O Automotive Summit 2025 voltou a colocar Aveiro no centro da discussão tecnológica do sector automóvel. No Centro de Congressos, especialistas, empresas e líderes de inovação da mobilidade reuniram-se para analisar os avanços que estão a redefinir a indústria: da transição para veículos definidos por software à integração da inteligência artificial em sistemas críticos, passando pela modernização de normas globais e pela crescente relevância da microelectrónica. O encontro, promovido pela OPCO Creating Solutions com o apoio da InovaRia e da Mobinov, deixou claro que Portugal tem, hoje, um papel muito mais activo que o de simples fornecedor industrial: está a tornar-se um produtor de tecnologia e de conhecimento aplicado.
Logo na abertura, Pedro Silva, director-geral da OPCO, resumiu o propósito desta edição: «O sector automóvel é uma força motriz da economia, mas também um laboratório de transformação. É aqui que se decide como será a mobilidade dos próximos anos». É precisamente neste ponto que o encontro se distingue: não como conferência de tendências, mas como concentração de engenharia aplicada, investigação e estratégia industrial.
Aveiro como laboratório vivo
A intervenção de Paulo Marques, gestor executivo da InovaRia, reforçou essa visão. «A região de Aveiro é um território-laboratório para o futuro da mobilidade», afirmou, referindo a produção de conhecimento em conectividade, sistemas embebidos, microelectrónica e redes inteligentes. Na mesma linha, Miguel Araújo, managing director da Mobinov, sublinhou que a capacidade de inovação de Portugal depende da articulação entre indústria, academia e centros tecnológicos: «Vivemos uma revolução sem precedentes. A digitalização e a transição energética são inevitáveis, mas têm de ser conduzidas com racionalidade económica e visão estratégica».
O debate técnico começou com uma análise global das dinâmicas competitivas. André Ferreira, da Sodecia EUA, destacou a diferença entre o ritmo norte-americano e o europeu: «A indústria automóvel continua globalizada, mas com dinâmicas regionais muito distintas». A agilidade regulatória e a rapidez de execução surgiram como factores de competitividade decisivos, sobretudo quando comparados com a evolução do mercado asiático. Raquel Laranjeira, especialista em inovação, reforçou a necessidade de um novo posicionamento para Portugal: «Temos de evoluir da excelência industrial para a liderança em inovação. O futuro pertencerá a quem gerar conhecimento e capacidade de integração tecnológica».
Harmonização é essencial
O segundo momento crítico da manhã focou-se nas normas e regulamentos que moldam a qualidade e a logística do sector. Markus Kinds (Schnellecke), Erica Biffi (Pirelli) e Paul Hardiman (Quality Partner), com a participação de Terry Onica e Cathy Fisher, analisaram a nova versão do VDA 6.8 e as alterações previstas no IATF 16949. «O VDA 6.8 representa um avanço importante para processos logísticos mais integrados, com maior foco na cibersegurança e na sustentabilidade», explicou Markus Kinds. Já Paul Hardiman chamou a atenção para um problema transversal: «A multiplicação de requisitos específicos de cliente está a tornar o sistema difícil de gerir. A harmonização é essencial». Da perspectiva dos fornecedores, Erica Biffi foi clara: «Os suppliers de primeira linha vivem sobrecarregados por normas e auditorias que se sobrepõem. Precisamos de um sistema comum e integrado».
A tarde trouxe o tema que acabou por dominar toda a discussão: a redefinição do automóvel enquanto plataforma digital. Daniel Rodrigues e Nuno Monteiro, da Critical Techworks, explicaram a evolução para o software defined vehicle, uma arquitectura em que o valor do automóvel passa a depender da modularidade do software, da capacidade de actualização remota e da gestão inteligente de dados. «O automóvel é agora uma máquina digital. O código é tão determinante quanto o motor», afirmou Daniel Rodrigues. Nuno Monteiro acrescentou: «Os veículos já não são apenas máquinas físicas: são sistemas conectados que evoluem ao longo da vida útil».
A IA na manutenção e fiabilidade industrial
No workshop ‘Tecnologias no Sector Automóvel’, moderado por Jorge Bandeira (InovaRia), a discussão passou para o terreno da engenharia avançada. Hugo Martins (Capgemini Engineering) sublinhou o impacto da inteligência artificial na manutenção e fiabilidade industrial: «Estamos a caminhar para uma automação que aprende e se antecipa». Rui Cardoso (Bosch Car Multimédia) explicou que a conectividade está a transformar o produto e o processo: «Cada componente comunica. Cada sensor gera dados. A fábrica e o veículo tornam-se um sistema único». Da Yazaki, Filipe Ribeiro chamou a atenção para a necessidade urgente de reforçar a cibersegurança «desde o design», enquanto José Rui Simões, da Critical Software, alertou para o facto de o automóvel se ter tornado «uma entidade digital que exige protecção contínua».
A investigadora Susana Sargento, do Instituto de Telecomunicações, trouxe a visão da conectividade avançada: «A comunicação vehicle-to-everything vai permitir uma mobilidade mais segura e eficiente. Portugal tem projectos de referência internacional nessa área». A investigação em redes cooperativas e condução inteligente, desenvolvida na Universidade de Aveiro e em vários consórcios europeus, foi apresentada como um dos pilares tecnológicos que podem colocar o país na frente da inovação automóvel.
A última sessão alargou o olhar para outras áreas da mobilidade. Brígida Lopes, da CP, mostrou como a engenharia inversa e a modernização electrónica estão a prolongar a vida útil das frotas ferroviárias e a reduzir o consumo energético: «Só pela actualização tecnológica das frotas, reduzimos mais de 9% do consumo energético nos últimos cinco anos». João Pedroso, da Aerial Electronics, trouxe o alerta mais contundente: «A Europa continua demasiado lenta na adopção de novas tecnologias. Perdemos competitividade e capacidade de produção. O talento existe, o que falta é visão e coragem».
A sessão terminou com uma mensagem gravada do Secretário de Estado da Economia, que destacou a reindustrialização verde e digital como desígnio estratégico. «Portugal tem talento, capacidade industrial e visão estratégica», afirmou, reforçando a necessidade de liderar áreas emergentes como a microelectrónica, os sistemas inteligentes de transporte e a mobilidade eléctrica.









