1. A matemática com vista ao progresso fundamental
Ouvimos muitas vezes muitos dos nossos colegas dizer que a matemática consiste principalmente em provar teoremas. Mas será o trabalho do escritor principalmente o de escrever proposições? A matemática e o seu impacto na indústria das TIC será, certamente, mais do que isso.
Quando jovem estudante, contaram-me a seguinte história e foi uma grande surpresa conhecer o grau de eficácia que a intrusão do imaginário (e, por extensão, da imaginação) pode ter na matemática para resolver problemas inextricáveis: um matemático estava a cruzar o deserto no seu camelo quando encontrou três irmãos que estavam, aparentemente, muito ocupados. O pai deles tinha acabado de morrer e tinha-lhes deixado 17 camelos com disposições testamentárias muito incomuns. Poderá fazer o seu próprio juízo: o mais velho deveria receber metade, o segundo um terço e o mais jovem um nono. Os neurónios do matemático, convidados a dividir um número primo de acordo com o rácio prescrito, encontraram rapidamente a solução: ele adicionou generosamente o seu camelo aos 17 da herança, para que o mais velho recebesse 9, o segundo 6 e o terceiro 3 de acordo com a distribuição em questão. Tendo resolvido o problema, o matemático só teve de concluir com estas palavras: “E agora, devolve-me o meu camelo”.
Esta história fornece os ingredientes básicos da Investigação Matemática e, por extensão, da investigação criativa. Na investigação matemática, a imaginação é mais importante do que o conhecimento. Quando um problema predefinido é colocado e não tem solução, o matemático imagina um novo problema. Tal contraria incisivamente as abordagens clássicas que se ficariam pelos limites iniciais. A nova solução elegante, muitas vezes, não dá resposta às condicionantes iniciais. No entanto, fornece, com frequência, um novo ponto de vista para o problema e uma solução inovadora para a qual há um consenso sobre o facto de que precisamos de mudar as condicionantes iniciais para seguir em frente. Naturalmente, em muitos casos, o problema pode ser resolvido com as condicionantes iniciais, mas os matemáticos ainda têm de se esforçar para generalizar a solução, apresentando, pelo menos, a hipótese mínima requerida. A generalização é crucial em matemática. Tal é muito importante em aplicações de engenharia, pelo que se designa de robustez de uma solução ou, por extensão, de um produto. A qualidade da solução não se deve desviar muito do ideal quando ocorrem pequenas mudanças no problema. Os progressos fundamentais na matemática também costumam basear-se na existência de soluções, sem necessariamente fornecer a construção algorítmica da mesma. Isto soa um pouco como sendo mágico, mas conhece-se como sendo uma prova não construtiva (também conhecida como teorema da existência pura), que prova a existência de um tipo particular de objeto sem fornecer um exemplo. Isto é muito importante e conduziu a progressos fundamentais no campo das TIC. O famoso artigo de Shannon de 1948 “A Mathematical Theory of Communication” apresenta o que é conhecido como a capacidade de um canal, mas Shannon provou isso sem elaborar um esquema de codificação prático para alcançá-lo.
2. Algoritmos para inovações práticas
O que é, exatamente, um algoritmo? Um algoritmo em matemática é um procedimento, uma descrição de um conjunto de passos que podem ser dados para resolver um cálculo matemático. É como cozinhar por uma receita. Foi Al-Khwarizmi, que trabalhou em Bagdade no século IX, quem deu origem ao termo Algoritmo. Os algoritmos são omnipresentes e muitos de nós estão familiarizados com o algoritmo de Viterbi, a Transformada Rápida de Fourier, o algoritmo de “Branch-and-Bound”, o algoritmo da Maximização da Expectativa (algoritmo EM), o algoritmo de Dijkstra, o Gradiente Descendente, o método de Newton ou o algoritmo LLL, apenas para citar alguns. Estes têm um grande impacto no desenvolvimento da indústria de telecomunicações e alguns tornaram-se inevitáveis. O caminho da Matemática Fundamental para os Algoritmos Matemáticos e, depois, para as aplicações de engenharia é um longo caminho. A famosa Transformada de Fourier é um exemplo típico. A ideia da Transformada de Fourier é decompor uma função do tempo nas suas frequências constituintes. Este tópico é ensinado em todos os principais cursos de engenharia elétrica, pois dá uma perspetiva direta do sinal para o processo. Foi o matemático francês Jean-Baptiste Joseph Fourier (1768-1830) quem iniciou a teoria proveniente de problemas de aplicação no âmbito da transferência de calor e vibração. Só após muitos anos se conseguiu obter como resultado um algoritmo para a sua implementação. Embora existam alguns trabalhos preliminares do matemático alemão Gauss sobre a Transformada Discreta de Fourier (DFT), só em 1965 é que James Cooley e John Tukey publicaram o conhecido Algoritmo da Transformada Rápida de Fourier (FFT). A FFT tornou-se, então, o coração de todas as principais inovações tecnológicas, tais como Wi-Fi, ADSL, LTE ou DVB.
3. O que vem a seguir?
Desde 1948, muitas pessoas sentem falta de documentos de referência no nosso campo para orientação. Sentem-se, assim, um pouco perdidas desde Shannon. Será de notar que, de uma perspetiva histórica, 1948 foi um ano-chave no campo das TIC, pois surgiram muitos outros contributos fundamentais. O trabalho de Wiener “Cybernetics, or Control and Communication in the Animal and the Machine” foi pioneiro no campo do Processamento de Sinais com muitas aplicações relacionadas com a deteção, estimativa e controlo para Sistemas de Comunicação. O livro “Theory of Games and Economic Behaviour”, de J. Von Neumann e O. Morgenstern, deu abertura ao campo da Teoria dos Jogos e, de um modo mais genérico, a sistemas de agentes de aprendizagem. Todos estes contributos forneceram os ingredientes-chave durante muitos anos de Investigação Algorítmica. Então, o que projetamos para 2028? Com efeito, nunca tivemos tanta necessidade de ferramentas matemáticas avançadas como agora e algumas novas ferramentas fundamentais já existem para podermos ir além dos limites atuais (Limite de Shannon e Limite de Nyquist, só para citar estes). Durante muito tempo, tentamos aperfeiçoar os mesmos modelos devido à dificuldade de lidar com novos. Mas, como se sabe, não é por ser difícil que não tentamos, mas é por não tentarmos que é difícil.