Reportagem

APDC: redes são fundamentais para o futuro da IA

O 34.º Digital Business Congress da APDC mostrou como as redes são, e vão continuar a ser, catalisadoras da inteligência artificial, além de ter reforçado a importância da colaboração entre humanos e a tecnologia. Já o painel ‘Estado da Nação das Comunicações’ voltou a mostrar o descontentamento dos operadores com as políticas da ANACOM.

Rogério Carapuça ©APDC

No congresso da APDC – Associação Portuguesa para o Desenvolvimento das Comunicações, que se realizou na Culturgest, o seu presidente, Rogério Carapuça, sublinhou o facto de a «investigação, a ciência e as empresas» ser uma «associação virtuosa fundamental para uma economia de valor acrescentado». Isto era algo que este responsável desejava ver em Portugal, ao invés de uma economia «pequena e ainda de baixo valor acrescentado».

O responsável deu alguns exemplos disto mesmo: segundo dados do INE de 2022, a média da facturação de todas as empresas nacionais é de 371 mil euros, o que significa que a «empresa média portuguesa não consegue sequer pagar um ou dois bons salários»; depois, os lucros das empresas nacionais são muito baixos – aqui, Rogério Carapuça fez a comparação com a maior empresa dinamarquesa, cujo resultado líquido tinha sido, em 2024, de quinze mil milhões de euros. Assim, mesmo ao juntar os lucros de todas as empresas portuguesas do PSI-20, estes «não chegam» para alcançar esse valor.

Rogério Carapuça salientou ainda que o «dilema» é que apesar de uma economia «pequena e frágil», Portugal fez «um excelente desempenho na área da qualificação» e por isso é preciso tem muito talento e é preciso «instituições de referência», isto é, «empresas nacionais grandes e internacionais, centros de I&D» para que «haja trabalho interessante em Portugal para os atrair».

O presidente da APDC referiu ainda que o sector das comunicações está a «colaborar na modernização da sociedade portuguesa» e que o «congresso serve para mostrar ideias, soluções, experiências e aprender com aqueles que já fizeram o caminho» da transformação digital.

A colaboração é o futuro
Erica Orange, partner da The Future Hunters e autora do livro ‘AI + The New Human Frontier’, deu a sua visão da relação entre os humanos e a inteligência artificial: a responsável acredita que vai ser pautada por «colaboração e complementaridade» em vez de ser uma «competição». Para a autora, a IA é uma «inteligência aumentada» e uma ferramenta para desempenhar «tarefas aborrecidas e mundanas», permitindo que os humanos se concentrem na «criatividade e na inteligência emocional». Deste modo, a tecnologia «não vai acabar com o trabalho, mas sim com o trabalho aborrecido». A autora fez uma analogia com as personagens Batman e Robin, em que os humanos são o Homem-Morcego com «habilidades de super-herói» e estão no «lugar do condutor»; e a IA é o seu companheiro, «sempre útil, fiável e engenhoso». Por outro lado, Erica Orange disse que a «IA não é uma panaceia» e que, por isso, «não deve ser vista como uma solução universal», sendo fundamental questionar «qual o problema que se está a tentar resolver e quem é que beneficia». Para além da produtividade e eficiência, a IA oferece uma oportunidade para «reimaginar e redistribuição o tempo e o talento» e não «apenas na redução de custos» e por isso, «no futuro, serão necessárias pessoas capazes de compreender tanto o lado técnico como o lado humano dos problemas».

A responsável destacou ainda que a IA tem o «potencial de tornar a inovação exponencial em todos os campos, da saúde à agricultura e à genética, ao processar dados de forma mais rápida do que qualquer humano» e que a combinação com outras tecnologias, como a computação quântica, pode levar a «possibilidades de investigação, inovação e descoberta efectivamente ilimitadas».

Redes são facilitadoras da IA
A soberania tecnológica da União Europeia foi o tema da apresentação de Alessandro Gropelli, director-geral da Connect Europe. O responsável esclareceu que, antes, existia uma abordagem de «autonomia estratégica aberta» em relação à tecnologia e que os recentes eventos geopolíticos e a presidência de Donald Trump vieram mudar o foco da Europa; agora, o presidente dos EUA quer «criar alternativas tecnológicas europeias para evitar dependências de terceiros».

Alessandro Gropelli referiu que há três camadas na soberania tecnológica, sendo a primeira, os serviços; a segunda, os dados e a cloud; e, a terceira, a conectividade, que inclui as redes e os chips. O responsável sublinhou que, actualmente, a Europa tem uma «dependência muito grande» em todos estes domínios, «especialmente dos EUA e da China», algo que é preciso mudar: «A Europa está a ficar para trás porque não é suficientemente inovadora, sendo um dos factores-chave para o crescimento ter um ecossistema de conectividade robusto».

