Reportagem

MUDA quer tornar o digital por defeito

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O Movimento pela Utilização Digital Ativa quer que, por defeito, passemos a usar o digital. O denominado ‘digital by default’ é a grande desígnio do MUDA, que reuniu no Porto um lote de especialistas para debater a matéria.

Nasceu em Maio e quer tornar o ‘digital by default’. Ou seja, o digital por defeito. O MUDA (Movimento pela Utilização Digital Ativa) não quer erradicar o analógico, o não digital. Não quer “obrigar” a que todos estejam ligados num mundo desde logo hiper-conectado. Mas tem entre os seus objectivos trazer mais consciência, eficiência e dotar os cidadãos e empresas de ferramentas que os tornem mais competitivos. E, por isso, a organização da conferência que aconteceu na Porto Business School, precisamente designada ‘Digital by Default’, quer ser muito mais que uma conferência. Quer ser uma atitude.

Copo meio cheio

Mas primeiro, vamos ao enquadramento. Alexander Riedl, representante da Comissão Europeia, “coloca” Portugal a meio da tabela que mede o índice de digitalidade da economia e da sociedade, o denominado DESI. Segundo este responsável, este ano o país melhorou a sua pontuação em todas as categorias, com excepção dos serviços públicos digitais. Os maiores progressos registaram-se na adopção da banda larga fixa e móvel, bem como na utilização das tecnologias digitais por parte das empresas. Assim, admite que a melhoria dos níveis de competências digitais da população é o maior desafio de Portugal.

Mas, estando a meio da tabela, deveremos ver o copo meio cheio, ou meio vazio? À businessIT, Alexander Riedl diz que é justo vê-lo das duas formas. Primeiro, meio vazio, já que Portugal ainda não está entre os países de topo neste capítulo, um grupo liderado pela Dinamarca, Finlândia e Suécia. «Mas há muito potencial e isso é um aspeto muito positivo». No entanto, Riedl alerta que este «potencial não se converte automaticamente em progresso», pelo que «algo tem de ser feito pelos distintos actores, nomeadamente Governo, autoridades públicas, empresas…». E este «algo» a que se refere o representante da Comissão Europeia é, entre outros, dotar a população e a força de trabalho de competência digitais. «São necessários mais profissionais qualificados nas Tecnologias de Informação e Comunicação não só nas grandes empresas, mas também nas pequenas estruturas empresariais por forma a que o digital aconteça».

Apresentação MUDA

Os entraves ao digital

São precisamente movimentos como o MUDA que Alexander Riedl considera essenciais para esta consciencialização digital e que, por isso, «todos os países deviam ter um». «E pode citar-me!!», disse o representante da Comissão Europeia.

Alexandre Nilo Fonseca, diretor deste Movimento pela Utilização Digital Ativa e um dos mais influentes actores do panorama nacional das TIC dos últimos 30 anos, explicou à businessIT que a ideia não é, por exemplo, acabar com todo o papel. Antes, é apenas manter o papel que acrescente de alguma forma valor. «Gosto de livros, gosto de ler o jornal. Traz valor acrescentado. Obviamente que isso é para manter. Mas não entendo que valor pode ter uma factura guardada numa estante». E se reportarmos isto ao universo empresarial, que «sentido faz ter arquivos de facturas a ocupar espaço, papel que muitas vezes com o tempo perde as suas propriedades e fica mesmo ilegível».

São três os grandes entraves ao digital, diz Nilo da Fonseca.

O não saber fazer é, desde logo, a primeira limitação. De resto, 26% da população portuguesa não tem acesso à Internet nem nunca a utilizou, segundo dados divulgados pelo MUDA. Outro universo são as pessoas que, sabendo e tendo as ferramentas, ainda não sentiram a necessidade de o fazer. «Acreditamos que muitos dos portugueses que, por exemplo, ainda recebem as facturas por correio o fazem porque não tomaram a atitude pro-activa de requerer as digitais». O último grupo são as pessoas que até sabem, até querem, mas não podem porque a lei não deixa. «Em certas circunstâncias, é obrigatório assinar. Por exemplo, tenho de assinar um contrato em papel para aderir a um serviço. Mesmo que depois esse contrato seja… digitalizado!»

Ou seja, a ideia do ‘Digital by Default’ é que os consumidores continuem a ter facturas em papel se assim o desejarem, mas que, por defeito, sejam digitais.

Aarne Seppel, jornalista estónio que veio trazer à conferência o caso de estudo da Estónia, um dos países líder digital europeu, dizia que uma das acções tomadas foi precisamente tornarem-se digitais por defeito.

Acreditamos que muitos dos portugueses que, por exemplo, ainda recebem as facturas por correio o fazem porque não tomaram a atitude pro-activa de requerer as digitais.

Alexandre Nilo Fonseca

Mais do que digital

Mas apesar de o exemplo da Estónia ser notável – com os serviços públicos altamente digitalizados e o voto por Internet já “normalizado” –, Portugal «não tem motivo para se envergonhar do que está a fazer no contexto dos serviços e administração pública», disse Pedro Silva Dias, presidente da Agência para a Modernização Administrativa (AMA). Um caminho que está a ser «feito até porque a própria sociedade assim o exige». «As vantagens de todo este mundo digital são demasiado grandes para lhe passarmos ao lado». Basicamente, Pedro Silva Dias diz que o objectivo é que quando interagirmos com um serviço público tenhamos o mesmo tipo de atendimento e serviço do que quando consumimos conteúdos da Netflix, ou realizarmos uma operação de comércio electrónico na Amazon.

Delfina Soares, Head da Universidade das Nações Unidas, vai um pouco mais longe e diz mesmo que a actual realidade impõe o digital por defeito. «Nem que não o queiramos. As tecnologias estão por todo o lado, seja em que contexto estivermos, elas estão lá. O desafio de nos tornarmos digitais tornou-se incontornável». A responsável salientou os inúmeros documentos que vêm sendo publicados que enfatizam a necessidade de serem colocadas em prática o digital por defeito, além de que o digital «permite claros ganhos de competitividade e poupanças, recursos que podem ser alocados para outros efeitos».

Painel apresentação da MUDA

A conferência, que ocorreu na Porto Business School teve ainda a participação do jovem Malik Piara, co-fundador da Upframe, que deu uma curiosa visão de um nativo digital sobre o futuro da sociedade e Domingos Folque Guimarães, co-fundador da Academia do Código, um claro exemplo de como as ferramentas digitais podem catapultar os níveis de empregabilidade.

Jorge Silva Martins, advogado e assessor MUDA para o Programa ‘Digital by Default’, trouxe ainda o sempre relevante enquadramento da legislação para a economia e a sociedade digital.