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O papel da tecnologia na descarbonização

O mundo dos smartphones, dos serviços de streaming e das redes sociais foi, até agora, alimentado por combustíveis fósseis. Na era da descarbonização, o estado da Europa em 2050 será o resultado dos esforços para tornar o continente verde e adequado para a era digital.

Karsten Wurth/Unsplash

A digitalização pode desenvolver todo um potencial ecológico, sobretudo porque tem o poder de influenciar o presente. A digitalização muda estilos de vida e de consumo, altera a actividade económica ou a organização dos sistemas de energia, das cidades e dos transportes, por exemplo. A digitalização não é uma colecção de tecnologias individuais: o verdadeiro impacto e efeito real da digitalização decorre da interacção em constante mudança de diferentes tecnologias, quando distintos componentes de hardware são interligados em rede e controlados por software inteligente. Isto, segundo os especialistas, é a verdadeira definição de digitalização.

A questão é que, por se estar a desenvolver de forma tão rápida, todos estes processos exigem um elevado consumo de energia e recursos, sobretudo devido ao rápido crescimento do tráfego de dados. Segundo a EY, entre 2017 e 2022, o tráfego global de dados deve triplicar para cerca de quatrocentos mil milhões de gigabytes por mês – o equivalente ao espaço de armazenamento de cem mil milhões de DVD.

O poder do admirável mundo novo dos smartphones, serviços de streaming e redes sociais foi, até agora, alimentado sobretudo por combustíveis fósseis. Assim, em apenas alguns anos – segundo algumas estimativas – a indústria digital causará mais emissões de carbono em todo o mundo do que todo o tráfego motorizado. Aliás, a digitalização já é responsável, segundo dados da EY, por 4% das emissões globais de gases de efeito estufa, quase o mesmo que a participação de emissões combinadas do Canadá e da Alemanha.

Assassino do clima?
A pergunta impõe-se: pode a digitalização tornar-se num assassino do clima? Pode, mas não precisa de o ser, disse à businessIT Artur Mendes, engenheiro especialista em assuntos de energia. «É claro que, analisando assim os dados, podemos cair na tentação de olhar para este processos e transformações como grandes consumidores de energia, neste caso de combustíveis fósseis. Mas isso é apenas ver uma face da questão».

Artur Mendes refere-se ao facto de, ao mesmo tempo que consomem combustíveis fósseis, as soluções digitais promovem a protecção do clima, ar puro, solo intacto e a preservação da biodiversidade. A inteligência artificial ajuda a processar mais resíduos de plástico em plástico para produção. Os têxteis inteligentes transformam itens descartáveis em moda durável e reciclável. As soluções digitais para escritórios, como sistemas de videoconferência, criam alternativas às viagens de negócios. Estes são apenas três dos inúmeros exemplos de criatividade digital. «As soluções digitais não são um fim em si mesmas. A política ambiental de digitalização centra-se no todo. As áreas de aplicação nas quais as tecnologias digitais podem ser usadas no interesse da sustentabilidade são extremamente diversas». A EY cita algumas. O packaging 4.0, por exemplo, que optimiza as cadeias de abastecimento, possibilita a conservação de recursos e evita o seu desperdício desde a produção da embalagem até perdas de produto. Ou os drones, que podem ajudar a semear, fertilizar os campos com mais precisão e proteger os insectos. Ou mesmo as tecnologias blockchain que permitem a verificação internacional de cadeias de abastecimento e valor sustentáveis e podem fornecer documentação confiável e à prova de falsificação de dados do fabricante. «A comunicação transparente sobre a conformidade com os padrões ambientais e sociais, em última análise, permite que os consumidores tomem decisões mais conscientes», defende Artur Mendes. Ou quando pensamos na inteligência artificial para reduzir o desperdício na indústria de alimentos, por exemplo, prevendo a procura do consumidor com mais precisão ou realizando o controlo de qualidade.

Pandemia, acelerador da digitalização
A digitalização pode – deve? – fornecer uma imagem muito melhor e mais transparente do estado do mundo, da natureza e do meio ambiente. No entanto, Artur Mendes defende que a aplicação de novas tecnologias não resulta automaticamente num efeito positivo no equilíbrio ambiental. Por isso mesmo, são várias as consultoras, nos seus inúmeros relatórios sobre esta temática, que garantem ser necessário projectar a digitalização de forma que esta possa contribuir para alcançar os objectivos de impacto neutro no clima. Ao mesmo tempo, defendem a redução do consumo de energia e recursos de combustíveis fósseis para alcançar uma digitalização ambientalmente compatível. «A crise despoletada pelo novo coronavírus está a actuar como um acelerador da digitalização, o que pode ajudar-nos a olhar para o actual momento como uma oportunidade para mais neutralidade climática».