparecida, substituída pelo streaming de vídeo, sendo a plataforma Netflix o exemplo mais conhecido».
A mesma situação se passa na música. Ainda há muitas lojas, mas de facto «o seu futuro não será muito promissor» tendo em conta que também já existe este serviço em streaming, permitindo comprar uma música e não um conjunto de dez ou quinze faixas, como antes. «Vivi uns anos em São Paulo. Em 2003, quando cheguei, a primeira coisa que tive de fazer foi comprar o então ‘Guia Quatro Rodas’, que me ajudava a ir para todo o lado. Quando saí de lá, em 2007, já havia GPS».
A revolução no sector dos táxis, com os Uber e Cabify do mercado, serviços assentes em plataformas digitais, é outra das inovações. «Já não me recordo de ir a uma agência de viagens e também já não vou a bancos. Tudo se está a transformar». O exemplo mais paradigmático de uma entidade que não se adaptou a esta transformação foi a Kodak. Inventou a fotografia digital, mas acabou por sucumbir à “criatura” que criou porque não se conseguir adaptar a essa transformação.
«Diria que estes ‘enablers’, estas alavancas de transformação, se sustentam na conectividade. Depois, igualmente têm uma forte base no poder computacional. Hoje, temos no bolso um computador muito mais potente do que os primeiros, que ocupavam salas inteiras. Todo este mix de tecnologias resultaram numa brutal transformação».
O poder da sensorização
A sensorização é outros dos aspectos que mais tem vindo a “ganhar terreno”, potenciando a tão afamada Internet das Coisas. «No smartphone temos hoje doze sensores que nos permitem identificar 36 actividades distintas. Prevê-se que nos próximos três anos esses sensores passem para 21, sendo por isso capazes de identificar muitas mais coisas», ilustrou Alcino Lavrador. Além de que tudo isto, todas estas coisas, produzem uma generosa capacidade de dados.
Acontece que 90% dos dados gerados desde a origem da humanidade foram produzidos… nos últimos dois anos. «E nem sequer 1% desses dados foi analisado. Há todo este conhecimento que é possível extrair através da informação que geramos mas que tem de ser tratada e analisada por forma a se transformar em informação válida e útil. Obviamente que esta capacidade inteligente, seja inteligência artificial ou aprendizagem automatizada, vai trabalhar esses dados».
André Dias, head of intelligent systems e moblity business unit no CEiiA ilustra o avançar do tempo uma imagem icónica muito interessante. Uma rua de Nova Iorque que em uma imagem de 1900 tinha apenas um carro e o resto eram carruagens, enquanto na imagem de 1920 figurava apenas uma carruagem naquela rua, sendo o resto automóveis. «Hoje, o fenómeno é o mesmo. Na Praça do Vaticano, quando antes se viam isqueiros e velas, hoje vêem-se smartphones».
O mesmo responsável lembrou o facto desta transformação ser muitas vezes adjectivada de ‘desumanização’, «já que nos afastamos cada vez mais do mundo real, manifestando valências que muitas vezes não as conseguimos manifestar de outra forma».
A questão do trabalho e a forma como hoje atraímos o talento para criar desafios nestes domínios é outro dos reptos da actualidade, diz o responsável. «Há ainda que analisar quais as novas lógicas de trabalho que a transformação digital induziu, como por exemplo o uso das novas plataformas de comunicação. Hoje, usamos o WhatsApp como ferramenta imediata de comunicação de resolução de problemas mesmo nas empresas».
Diz André Dias que as pessoas que hoje querem trabalhar no CEiiA, e em outras instituições deste género, procuram flexibilidade no local de trabalho, no ambiente. «Trabalhar em conjunto estando longe e integrados em rede é um enorme desafio. Actualmente é muito difícil juntar quarenta ou cinquenta pessoas no mesmo dia, no mesmo local». Todas estas novas dinâmicas do entender deste responsável, «estão a transformar-nos enquanto organização».
O frenesim da recolha de dados
Coleccionar dados parece ser um novo “desporto” empresarial. André Dias fala em «frenesim de recolha de dados», levando a uma inevitável dificuldade no seu armazenamento. «Mas há um potencia gigantesco nestes dados. O problema é que não temos capacidade de os analisar em contexto e criar valor. No nosso caso, já temos projectos em vários continentes e com milhares de veículos e coisas conectadas. Gerir o manancial de potencial conhecimento que está ali inserido é algo que nos desafia».
Outra questão interessante que esta transformação tem trazido é a da valorização quando falamos em bitcoins, no fenómeno Blockchain e em geral na criação de novas moedas. «Tudo isto leva à criação de novas economias, agora geradas em activos digitais. A nossa esperança em particular é conseguirmos fazer esta articulação entre o mundo físico e digital e conseguimos recompensar e criar valor efectivo.
No caso do CEiiA, o desafio é como conseguir, a partir da transformação da mobilidade – que queremos e as cidades querem – gerar economias para o planeta e contribuir para alcançar a sustentabilidade ambiental no futuro. Isto enquanto transformamos todos estes desafios em valor transaccionável. Porque o valor é, e será cada vez mais, em torno da qualidade de vida das pessoas».