O responsável disse ainda que existem alguns pontos positivos e negativos, como o facto de «4,7% do PIB europeu ser proveniente do ecossistema de conectividade», mas que as receitas nas telecomunicações têm baixado» e que, pela primeira vez em sete anos, o «investimento total do sector diminuiu 2%».
Quanto às redes, que são vistas como a «infraestrutura para o futuro», a Europa tem alguns pontos a favor como as coberturas 5G e Fiber-to-the-home, mas está atrasada no 5G Standalone. Já no que diz respeito à IA, o responsável realçou que esta tecnologia vai «aumentar em 50% o tráfego de dados relacionado com os data centers», tornando as redes de telecomunicações um «facilitador fundamental da revolução da IA» o que irá obrigar à necessidade de haver operadores maiores que consigam competir mundialmente. O director-geral da Connect Europe deixou indicações do que se deve fazer para atingir a soberania digital: «Regular menos, remover as regras sobrepostas e confusas, mantendo apenas as essenciais que definem os valores europeus». Além disso, a Europa deve «pensar em si como um continente» formando «um grande mercado único que compete globalmente e em escala», além de apostar mais em inovação: «É necessário permitir mais espaço para a inovação europeia, porque, se não o fizermos, os outros farão. Se quisermos ser independentes, temos de ter a ambição de desenvolver a nossa própria tecnologia, de a dar aos nossos filhos e de criar crescimento para o futuro».

Qualidade vs. Preço
O painel que reuniu os CEO das três maiores operadoras nacionais é sempre o ponto alto do congresso da APDC – e este ano não foi excepção. Após uma keynote da Sandra Maximiano, presidente da ANACOM, que falou da importância da regulação, do compromisso de «assegurar uma concorrência sustentável, proteger os utilizadores» e garantir que o sector evolui num ambiente de «inovação e acrescentando valor ao País», os responsáveis dos operadores voltaram a ser bastante críticos do regulador.
Ana Figueiredo, CEO da MEO, alertou que «existe concorrência e diversidade de oferta no mercado», comparando Portugal com a realidade da Alemanha, onde existem «quatro operadores para oitenta milhões» de cidadãos. A responsável defendeu que o sector é «transparente, tem trabalhado no desenvolvimento de redes de última geração e que os portugueses beneficiam de uma qualidade de serviço e rede, provavelmente, superior à média europeia». Assim, Ana Figueiredo sublinhou que que é isto que se devia discutir e não os preços.

A responsável alertou ainda que, nos «últimos dez anos», a receita do sector «decresceu 25% (42% com inflação)», que o custo por gigabyte «desceu 90%» e que o tráfego nas redes «se multiplicou por dezoito», o que afecta a «sustentabilidade» e a «capacidade de inovação e de investimento».

Já Miguel Almeida, CEO da NOS, disse acreditar que a «consolidação é inevitável» em Portugal, uma vez que o País «não tem capacidade para ter quatro operadoras», algo que foi apoiado pelo CEO da Vodafone, Luís Lopes: «Quanto mais tarde acontecer, mais prejudicial será». Ainda assim, o representante da NOS também assegurou que não houve da parte da NOS «entraves à entrada da Digi» no mercado nacional.

Sem previsibilidade, não há investimento
O responsável da Vodafone disse que a «previsibilidade do espectro é fundamental» e defendeu que as licenças deveriam ter durações mais longas, «cerca de trinta anos», e «alinhadas com o que acontece na Europa». Os outros CEO concordaram com estas afirmações e Miguel Almeida foi peremptório: dada a «imprevisibilidade de disponibilidade de espectro, a NOS não vai fazer nem mais um euro de investimento na rede móvel». O responsável questionou que estratégia se quer para o País: «Temos estado sempre na linha da frente e os operadores investiram. Há competitividade económica sem competitividade digital? Penso que não, portanto, essa é que é a discussão».

Ana Figueiredo afirmou que «não ter previsibilidade sobre o espectro de 2027 e 2031 é grave», alertando que isso pode levar à paralisação do investimento em capacidade de rede e que «não há inteligência artificial, computação quântica, edge computing, e cloud sem os operadores e sem rede». Por outro lado, Luís Lopes avançou que o «fundamental é não haver discriminação e não existir tapetes vermelhos», referindo ao tratamento dado a outros operadores.

Já sobre o 6G, Ana Figueiredo considerou que se «está a pôr a carroça à frente dos bois», havendo «outras questões essenciais para resolver», explicando os motivos: «Se não houver previsibilidade sobre o espectro actual que utilizamos, também não posso fazer grandes considerações relativamente ao do 6G, pois cada euro que gasto no investimento deste espectro é retirado da minha capacidade de investimento na rede e em inovação». Ficou, assim, patente que esta é a temática mais importante para os três operadores presentes e que será motivo de novas críticas ao regulador, no futuro, caso não exista, em breve, uma decisão de renovação automática por parte da ANACOM.

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