Rui Fontoura, managing director na Europa da Sovos, explica, em entrevista, a estratégia da empresa e como o atraso da nova Lei sobre a facturação electrónica B2B está a criar desconfiança no mercado nacional.
De que forma a Sovos se apresenta hoje ao mercado?
A Sovos é uma multinacional com presença em muitos países, quer directamente, quer através de parceiros, e que tem como seu foco de negócio aquilo que normalmente se designa por tax compliance, ou seja, garantimos que o processo de relação das organizações com as autoridades tributárias e com os parceiros de negócio, no que diz respeito aos processos fiscais, estão de acordo com a lei. Temos software e serviços que vendemos aos nossos clientes para garantir que todo o processo fiscal está de acordo com as regras que variam muito de país para país com muita frequência e que se tornam um fardo grande para as empresas.
A Sovos entrou em Portugal através da aquisição da Saphety e da PetaPilot. Como foi este processo?
O interessante foi ter sido todo feito durante a pandemia e por Teams. Só acompanhei a da Saphety, como é evidente, e a integração foi feita aos poucos. Numa primeira fase, manteve-se a estrutura exactamente como estava; isto foi durante o primeiro ano e eu fiquei como country manager. Depois, progressivamente, as funções passaram a ser integradas dentro da estrutura global da Sovos. Neste momento, existe uma estrutura mundial da qual Portugal faz parte; deixou de haver uma estrutura local porque todas as estruturas portuguesas fazem parte de uma global.
Qual é, actualmente, a estratégia da Sovos para o mercado nacional?
O mercado português tem tido diversos momentos ao longo dos anos. Aquilo que uma empresa na nossa área espera é o momento em que sai a legislação sobre a facturação electrónica e que a torna obrigatória para todo o mercado. Este é o grande momento, a grande explosão. Só para dar um exemplo, na Saphety, em 2017, abrimos um escritório na Colômbia, à espera que a Lei chegasse a esse momento. Esperámos dois anos e tivemos um grande sucesso.
Em Portugal, neste momento, o nosso negócio continua a estar muito focado naquilo que existe em termos legais: a obrigatoriedade de enviar facturas electrónicas para a administração pública. Apostamos muito nesta área com diversas soluções para permitir que os milhares de fornecedores do Estado tenham uma forma fácil de cumprir a sua obrigação de enviar as facturas, de acordo com a Lei, para a administração pública. Esta é, ainda, uma área de crescimento. Depois, actuamos genericamente no resto do mercado: estamos presentes em todos os segmentos de forma muito alargada e estabelecemos uma rede muito consistente de empresas. Portanto, diria que temos 70% do mercado português da troca electrónica de documentos, de facturas electrónicas e de encomendas. É um mercado muito estável, mas o grande factor de crescimento será a nova Lei sobre a facturação electrónica B2B.
Quais são os maiores desafios que vê no mercado português em relação à adopção da facturação electrónica por parte de todas as empresas?
A Lei tem sido sucessivamente adiada, isto é um problema que existe em Portugal. Primeiro, foi na sequência da pandemia, o que naquela altura até teve alguma lógica; foi adiada um ano, e, no final desse ano, mais um ano. Depois, foi adiada outra vez e o resultado é que já estamos com três anos de atrasos para a entrada em vigor de uma Lei absolutamente fundamental. Os atrasos legais são sempre um grande problema, até porque criam desconfiança no mercado – isto é outro problema.
Foi recentemente nomeado managing director na Europa. Como é que vê o mercado europeu, quais são os desafios e quais é que vão ser os seus objectivos neste novo cargo?
O meu papel é de liderar iniciativas da Sovos relacionadas com mais que uma unidade de negócio, portanto são as chamadas ‘iniciativas transversais’. Apesar de estarmos todos sobre o framework europeu de facturação electrónica, cada país tem e implementa a sua lei, a sua versão, portanto a diferença da legislação europeia país a país é o grande desafio. Assim, se eu tenho um escritório em Madrid, um em Paris, um em Inglaterra, vou comprar três vezes uma solução, ter três custos de implementação e ter pessoas que conhecem a Lei dos três países. O nosso desafio é conseguirmos ter uma solução em que uma empresa se liga à Sovos e, com uma única ligação, acede a todos estes mercados. Este é o grande desafio, o de estarmos sempre actualizados de acordo com as alterações constantes que existem no mercado europeu, de conseguir uma solução simples, de fácil implementação e que resolve este problema para os nossos clientes.
A transformação digital teve impactado significativo na facturação e, como consequência, a Sovos lida com muitos dados sensíveis de negócio. Como é que asseguram a segurança dos dados?
A própria legislação da facturação electrónica tem um conjunto de componentes de segurança associados, nomeadamente de encriptação, de assinaturas digitais e dos próprios repositórios. Na transferência, quando as facturas vão via Internet, são sempre protegidas e encriptadas. A legislação da facturação electrónica, por si, já garante a inviolabilidade e a segurança dos dados da própria factura. Temos uma área na Sovos, a InfoSec, que tem como único objectivo garantir a segurança dos dados das nossas plataformas e que faz este trabalho. É quase como se houvesse uma empresa independente dentro da própria Sovos, cuja responsabilidade é exactamente essa. Portanto, levamos este aspecto muito a sério.
O tema do momento é a IA generativa. Como é que estão a integrar esta tecnologia na empresa nas vossas soluções?
A inteligência artificial passou a ser, desde há algum tempo, mais uma grande iniciativa dentro da Sovos e tem duas grandes componentes. A primeira é fomentar a utilização de ferramentas de inteligência artificial por todos os elementos da empresa, nas suas mais diversas funções. Isto é um objectivo interno, todas as semanas temos novas sessões em que cada colaborador apresenta novas ideias para usar IA nas suas diversas funções. Neste momento, na Sovos, a IA está a ser usada para comunicar em inglês com toda a organização e, portanto, há aí a parte de tradução e do texto, que parece a mais evidente. Mas também é usada em coisas um pouco mais complicadas, como fazer folhas de Excel em que as próprias funções são criadas por inteligência artificial. A ideia é passarmos a usar esta tecnologia no dia-a-dia enquanto meros utilizadores. Digamos que a primeira linha de actuação é pôr toda a empresa a tirar partido destas ferramentas.
A segunda é mais a nível do próprio desenvolvimento do software. No nosso caso, as ferramentas de IA têm uma importância enorme, porque permitem o desenvolvimento de código a uma velocidade estonteante. Em paralelo, temos uma área própria de análise de dados que tem como objectivo utilizar inteligência artificial para analisar os próprios dados de negócio que temos. O que queremos é fornecer aos nossos clientes informação utilizável e interessante, com base nos próprios dados que os clientes têm.
Quais as principais tendências de mercado que antevêem nos próximos anos?
No mercado de tax compliance, o que estamos a notar é uma movimentação de algumas coisas que hoje já existem a nível particular para as empresas. Por exemplo, temos o IRS automático e as empresas vão ter um IRC automático. O IRC e o reporting fiscal de uma empresa são coisas complexas. É preciso fechar as contas do mês e enviar os reportings para a autoridade tributária; há todo um procedimento que ocupa muita gente. Acho que o que vai acontecer nos próximos anos é que as empresas vão chegar ao fim do ano e irá acontecer aquilo que acontece hoje com o IRS: a autoridade tributária vai dar o IRC já feito e as empresas vão dizer se está certo.
Mas isto é muito complicado de fazer, requer a análise de muitos dados e muito desenvolvimento, mas uma automatização do relacionamento entre as empresas e a autoridade tributária nos próximos três a quatro anos é qualquer coisa que vai acontecer e já está a começar. Diria que, nesta área de negócio, esta será a maior transformação. A autoridade tributária já é o centro do mundo, mas vai ser o centro de todo o negócio que se faz no mundo e nos diversos países; a autoridade tributária vai estar no meio, como grande garante, controlador de tudo e vai congregar toda a informação existente no mercado.
Qual é a sua visão sobre o futuro da Sovos?
A Sovos é uma empresa que cresce por aquisições, portanto vai comprando outras empresas. Mas, hoje, é uma empresa detida por fundos internacionais de private equity – portanto, o destino da Sovos e deste tipo de empresas é sempre crescer mais. Há diversas possibilidades: o crescimento orgânico, o crescimento por aquisições e, neste mercado aberto, não sei se poderá haver futuras fusões, aquisições, se poderá ser vendida ou comprada, mas uma coisa é certa: vai continuar a crescer nos próximos anos, isso é inevitável.